Documento foi tema de audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Somente na última década, mais de 300 pessoas foram assassinadas no contexto de conflitos por terra e pelo uso de recursos naturais na Amazônia brasileira. A violência, o desmatamento ilegal e a impunidade têm sido marcas na região, que sofre com a extração ilegal de madeira e de outras atividades de exploração.
Os dados são de relatório produzido pela Human Rights Watch e lançado ontem (18) durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
De acordo com a organização, a extração ilegal de madeira na Amazônia é impulsionada, em grande parte, por redes criminosas que têm a capacidade logística de coordenar a extração, o processamento e a venda em larga escala, e que utilizam da violência como método para o avanço dessas atividades.
O relatório aponta o fracasso do Estado brasileiro em identificar e punir os agentes desses crimes e destaca que a omissão das autoridades têm gerado consequências, pois a maior parte dos homicídios que ocorreram na região no período esteve precedido por ameaças.
Para a elaboração do documento, a Human Rights Watch utilizou dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e analisou detidamente 28 dos casos de assassinatos, além de quatro tentativas de homicídios e 40 casos de ameaças.
“Dos 300 assassinatos mapeados pela CPT, só 14 chegaram à Justiça. Entre os 28 examinados pela Human Rights, apenas dois foram julgados. No caso das 40 ameaças, nenhuma chegou a instância judicial”, destacou César Muñoz, pesquisador da instituição.
A organização destacou que em pelo menos 19 dos 28 assassinatos examinados, os ataques foram precedidos de ameaças contra as vítimas ou suas comunidades. “Se as autoridades tivessem realizado investigações minuciosas sobre esses atos anteriores de intimidação, poderiam ter evitado os assassinatos”, destaca o documento.
Ainda de acordo com a Human Rights Watch, essa desproteção tem alcançado, inclusive, agentes do Estado: “algumas dessas vítimas eram agentes de fiscalização ambiental. A maioria era membro de povos indígenas ou outros moradores da floresta que denunciaram a exploração ilegal de madeira às autoridades ou procuraram de outras maneiras contribuir com os esforços do Brasil para fazer cumprir suas leis ambientais”.
O relatório aponta ainda como insuficiente a proteção oferecida pelo Estado brasileiro a defensores da floresta e ressalta que, na prática, o programa nacional de proteção a defensores de direitos humanos oferece pouca proteção significativa. “Geralmente, são medidas mínimas, que envolve nada além de contato ocasional por telefone”.
Além de dados coletados pela CPT, a Human Rights Watch também realizou mais de 120 entrevistas com membros de povos indígenas e de outras comunidades locais, bem como com representantes de instituições do poder público – incluindo a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF).
“É preciso atuar articuladamente para conter esse quadro devastador de violações de direitos”, destacou durante a audiência a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat. Para a PFDC, a impunidade alimenta uma cadeia criminosa e que tende a se agravar, com o avanço sobre os recursos naturais e sobre os povos da floresta.
“É preciso um incremento na atuação do sistema de justiça. Trabalhar de forma mais ampliada e em redes envolvendo Ministérios Públicos, Defensorias e o sistema de Justiça”, destacou.
A procuradora também sugeriu à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara impulsionar a reinstalação do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbano, que funcionava no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “É algo que permite criar uma inteligência sobre como investigar, como prevenir e como punir”, ressaltou.
A necessidade de uma atuação articulada também foi apontada pela procuradora da República Márcia Zollinger, representante da Câmara do MPF sobre Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais. “Há um desmonte dos órgãos de fiscalização e da própria política socioambiental e que impactam no aumento da vulnerabilidade dos povos da floresta. É preciso, portanto, cobrar das diversas instituições que compõem a nossa República: Poder Judiciário, Congresso, Ministério Público Federal e a todas as demais instituições que têm o dever de fazer respeitar a Constituição Federal”.
O entendimento também foi compartilhado pelo coordenador da Câmara do MPF sobre Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas. “Estão aqui três órgãos do Ministério Público Federal – a PFDC, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural e a Câmara sobre Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais – compartilhando uma mesma visão de que a primazia expressa na Constituição Federal é a do respeito aos direitos fundamentais: o direito à vida, à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição é o nosso norte de atuação”.
O apelo por uma atuação efetiva do Estado brasileiro também foi destacado por Raione Lima Campos, da Comissão Pastoral da Terra. “O cenário que vivemos na Amazônia é o de mortes e de legitimação da violência, que já não são mais tímidas, pois agora ocorrem à luz do dia. É preciso que o Estado cumpra seu papel de proteção”.
A íntegra do relatório está disponível em português e também em versões em inglês, francês, espanhol e alemão. O documento traz uma série de recomendações com foco na proteção aos defensores da floresta e contra impunidade por atos de violência.
Assessoria de Comunicação e Informação
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