Julgamento foi suspenso no último dia 5 para unificar análise de dois processos correlatos sobre o caso; ausência de consulta prévia aos waimiri-atroari motivou o pedido de anulação.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) julga, nesta quarta-feira (19), em Brasília, duas ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) com potencial para impedir o prosseguimento das medidas para implementação do chamado Linhão de Tucuruí entre Manaus e Boa Vista. Diante da total ausência de consulta prévia, livre e informada dos indígenas waimiri-atroari em relação ao projeto, o MPF pede, em uma das ações, a anulação do leilão que atribuiu à concessionária Transnorte Energia (TNE) a execução da obra e, em outra, a anulação da licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

As duas ações obtiveram sentenças favoráveis nos julgamentos da primeira instância. Agora, o TRF1 decidirá se mantém ou modifica essas sentenças que determinam a anulação do leilão e da licença prévia para o trecho da linha de transmissão, em razão do descumprimento da obrigação de consulta prévia ao povo Kinja – como se autodenominam os waimiri-atroari – conforme previsto na Convenção nº 196 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que os indígenas seriam diretamente afetados pela instalação de centenas de torres no interior da terra indígena onde vivem.

Nas duas ações, o MPF sustenta que o leilão da linha de transmissão contém uma nulidade insanável, consistente na definição de um traçado do empreendimento sem a consulta prévia, livre e informada do povo Waimiri-Atroari. Essa definição administrativa da localização do empreendimento, conforme defende o órgão, já deveria ter levado em conta, na sua decisão, o processo de consulta, já que se trata de etapa obrigatória na decisão do Estado.

A sentença proferida pela Justiça Federal do Amazonas em relação ao pedido de anulação da licença prévia reforçou a obrigatoriedade de consulta prévia aos povos interessados em quaisquer empreendimentos planejados pelos governos, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente e determinou o envio de cópia integral do processo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), “tendo em vista os patentes indícios de violação de direitos humanos”.

Nesse processo, o Ibama alegou ter realizado quatro consultas públicas abertas às comunidades afetadas pela implantação do Linhão, em junho de 2014, em cidades do Amazonas e de Roraima. Ao concordar com os argumentos do MPF na ação, a Justiça considerou na sentença que tais audiências não desobrigam o governo de realizar consulta prévia na forma da Convenção nº 169/OIT aos Waimiri-Atroari, já que há previsão legal específica nesse sentido. Os kinja já possuem, inclusive, protocolo próprio de consulta para casos como este e, em diversas ocasiões na última década, declararam estarem abertos ao diálogo com o governo brasileiro, o que nunca ocorreu na forma da lei.

Acusação injusta – Na última sexta-feira (14), documento enviado pela Associação Comunidade Waimiri-Atroari (ACWA) ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, rebate a acusação de serem apontados como principais obstáculos à efetivação da linha de transmissão Manaus – Boa Vista e manifesta preocupação diante da exoneração do então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, uma vez que o ex-titular do órgão havia assumido compromisso em respeitar o protocolo de consulta prévia elaborado pelos indígenas em conformidade com a Convenção 169/OIT.

O documento destaca a existência de diversos dados oficiais na Funai que comprovam a disposição dos indígenas em colaborar com as etapas de estudos e levantamentos e abrir espaço para o diálogo com o governo e com os responsáveis pela obra. “A única condição imposta pela Comunidade Indígena Waimiri-Atroari foi a de que seja respeitado o direito de consulta prévia”, reforça trecho da nota, assinada pelo diretor gerente da ACWA, Mario Parwe Atroari. Na conclusão do documento, a associação convida Moro e o futuro presidente da Funai – ainda não nomeado – para fazerem visita à terra indígena Waimiri-Atroari, conhecerem de perto a realidade da comunidade e ratificarem o compromisso com o respeito aos diretos assegurados em lei.

Perguntas e respostas – Para esclarecer os principais pontos questionados em relação ao projeto e as repercussões das ilegalidades apontadas nas ações, o MPF publicou documento com perguntas e respostas pontuais no qual esclarece questões importantes sobre o caso de violação dos direitos indígenas na elaboração do projeto de construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista.

Além de explicar o principal motivo pelo qual pede a anulação do projeto, o órgão aponta no documento a falta de interesse do Estado brasileiro de considerar outras alternativas de traçado para a linha de transmissão ou mesmo de outras modalidades energéticas mais viáveis para sanar o problema vivenciado pelo estado de Roraima e explica também que a consulta não poderia ser feita somente agora – já com todo o projeto pronto – para mera regularização da obra.

“Como o procedimento de consulta não foi observado no início, o leilão é nulo, e isso não pode ser corrigido no presente momento. Assim, a consulta não pode ser encarada como um procedimento meramente homologatório de uma decisão já tomada”, explica o MPF no texto.

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