As ações foram fruto da parceria entre Funai, ICMBio e associações Yanomami da região de Maturacá (AM), que fica próxima ao Pico da Neblina, norte do Estado do Amazonas

Serra do Tatu (ou, na língua Yanomami: ‘Opota’) onde fica a região de Maturacá no Estado do Amazonas [fotos: ICMBio]

Entre os dias 14 e 21 de julho, representantes Yanomami da região de Maturacá (AM), que envolve as Aldeias de Ariabu, Maturacá, Auxiliadora, União e Santa Maria, participaram do “Curso Fundamental de Trilhas Sustentáveis” e da “Oficina de Educação Ambiental voltada para os cuidados com o Lixo”, realizados por meio da parceria entre Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Funai, Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK) e Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA).

Os Yanomami dessa região, localizada no sopé da Serra do Tatu – ou Opota, em Yanomami –, se reconhecem como Opotatheri, termo de pertencimento a uma identidade comum definida pelo lugar onde vivem, o qual abrange a comunidade formada pelos habitantes dessas cinco aldeias.

Retomar a conexão entre a humanidade e a natureza é um dos caminhos para a conservação do meio ambiente e o principal objetivo do Curso Fundamental de Trilhas Sustentáveis. O Curso é mais uma iniciativa de fortalecimento do Plano de Visitação Yaripo, por meio do qual as instituições envolvidas buscam a abertura oficial da visitação à mais alta montanha do Brasil: o Yaripo, como é conhecido pelos Yanomami, ou Pico da Neblina, como é denominado pelos não indígenas.

Desde 2003 a visitação encontra-se proibida devido a uma recomendação do Ministério Público Federal, que considerou que a atividade causava violações aos direitos do povo Yanomami, bem como impactos ambientais decorrentes do turismo desordenado realizado por não indígenas e agências externas.

Considerando a interface territorial existente, que decorre da sobreposição do Parque Nacional (Parna) do Pico da Neblina com a Terra Indígena (TI) Yanomami, há grande empenho do ICMBio e da Funai no que diz respeito ao ordenamento da atividade de visitação na região, com destaque aos trabalhos iniciados em 2014 a partir da criação da Câmara Temática do Ecoturismo.

Nesse espaço de diálogo, que conta com a participação de representantes Yanomami e de instituições parceiras, foram realizadas diversas oficinas e capacitações, resultando na elaboração do Plano de Visitação Yaripo em 2017, que prima pelo desenvolvimento do turismo de base comunitária com protagonismo indígena. O Plano, que busca uma alternativa econômica sustentável para os Yanomami, visa à conciliação entre diversos objetivos: conservação da sociobiodiversidade, proteção da fronteira brasileira e apoio à promoção do bem viver Yanomami.

A trilha é o principal equipamento turístico que leva o visitante aos atrativos naturais, por isso ela possui um papel importantíssimo nessa relação. “Uma das funções do ecoturismo sustentável é encantar o público com a natureza e fazer com que ele se torne um defensor da conservação, fortalecendo a demanda por investimentos e ações para setor. Mas, para isso, ele precisa sair satisfeito daquela experiência”, explica Pablo Casella, analista ambiental do ICMBio. “Para isso, nós acreditamos que as trilhas precisam ser planejadas e manejadas de acordo com o conceito de trilhas sustentáveis, que envolve três dimensões básicas: a ambiental, a gerencial e a experiencial”, afirma.

A primeira dimensão se refere ao mínimo impacto, evitando perda de solo, assoreamento, e a exposição de raízes. A dimensão gerencial está relacionada à eficácia no emprego de recursos, como a mão de obra, o tempo e o dinheiro necessários, devendo-se optar por intervenções mais duradouras possíveis. A última dimensão leva em consideração a experiência do turista, considerando-se que a trilha deve ser uma interface neutra no contato entre o visitante e o ambiente natural, “ela não pode interferir negativamente no passeio, pelo contrário, o ideal é que o torne ainda mais positivo ou, pelo menos, não atrapalhe”, ressalta.

Para Casella, “o ecoturismo é como remédio para a alma doente dos napë (não indígenas, na língua Yanomami), que se desconectaram da natureza e precisam novamente se reaproximar para alcançarem bem-estar”. Neste sentido, o turismo sustentável pode ser entendido como uma importante estratégia para que as pessoas voltem a conhecer a natureza e a desenvolver laços estreitos com o ambiente natural para, assim, defendê-lo. Bem como defender os povos que vivem nele.

“O conceito novo que buscamos levar nesse curso é de que as três dimensões sejam igualmente priorizadas por quem é responsável por uma trilha. Será com uma correta obediência à terceira dimensão, por exemplo, que surge o potencial de transformar o turista em um defensor tanto da causa ambiental, quanto da questão indígena”, opina o analista ambiental do ICMBio.

Baseado nesse tripé, o curso mesclou atividades teóricas e práticas dentro de uma carga horária de 40 horas e destinou a atividade de campo para algumas intervenções, feitas na própria região de Maturacá, que pudessem servir de modelo para futuras intervenções na trilha de acesso ao Yaripo e nas demais trilhas que os Yanomami da região do rio Cauaburis planejam abrir para visitantes.

Os alunos, homens e mulheres, colocaram a mão na massa e realizaram algumas intervenções, como a construção de degraus, estruturas para desviar água e uma nova trilha de acesso entre o rio e a sede das associações, feita com declividade muito mais suave, seguindo as diretrizes técnicas das trilhas sustentáveis.

De acordo com o ex-Diretor da Ayrca (Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes) e ex-coordenador do Projeto Yaripo, Salomão Yanomami, “a comunidade tem anseio de cursos de aperfeiçoamento como esse, que contribuem para a autossutentabilidade do povo Yanomami”.

Calixto Yanomami afirmou que “assim que o Plano de Visitação Yaripo for aprovado, vamos levar esse trabalho e aplicar os conhecimentos nas trilhas voltadas ao turismo”.

A Oficina de Educação Ambiental voltada para os cuidados com o lixo reciclável e lixo orgânico, ocorrida entre os dias 19 e 21, foi realizada pela Coordenação-Geral de Gestão Ambiental (CGGAM/Funai). A demanda para a Oficina foi apresentada pela Coordenadora da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Floriza Pinto, e planejada conjuntamente pela CGGAM, Coordenação Regional Rio Negro e Parque Nacional do Pico da Neblina/ICMBio durante os últimos meses. A temática foi abordada inicialmente durante a Assembleia da Associação Kumirayoma, em junho de 2018, tendo sido uma das pautas principais levantadas, pois se trata de uma questão que impacta todas as comunidades Yanomami.

A Oficina teve como objetivo discutir as principais causas e consequências do excesso de lixo observado atualmente nas aldeias, bem como gerar um processo de diálogo intercultural e de reflexão sobre possíveis caminhos para ajudar a reduzir os impactos que já vêm sendo observados nas comunidades indígenas.

Dona Carmelita de Assis relatou que há tempos atrás, antes do contato com os napë (brancos, em Yanomami), não havia lixo como agora e que todos cuidavam da limpeza das aldeias. Ressaltou que dificilmente os indígenas ficavam doentes comendo os alimentos tradicionais e que hoje o consumo dos produtos vindos da cidade tem trazido muitos problemas, entre os quais o excesso de lixo.

Além de problemas à saúde, os danos ao meio ambiente causados pela grande quantidade de lixo nas aldeias também foram abordados pelos participantes. A poluição e contaminação dos recursos hídricos e do solo, os prejuízos à fauna local e possíveis impactos à atividade turística foram os principais aspectos levantados na discussão.

“Pensando nos aspectos mencionados, há a iniciativa de incentivar a compra de alimentação destinada aos visitantes do Yaripo na própria comunidade, com fomento à economia local, maior envolvimento das mulheres (responsáveis pelo cultivo nas roças e preparação dos alimentos), valorização da culinária tradicional e mais saudável, minimizando os itens industrializados trazidos da cidade – que acabam gerando muito lixo e afetando a saúde direta e indiretamente”, complementa Luciana Uehara, gestora do Parque Nacional do Pico da Neblina.

O tempo que alguns tipos de lixo levam para se decompor; a importância de repensar o consumo, de reduzir a geração e o descarte de itens adquiridos e de reutilizar produtos mereceram destaque nas conversas. Além disso, foi ressaltada a necessidade de separação do lixo, orgânico e inorgânico, e, entre estes, o descarte especial de pilhas e baterias, muito comuns nas aldeias e altamente prejudiciais ao meio ambiente por conterem metais pesados, com chumbo, níquel, cádmio, mercúrio e zinco, que podem fazer mal à saúde e contaminar o solo e os cursos d’água.

“Conseguimos realizar uma articulação com o Pólo Base do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Maturacá para que eles funcionem como ponto de coleta das pilhas e baterias que serão recolhidas, uma vez por mês, nas aldeias”, ressaltou Nathali Germano, servidora da CGGAM.

Além de discussões teóricas envolvendo o problema dos resíduos sólidos nas aldeias, foram realizadas atividades práticas de aproveitamento do lixo orgânico (daquele não destinado para a alimentação de pequenas criações) voltadas à adubação de plantas por meio da compostagem, da preparação de covas para plantio de mudas e para a adubação de árvores já plantadas. Foram realizados ainda mutirões de coleta nas cinco aldeias da região de Maturacá.

“Tão importante quanto a redução do lixo, sua coleta e separação, é a sua destinação final em local seguro. Para tanto, a preparação adequada de aterros, em articulação com o DSEI é fundamental”, acrescentou a servidora.

A Oficina foi finalizada com a construção de um planejamento visando à continuidade das atividades de sensibilização comunitária para os cuidados com o lixo e de mutirões de limpeza nas aldeias para o segundo semestre de 2019, sendo previsto, no fim do ano, um novo planejamento para 2020. Os participantes escolheram um representante por aldeia e dois coordenadores para ficarem como principais responsáveis em dar prosseguimento aos trabalhos.

Para Floriza Pinto, coordenadora da AMYK, “o cuidado com o lixo é um tema muito importante para as comunidades indígenas atualmente e que deve envolver mulheres, homens, jovens, agentes de saúde, professores”. E acrescenta que “a Oficina foi uma ótima iniciativa das instituições envolvidas e a Associação Kumirayoma dará continuidade às atividades iniciadas, contando com o apoio dos parceiros”.

As atividades realizadas revelam o compromisso da Funai, do ICMBio e das associações indígenas em elaborar e implementar ações conjuntas e participativas com vistas a fortalecer a gestão integrada do território e promover a sustentabilidade das comunidades Yanomami, sob a ótica da dupla proteção dos direitos ambientais e indígenas.

por: Coordenação Geral de Gestão Ambiental (CGGAM/Funai), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma – Yanomami de Maturacá realizam atividades relacionadas ao turismo sustentável e à conservação ambiental — Fundação Nacional dos Povos Indígenas (www.gov.br)