Pesquisas na Amazônia envolvem troca de conhecimento com comunidade local, aprimoramento do manejo sustentável, geração de renda e conservação ambiental, promovendo uma interdisciplinaridade importante para estudos da região. Esses foram alguns dos pontos apresentados pelos coordenadores de projetos apoiados pelo CNPq durante dois dias de encontro, em Brasília.

Pesquisas na Amazônia envolvem troca de conhecimento com comunidade local, aprimoramento do manejo sustentável, geração de renda e conservação ambiental, promovendo uma interdisciplinaridade importante para estudos da região. Esses foram alguns dos pontos apresentados pelos coordenadores de projetos apoiados pela Chamada MCTI/CNPq nº 23/2017 – Apoio a Redes de Pesquisa em Biodiversidade na Amazônia Legal durante dois dias de encontro na sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em Brasília, na última semana.

Divididos em três grandes redes – Rede Ripária, REDEFAUNA e BIONORTE FRUTNAT – os 13 projetos financiados pelo CNPq atuam nas mais diversas áreas da região amazônica, com pesquisas sobre biodiversidade em áreas úmidas; diversidade, conservação e uso da fauna; e biodiversidade, ecossistemas e biotecnologia de fruteiras nativas da Amazônia.

À frente dos projetos, pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa de seis estados que compõem a Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Roraima e Tocantins): Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônica (INPA), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Embrapa, Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Universidade Federal do Oeste do Paraná (UNIFOPA), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Federal do Acre (UFAC), Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Os estudos têm como um dos desafios tratar as particularidades de cada região, a cultural local e os hábitos já consolidados das comunidades tradicionais na Amazônia. Mas, em comum, a imprescindível relação com os habitantes e a preocupação em atender às necessidades locais. “Toda pesquisa tem que trazer benefícios à sociedade”, avalia o professor Edvan Alves Chagas, da Embrapa/RR, coordenador da Rede FRUTNAT e do projeto “Pré-melhoramento, cultivo e processamento de fruteiras nativas e sua incorporação no sistema de produção de frutas da Amazônia Setentrional”.

Manejo sustentável da fauna

Uma das preocupações das pesquisas desenvolvidas na região é com a “manutenção dos modos tradicionais de vida e a soberania alimentar dos povos amazônicos”, como aponta o diretor do Instituto Mamirauá, João Valsecchi, e coordenador da REDEFAUNA, ressaltando que, para isso, a integração do conhecimento científico com o conhecimento local é fundamental.

Isso porque, como ressaltam os relatos dos pesquisadores, grande parte da população amazônica vive em regiões onde a pesca e a caça de subsistência é predominante, o que torna tão importante o apoio a pesquisas que buscam promover um manejo sustentável da fauna e da flora para o desenvolvimento local. “A importância da caça na dieta das populações humanas varia de acordo com o ambiente, podendo representar mais de 50% da proteína ingerida em determinados locais e épocas do ano”, aponta, Valsecchi.

É nesse contexto que atua a REDEFAUNA, com foco na importância da pesquisa sobre o uso e manejo da fauna silvestre e o impacto na conservação da Amazônia. O objetivo é levantar características biológicas e ecológicas, e os padrões de caça dos animais da região para desenvolver um modelo de simulação populacional robusto e definir estratégias para o uso sustentável destas espécies no bioma.

Valsecchi explica que, se, por um lado, a caça é parte da sobrevivência dos povos amazônicos, por outro lado, ela vem sendo responsável pelo declínio de populações animais em toda a Amazônia.

“Os efeitos da caça variam muito de uma região para outra, entre a modalidade de caça realizada (subsistência ou comercial) e de espécie para espécies. E o impacto da caça pode ser bastante significativo se ‘somado’ ou ‘combinado’ com o crescente desmatamento da região e consequente fragmentação do ambiente”, pontua.

O coordenador da rede explica que o tema tem sido estudado há anos, em um importante debate científico sobre a sustentabilidade da caça de subsistência na Amazônia. Os primeiros trabalhos demonstraram que essa atividade tende a levar as populações da maioria das espécies à extinção, mas esses resultados já foram questionados com outros métodos de investigação que apontam para a possibilidade da caça de subsistência de forma sustentável.

“O debate permanece e possivelmente ambas as visões fornecem contribuições importantes. Necessitamos de um debate mais inclusivo e abrangente, considerando o posicionamento da academia, especialmente dos especialistas no tema, daqueles que dependem da caça para alimentação e de outros setores da sociedade”, finaliza, Valsecchi.

Valor agregado e geração de renda

A Rede BIONORTE FRUTNAT surgiu em um contexto de muito desconhecimento sobre espécies nativas, pouco valor agregado e quase nenhum trabalho de formação de recursos humanos local. Edvan Chagas lembra que, em 2009, por exemplo, Roraima tinha mais de 30 espécies de fruteiras nativas ainda desconhecidas pela população. “Além disso, não tinha nem curso para formar recursos humanos e nem pesquisadores interessados”, aponta Chagas.

A partir de 2010, foi iniciado um programa de pesquisa e desenvolvimento com fruteiras nativas em Roraima e aprovada a Rede Bionorte FrutNat pelo CT Amazônia. Foi criado, então, o primeiro curso de pós-graduação, em 2011, o PPG-Rede Bionorte, englobando os estados de Roraima, Acre, Amapá e Rondônia. Com a aprovação da rede pela Chamada do CNPq, em 2017, foi dada continuidade às ações o que, segundo o pesquisador, é uma das mais importantes preocupações para as pesquisas. “Se não tem continuidade, não chega a lugar nenhum, viram ações pontuais”, ressalta.

A Rede atua na gestão do conhecimento sobre a biodiversidade; no apoio à implantação, monitoramento e manutenção de redes de inventário da biota; no estabelecimento de padrões e processos relacionados à biodiversidade; e no desenvolvimento de produtos e usos da biodiversidade.

O objetivo das pesquisas desenvolvidas na rede é aprimorar o conhecimento sobre frutas nativas como o camu-camu, taperebá, araçá e cupuaçu para, entre outros propósitos, desenvolver práticas e processos para o cultivo in vitro e produção de mudas e estudar o comportamento adaptativo, manejo e o potencial e qualidade de sua produção em condições de cerrado e floresta de transição de Roraima.

As pesquisas também buscam agregar valor às frutas, com potencial para gerar renda à população. Para isso, o estudo também pretende formular e caracterizar produtos a partir do fruto do camu-camuzeiro, verificando a manutenção de compostos bioativos, com alto potencial nutricional e funcional, e estudar e analisar a cadeia de produção do camu-camu no Estado de Roraima, visando fomentar a atividade produtiva da cultura e auxiliar na futura tomada de decisões por parte de agentes públicos e privados.

Para disseminar o conhecimento já produzido, estão sendo elaboradas cartilhas ilustradas e atualizados cordéis em linguagem popular visando à popularização dos processos agroindustriais, produção, proteção e valorização dos resultados obtidos com foco nos estudantes de ensino médio e fundamental. Além disso, Edvan ressalta que a Embrapa Roraima tem um programa que busca despertar jovens estudantes de ensino médio e fundamental, por meio da Rede FrutNat o projeto Embrapa Escola, possibilitando que os estudantes despertem suas curiosidades para o fazer ciência. Em 2018, foram contempladas 11 escolas, com centenas de alunos envolvidos.

Outro resultado já verificado é o fortalecimento dos Programas de Pós-graduação por meio do desenvolvimento cooperativo de linhas de pesquisa entre as instituições participantes e professores e pesquisadores dos estados do Pará, Amazonas, Roraima e Tocantins.

Áreas úmidas

O monitoramento da biodiversidade das zonas ripárias amazônicas – regiões diretamente relacionadas aos cursos d’água – é o objetivo da Rede Ripária. As pesquisas buscam estudar os padrões e processos relacionados à biodiversidade e entender os fatores que regulam a distribuição de árvores de florestas alagáveis e seus processos adaptativos em escala de bacia amazônica.

A professora Maria Teresa Fernandez Piedade, do INPA, coordenadora da Rede, explica que a região, com 16 mil espécies arbóreas, é aparentemente homogênea, mas abriga diferentes ecossistemas. “O nosso olhar para região Amazônica é um pouco distinto, daquela floresta mais homogenia, que em geral é vista. Para nós essas áreas todas são influenciadas por água e tem uma flora bastante peculiar. Essas áreas que cobrem 30%, elas na verdade são subdivididas em diferentes lugares que são em geral que são mais conhecidos, que são as margens dos rios, que todo mundo conhece, rio Amazonas. Para esses grandes rios acontecerem, temos uma trama enorme de pequenos filetes de água, que são os que alimentam essa trama toda. Então, temos conjuntos de ambientes que tem uma complexidade geomorfologica e geológica grande”, explica.

Dentre os estudos desenvolvidos, está o entendimento das adaptações ao pulso de inundação dos rios. As pesquisas envolvem a análise de solos, monitoramento da hidrologia, fitofisionomia e dinâmica da floresta, biomassa, genética. São estudados três sítios: Floresta Nacional do Amapá, Floresta Nacional do Tapajós  e Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatmã.

“Resolvemos estudar com mais detalhe a flora do norte e do sul ou oriunda dessas regiões, dentro da bacia amazônica, e fizemos isso escolhendo três regiões razoavelmente equidistantes e todas elas em unidade de conservação. Isso foi importante pois os cursos de inundação são distintos. Dentro da Riparia, nós trabalhamos exclusivamente com unidades de conservação e portanto nós interagimos com os gestores dessas unidades”, aponta Maria Teresa.

Dentre as metas da rede estão a instalação de parcelas permanentes ripárias em três sub-bacias hidrográficas amazônicas, considerando as variações de elevação no terreno e o pulso de inundação, e articulação de pessoal e integração de dados da Rede. Para isso, a capacitação de recursos humanos, com treinamento de pesquisadores e alunos, disponibilização de banco de dados, oficinas e encontros são algumas das atividades promovidas.

Segundo a coordenadora da Rede, o trabalho é todo desenvolvido em unidades de conservação, o que exige, antes mesmo do inicio das atividades, autorização para fazer as atividades junto com as comunidades. “Em todos os nossos projetos, são 4 desenvolvidos na rede, nós temos comunitários atuando, que nós treinamos e participam das atividades de pesquisa. Eles não só conhecem como eles nos ajudam como membros das equipes. Isso tem sido muito bom. Para nós tem sido uma experiência fantástica, uma das melhores coisas ter juntado conhecimento distinto, de áreas diferentes”, ressalta.

Já foram coletadas amostras de madeira de mais de 1.400 árvores, além de estar em andamento a coleta de dados de hidrolologia e, em análise, de solo em áreas anteriormente não contempladas. A professora aponta a identificação de “grandes diferenças na riqueza de espécies arbóreas entre os igarapés, igarapós e igapós de águas claras e pretas”.

Outros resultados importantes, segundo Maria Teresa, é o aumento de quase 14 ha nos levantamentos em áreas úmidas amazônicas e a incorporação de dados de genética aos levantamentos da biodiversidade. Segundo ela, o conhecimento adquirido gera importantes subsídios para o uso parcimonioso dessas áreas por gestores e população.

CNPq

FONTE: Jornal da Ciência – http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/14-pesquisas-na-amazonia-legal-promovem-desenvolvimento-sustentavel-da-regiao/