Marcada pelo ritual da menina moça e da furação de nariz, a puberdade voltou a ser comemorada pelos Nambikwara Katitaurlu, na Terra Indígena (TI) Sararé, município de Conquista D’ Oeste, Mato Grosso.

Competições esportivas também compuseram as atrações do evento. Foto: Arquivo Funai

Durante a 10ª edição da festa Txawxãhaijausu (“Nossa Música”, na língua Nambikwara), em meio a músicas de flautas, cantos, danças e competições esportivas, as comunidades das aldeias celebraram a passagem de garotas e rapazes para a fase adulta.

O evento, que ocorreu entre 11 e 14 de julho, foi executado com recursos do Plano de Aplicação da Renda do Patrimônio Indígena da TI Sararé e contou com o apoio da Funai, Sesai e da Prefeitura de Conquista D’Oeste. Presente em todas as etapas da iniciativa, a Coordenação Técnica Local (CTL) de Pontes e Lacerda, subordinada à Coordenação Regional Cuiabá, colaborou a partir da mobilização da comunidade, organização do evento e aquisição de materiais e alimentos necessários à sua realização.

A prefeitura garantiu a melhoria das estradas de acesso, prestou apoio para a infraestrutura, cedeu o transporte necessário ao deslocamento das comunidades da TI Nambikwara, em Comodoro-MT e, juntamente com a Sesai, conduziu as competições esportivas e aquisição de troféus.

O ritual da menina moça está presente entre os Nambikwara e diversos outros povos indígenas brasileiros. Durante a primeira menstruação, a menina é mantida em reclusão em maloca específica, de forma que o contato com o mundo externo se dá apenas por meio das mulheres que com ela conversam e a aconselham. O período de clausura não é padronizado, mas pode chegar de um mês a um ano.

Para a retirada da menina da clausura e apresentação à comunidade indígena como mulher pronta para exercer as tarefas femininas e até mesmo para casamento, os Nambikwara convidam os parentes indígenas de outras aldeias. Ao entardecer, a menina deixa, intermitentemente, a reclusão e dança com seus padrinhos. Séria, a garota não deve olhar para aqueles com quem dança. No fim da madrugada, é completamente liberta da clausura e, ao raiar o dia, agora livre, a moça recebe cânticos e ofertas de peixe assado e beiju.

Durante o evento, alguns rapazes também atingiram o status de adultos por meio do ritual denominado Furação de Nariz. Sem anestesia e deitados no chão, os jovens tiveram seus lábios transpassados com vareta de bambu e o septo nasal com osso de macaco.

Chorar ou tremer é incogitável. Após o furo, chega o momento da pajelança. A partir de então, o rapaz já assume responsabilidades com a vida social da família e da comunidade. A prática é milenar entre os Nambikwara.

Saulo Katitaurlu, cacique de uma das aldeias da TI, explica que a festa promove a interação e a paz entre as comunidades indígenas. “Há muito tempo havia conflito entre os indígenas.

Hoje, estamos fazendo paz. Então, essa festa tem um significado: ela traz alegria. Seja amigo ou inimigo, todos estarão juntos nessa hora. É uma oportunidade de conversamos novamente, ou seja, nos traz alegria e paz”, relata o cacique.

Para Sara Barros, professora da aldeia que convive com a comunidade há 15 anos e uma das idealizadoras do evento juntamente com  professores indígenas, a Txawxãhaijausu é mais que uma grande festa para os Nambikwara, define-se, também, como uma oportunidade de fortalecimento cultural, desenvolvimento pessoal e coletivo.

“Depois de alguns anos de trabalho com o povo, vimos que os saberes eram repassados por meio da música. Escrevemos, então, um projeto de fortalecimento da identidade para valorizar o conhecimento étnico, promover o intercâmbio entre os Nambikwara e outros povos indígenas e proporcionar momento de aprendizagem entre os jovens”, declara.

Neste ano, em cada dia do evento, cerca de 200 pessoas participaram das atividades. A tradição de convidar indígenas de outras TIs foi mantida. Os Nambikwara Negarotê da Terra Indígena Nambikwara estiveram presentes e se envolveram no ritual.

Também compareceram estudantes não-indígenas de uma escola estadual do município de Pontes e Lacerda-MT que interagiram com as comunidades indígenas a partir de competições esportivas em jogos como futebol, peteca, arco e flecha e oficinas de pintura corporal.

André Rodrigues, chefe da Coordenação Técnica Local de Pontes e Lacerda/MT, entende a festa como uma oportunidade não só para os indígenas fortalecerem suas tradições, mas também para a sociedade envolvente aprender com os costumes, valores e com a visão de mundo dos Nambikwara.

“Essas ações são importantes para a troca cultural com os jovens não-indígenas, possibilitando a oportunidade de conhecer a cultura e diminuir o preconceito social. De modo geral, esse conjunto de ações da Funai está em consonância com a proteção, promoção e o fortalecimento cultural do povo Nambikwara Katitaurlu”, comenta o indigenista.

Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai, com informações da CTL em Pontes e Lacerda