As Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) possuem vasta experiência em missões de apoio humanitário pelo mundo. Desde 2008, foram pelo menos 15 atuações como a desenvolvida no Haiti, em 2010, quando o Brasil liderou as ações de resgate, assistência humanitária e de reconstrução daquele país devastado por um terremoto. Mas desde março de 2018, os militares brasileiros têm vivenciado uma experiência diferente.
A Operação Acolhida, Força Tarefa Logística Humanitária para o estado de Roraima, é a primeira missão de natureza humanitária em território nacional. A operação que está no 5º contingente, já contou com mais de três mil militares. Conheça algumas histórias dessas pessoas que, pela profissão, guardam a saudade de casa para servirem ao país em uma missão inédita.
Novos Valores
A um mês de voltar para casa, o Capitão do Exército Valdir Schwaickartt já avisou para quem o espera em São Paulo “eu vou voltar diferente”. Em mais de 50 dias de missão, ele jamais imaginou que o amadurecimento pessoal seria tão rápido e forte. “Eu vi de perto o que é o sofrimento dessas pessoas. Elas saíram do seu país de origem para nos pedir socorro. Perderam tudo e chegaram aqui sem dignidade nenhuma, daí olham para nós fardados e enxergam a esperança”, destacou.
Schwaickartt que serve no Posto de Triagem de Pacaraima, se vê como uma nova pessoa, com novos valores. Tem aprendido tanto na Operação Acolhida, que ainda não está preparado para ir embora. “Eu nem tenho visto o tempo passar aqui, parece que cheguei ontem. Eu só sei que eu vim um e vou voltar outro, cheio de histórias para contar. É muito gratificante, o pouco que a gente faz para eles é muito”, finalizou.
Oportunidade
Em Boa Vista, o Coronel Georges Kanaan, do Exército Brasileiro, é o coordenador adjunto da Acolhida e está na operação desde da fase de planejamento. Pisou no estado de Roraima em 21 de março de 2018 e não saiu mais. Nesse mais de um ano no local, já vivenciou diversas situações. Porém, para ele, o aspecto mais difícil é conviver, diariamente, com pessoas nas ruas e ter que selecionar aquelas que vão para o abrigo. “Qual o critério? Quem sou eu para dizer que essa família vai entrar e aquela outra vai ter que esperar? A gente se pergunta, mas eu acredito que vamos superar. Até porque, se temos mais de 12 mil pessoas interiorizadas e mais de 6 mil nos abrigos, já são, pelo menos, 18 mil que não estão mais na rua”, explicou.
Entre tantas vivências, Kanaan acredita que pelo lado profissional o que mais marca é o fato de ter tantos agentes nacionais e internacionais envolvidos na Acolhida. Segundo ele, as igrejas, por exemplo, independentemente de religião, se juntaram para fazer a melhor ação humanitária. Já pelo lado pessoas, o Coronel lembra de uma situação em 23 de dezembro do ano passado, quando distribuía cestas básicas para os venezuelanos que moravam na rua.
“Quando estávamos indo embora, um garoto de 13 anos me pediu uma cesta. Em tom de brincadeira eu falei que trocava a cesta pela bicicleta, e ele aceitou. Esperei ele sair para ver qual seria a reação e depois devolver o objeto. Quando me aproximei, a família dele estava esperando na rua, contei a história e todos começamos a chorar. São coisas que impressionam e chocam”, esclareceu. Kanaan considera que o que falta é a sociedade enxergar o imigrante não como um problema, mas como uma oportunidade, pois há pessoas qualificadas e com vontade de trabalhar.
Esperança
Em 27 anos de carreira, o Capitão -Tenente Roberto Damião de Souza, da Marinha, considera a Acolhida uma missão gratificante. Como oficial de ligação de transporte aéreo na Operação, ele coordena todo o material que chega de todas as partes do país, como as doações. “Eu posso testemunhar de perto o quanto nós brasileiros temos uma disposição em ajudar as pessoas, principalmente, as que estão em situação difícil. As contribuições vêm de todos os lugares, em grande quantidade e das mais diversas formas. Além do trabalho voluntário, isso para mim é um grande aprendizado”, enfatizou.
O trabalho conjunto entre as Forças Armadas e as agências é um dos pontos que mais impressiona Damião. Pois, de acordo com ele, é uma missão difícil que requer muitas responsabilidades de todos que participam. “Qualquer um que vem aqui percebe que o efeito desejado é acolher com dignidade o refugiado. Essa sinergia é muito boa de se ver, dá orgulho de ser militar brasileiro. Sabemos que o nosso trabalho tem dado esperança ao sofrimento de todos que chegam aqui”, declarou.
Dignidade
Apesar do desafio de uma língua diferente, para o Subtenente do Exército Saulo da Silva Oliveira estar na Acolhida é uma realização profissional e pessoal. Ele que serviu duas vezes no Haiti, enxerga a missão como um fator determinante para o crescimento do sentimento humanitário. “Ao vermos a dificuldade do outro, percebemos que o que passamos é nada. Tem muita gente aqui graduada com até duas faculdades morando na rua e passando necessidade, sem falar das crianças lindas que têm idade da minha filha, isso mexe muito comigo”, afirmou Saulo que serve na Célula de Interiorização.
Mesmo com toda a calamidade que têm visto desde abril, quando chegou na operação, Saulo diz que a cada dia que passa em Roraima só tem mais orgulho da profissão. “Estou fazendo o que eu gosto que é ajudar o povo necessitado. Minha missão é ajudar e dar o mínimo de dignidade para essas pessoas, vou continuar fazendo isso sempre”, destacou.
Valorização
O Sargento da Força Aérea Brasileira Elenilson Albuquerque, já serviu duas vezes na Operação Acolhida como Técnico de Enfermagem. Entre as tantas experiências que vivenciou nesses períodos, a que mais o marcou foi o translado de uma paciente com diagnóstico de Hemangioma Cerebral. De Boa Vista até o município de Tubarão, em Santa Catarina, foram mais de 10 horas, por via aérea e terrestre.
“Demos todo suporte necessário para a viagem. Ali pude me sentir diretamente valorizado e útil em participar dessa pequena missão, porém de valor ímpar. A paciente conseguiu a cirurgia e depois nos comunicou que tudo havia corrido bem. É muito gratificante”, destacou. Para ele, o maior aprendizado da missão é a valorização da vida. “Tudo é passageiro e, de um dia para o outro podemos não ter mais nada. Por isso a valorização do ser e não do ter”, destacou.
Início
A Operação Acolhida iniciou em março de 2018 e conseguiu dar uma resposta rápida ao grande fluxo migratório dirigido ao Brasil, devido a um treinamento ocorrido em novembro de 2017 que envolveu as Forças Armadas em ações logísticas e humanitárias.
Durante 15 dias, foi realizado na cidade de Tabatinga (AM), na tríplice fronteira Brasil, Peru e Colômbia, o AMAZONLOG, um Exercício Multinacional interagências de Logística Humanitária. Na ocasião, mais de duas mil pessoas, entre civis e militares, de quase 30 países, simularam um cenário de seca onde as pessoas fugiam para o Brasil.
Assim que o Governo Federal decretou estado de emergência em Roraima, no planejamento da operação foram aproveitadas as atas e processos feitos nesse exercício de 2017, o que facilitou a contratação de serviços e produtos, por exemplo. Mesmo com todas as dificuldades de uma operação inédita e em uma região de isolamento geográfico, em sete meses a Acolhida estava com toda a estrutura para receber um grande fluxo de refugiados.
O preparo militar foi um dos pontos fundamentais para que a Operação Acolhida funcionasse da maneira que está hoje. Junto com as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), estão 11 ministérios e mais de 100 agências, todos atuando em três pilares: acolhimento, abrigamento e interiorização dos irmãos venezuelanos.
A Operação Acolhida, com a participação das Forças Armadas, mantém o equilíbrio regional, executando um trabalho de logística humanitária e monitorando o reflexo da imigração na fronteira brasileira.
Por Júlia Campos – Fotos: Alexandre Manfrim/MD
Assessoria de Comunicação Social (Ascom)
Ministério da Defesa – Operação Acolhida: o trabalho de militares brasileiros na primeira missão humanitária em território nacional — Ministério da Defesa (www.gov.br)