Após 13 anos de tramitação, o processo com 17 volumes, 4.166 páginas e mais nove volumes apensos, relativo à Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), foi sentenciado. Na ACP, o MPF pedia à Justiça Federal a desocupação da Terra Indígena Jarudore, da etnia Bororo, situada no município de Poxoréu, distante aproximadamente 260 km da capital Cuiabá.
No dia 28 de junho, o juízo da Subseção Judiciária de Rondonópolis reconheceu o direito dos índios Bororos à posse e usufruto da TI Jarudore, num total de 4.706 hectares, e determinou a desocupação da área pelos não índios que exploram atividade econômica na terra indígena, no prazo máximo de 90 dias. A sentença não abrange a sede urbana do distrito de Jarudore.
A Terra Indígena Jarudore foi demarcada, inicialmente, em 1912, por Marechal Cândido Rondon, com o nome de São João do Jarudóri, em uma área equivalente a 100 mil hectares. Os documentos da demarcação se perderam com o tempo, restando apenas os relatos históricos. Com o passar dos anos e por meio de atos do governo de Mato Grosso, a TI acabou sendo reduzida para os atuais 4.706 hectares.
O título da terra indígena foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis, em Poxoréu, em 20 de agosto de 1958. Mas isso não impediu que o próprio estado de Mato Grosso, criasse, por meio de lei, o distrito de Paz de Jarudore, com sede na TI, o que, de acordo com o MPF, teria estimulado a ocupação das terras por não indígenas. “Criado o novo distrito, estavam abertas as portas para novas ações contra os Bororo. Assim, a partir da década de 1960, deu-se curso a uma intensa ocupação do território na forma de concessão de títulos a terceiros, seguido de parcelamento do solo. Novas ocupações são realizadas, sempre estimulada ora pelo estado de Mato Grosso ora pelo município de Poxoréu”, afirmou o MPF nos autos.
Ainda de acordo com o processo, as ocupações teriam sido conduzidas com violência contra os Bororo. “Estes, por sua vez, sem acesso à terra, indispensável à subsistência da etnia, teriam sido forçados a se deslocar para outras regiões, mas jamais perderam o desejo de retornar à Jarudore”, salienta o magistrado.
Conforme o juiz, somente a União pode decidir sobre o destino das terras de Jarudore, em caso de eventual desinteresse dos indígenas em habitar a região, não podendo o estado de Mato Grosso se apossar delas, ainda que estejam abandonadas. “Diante desse cenário jurídico, resta inequívoca a irregularidade da Lei mato-grossense 1.191, de 20 de dezembro de 1958, que criou o ‘distrito de Paz de Jarudore’, no município de Poxoréu (MT), com uma sede urbana no interior da TI Jarudore. Ainda que os Bororo não ocupassem o lote, por vontade livre e espontânea, o reconhecimento formal de uma povoação urbana no interior da reserva indígena, pelo estado, colidiu frontalmente com a propriedade da União”, enfatizou.
Atualmente, a ocupação indígena está limitada a uma área de 772 hectares, cuja extensão é incapaz de assegurar a preservação da identidade da etnia, restringindo também o exercício das atividades de subsistência e o acesso aos locais com elos sagrados.
Durante a tramitação dos autos, os requeridos chegaram a alegar que a área não era ocupada permanentemente pelos indígenas e que seria apenas um território de passagem. Neste trecho, o magistrado, na sentença, ressaltou a diferença existente entre os indígenas e os não índios na relação com a terra, e citou um trecho do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF): “(…) todos os membros de uma peculiar etnia indígena estão intimamente ligados com as terras ocupadas de modo permanente e tradicional pela etnia.”, e também da PET 3.388: “(…) no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia”.
Para o juiz, “a moradia pode ser exercida em outra porção de terra e os interesses patrimoniais podem ser indenizados. Mas a identidade indígena de uma determinada etnia não subsiste sem aquela mesma porção de terra (…)”. Por fim, o magistrado concluiu que todas as titulações existentes dentro da Terra Indígena Jarudore são nulas, sendo que as terras indígenas eram e permanecem indígenas. Somente serão indenizados aqueles que já possuíam lotes no interior da reserva quando da edição do Decreto Lei 684/1945, correndo prazo prescricional a partir do decreto. Os não índios que passaram a ocupar a área da reserva indígena após a sua criação, pelo citado decreto, não tem qualquer direito adquirido à manutenção da posse. Também não haverá indenização por benfeitorias realizadas após a criação da reserva indígena.
Distrito de Jarudore – A sentença não implica na extinção do distrito de Jarudore, como uma unidade administrativa de Poxoréu, como também não proíbe a presença de não índios no local, e na presença do estado e do município na região, no fornecimento de serviços públicos como educação, saúde, saneamento, habitação e segurança. Mas a permanência desses serviços deverão ser acertados junto à União, para que sejam prestados em conformidade com as políticas de assistência à saúde e educação indígena.
Ressalta a sentença que enquanto não transitada em julgado, e, depois, enquanto não houver manifestação expressa da Funai e do MPF relativo ao acerto com os representantes da etnia sobre a permanência de não índios na sede do distrito, bem como sobre as condições de permanência, deverá ser garantida, aos não índios, a utilização de uma via de acesso à população urbana de Jarudore (moradores da “Vila de Jarudore”), compatível com as necessidades locais, bem como a permanência de todos os serviços públicos, estaduais e municipais, inclusive de manutenção e conservação de obras localizadas fora do perímetro urbano.
Proibição – Fica vedada a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como qualquer atividade agropecuária ou extrativa, o que implica na não permanência de todos os não índios que ocupam uma porção de terras além dos limites do conglomerado urbano do distrito.
Prazos – A desocupação da TI Jarudore deverá ser realizada em duas etapas. A primeira, referente à área com 1.930 hectares, localizada nas porções Oeste e Nordeste da terra, em 45 dias. E a segunda etapa, com área de aproximadamente 1.730 hectares, na porção Sul, em 90 dias.
Conforme o texto da sentença, não será admitida, em nenhuma circunstância, mesmo tendo decorrido o prazo para desocupação voluntária, que os bororos ocupem a área sem que seja atestado em juízo a saída de todos os não índios. Também não será permitida, até o trânsito em julgado, a demolição, a destruição e o usufruto das construções e obras (públicas e privadas) após a reocupação dos bororos. A restrição não se aplica às plantações.
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