Uma oportuna auditoria efetuada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) nos contratos do Fundo Amazônia, programa internacional para financiar projetos de proteção da Floresta Amazônica, revelou o que críticos das políticas ambientais e indígenas adotadas no Brasil vêm denunciando há décadas: os recursos externos são inócuos para as necessidades reais de proteção ambiental, servem principalmente aos executores dos serviços aos quais são alocados, criam uma dependência extremamente deletéria quanto ao financiamento das políticas públicas e mantêm o País atrelado à agenda estabelecida pelas estruturas de “governo mundial” que controlam o aparato ambientalista-indigenista.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia já recebeu cerca de R$ 3,2 bilhões do governo da Noruega, R$ 193 milhões da Alemanha e R$ 16 milhões da Petrobras, recursos geridos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e repassados a ONGs e órgãos estaduais e municipais selecionados. A grande maioria dos projetos contempla a redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, o chamado esquema REDD (sigla em inglês para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).
Os resultados gerais da auditoria foram revelados pelo ministro Ricardo Salles, na sexta-feira 17 de maio, em uma entrevista coletiva realizada na sede do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em São Paulo (SP).
Segundo ele, a análise abarcou 103 contratos firmados nos últimos dez anos, totalizando recursos de R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 800 milhões destinados a ONGs. Dos 30% dos contratos analisados em profundidade, todos apresentaram algum grau de inconsistência. “Há relatórios de desempenho sem informação, ausência de visitas in loco, prestação de contas sem o respectivo documento e que não corresponde aos relatórios de atividade. Precisamos ter mecanismos que possam dar uma melhor destinação e escolher projetos que tenham sentido entre si e que possam ter os resultados mensurados”, disse ele (MMA, 17/05/2019).
De acordo com Sales, os contratos com ONGs foram os que revelaram mais inconsistências. “Há problemas em 100% dos contratos de ONGs”, afirmou, destacando a concentração de verbas em recursos humanos, gestão administrativa, viagens e cursos. Em média, de 40-60% dos recursos foram gastos no pagamento de pessoal, havendo casos de até 70%, envolvendo salários que chegam até R$ 46 mil (G1, 19/05/2019).
“Há uma desconexão na escolha desses diferentes projetos, há montantes muito altos com gastos administrativos e destinações muito pequenas para atividades-fim”, afirmou (BNC Amazonas, 18/05/2019).
Outro problema observado foi uma grande proporção do que ele chamou “contratações de balcão”, sem licitação, na casa de 82%.
A análise do MMA foi encaminhada ao BNDES, ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria Geral da União (CGU), para a checagem dos resultados.
Previsivelmente, as reações do aparato ambientalista-indigenista foram estridentes. Em seu blog no G1, o jornalista André Trigueiro, um dos mais ativos e loquazes porta-vozes midiáticos do aparato, afirmou que as críticas de Salles “causaram enorme perplexidade e desconforto entre os principais financiadores internacionais do Fundo Amazônia”. Ele reproduziu parte de uma nota da embaixada norueguesa em Brasília, segundo a qual “a Noruega está satisfeita com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e os significativos resultados que as entidades apoiadas pelo Fundo alcançaram nos últimos 10 anos (G1, 17/05/2019)”.
Curiosamente, um relatório do Escritório do Auditor Geral da Noruega (Riksrevisjonen) sobre os resultados dos programas REDD (atualmente chamados REDD+) financiados pelo país entre 2008 e 2017, divulgado em dezembro, não se mostra tão satisfeito assim. Entre as suas principais avaliações, destacam-se:
– os resultados do REDD+ até agora são demorados e incertos;
– as contribuições da Noruega para o REDD+ não ensejaram financiamentos suficientes de outros doadores;
– o monitoramento da implementação e dos resultados do REDD+ é insatisfatório;
– o acompanhamento dos ministérios [de Assuntos Estrangeiros e do Clima e Meio Ambiente da Noruega] sobre o risco de fraudes é insuficiente.
Em outro trecho, o documento admite a reduzida eficácia do mecanismo:
O progresso no extensivo trabalho feito para facilitar a redução de emissões [de dióxido de carbono – n.e.], por meio da formulação e implementação de estratégias de REDD+ nacionais, tem sido relativamente reduzido. Isto se aplica tanto às parcerias multilaterais como bilaterais apoiadas pela Iniciativa Climática e Florestal Internacional da Noruega. (…)
Nas recomendações finais, o relatório menciona especificamente fraudes ocorridas no Brasil:
A investigação mostra casos específicos onde as avaliações do Ministério do Clima e do Meio Ambiente sobre o risco de fraude não seguem adequadamente diretrizes relevantes para a prevenção e seguimento de suspeitas de fraude. O Banco de Desenvolvimento brasileiro [BNDES – n.e.] é o maior recebedor de fundos da Iniciativa Climática e Florestal Internacional da Noruega. Quando o banco foi investigado por suspeitas de corrupção, em 2016, a administração decidiu obter primeiro informações referentes aos controles internos, antes de qualquer outra ação. A investigação mostra que, nesta decisão, o Ministério deixou de levar em conta o fato de que a investigação do banco revelou debilidades nos controles internos do banco, e que estas debilidades também impactaram a administração dos fundos noruegueses pagos ao Brasil. No tocante ao apoio à sociedade civil pela Iniciativa Climática e Florestal Internacional da Noruega, a administração avaliou um parceiro de implementação [uma ONG – n.e.] em duas ocasiões, sem descobrir que o parceiro estava registrado como uma caixa postal. Tal registro reduz o acesso da administração e a oportunidade de efetuar checagens sobre o uso dos fundos alocados. A administração levou 18 meses para decidiu como deveria ser manejada a colaboração subsequente com o recebedor da doação. Em um caso final, chegou-se à conclusão de que o parceiro contratual praticou fraude. Os fundos do parceiro não foram congelados durante a investigação, contrariamente às recomendações nas diretrizes internas. Estes casos mostram que a administração não está monitorando e manejando adequadamente suspeitas de fraude na Iniciativa Climática e Florestal da Noruega.
Ou seja, as conclusões do próprio Riksrevisjonen reforçam a avaliação do MMA; talvez, fosse o caso de a embaixada norueguesa em Brasília se informar um pouco melhor antes de contestar uma iniciativa oficial do governo brasileiro.
“Créditos de carbono são piores do que nada”
Outra avaliação independente da inutilidade dos esquemas de compensação das emissões de gases de efeito estufa foi apresentada pela jornalista estadunidense Lisa Song, em uma longa reportagem devidamente intitulada, “Uma verdade ainda mais inconveniente: por que os créditos de carbono para a preservação florestal podem ser piores do que nada”, publicada no sítio ProPublica.org (22/05/2019).
Para a reportagem, ela entrevistou dúzias de cientistas e outros profissionais envolvidos nos esquemas de créditos de carbono, tendo, inclusive, viajado ao Acre para ver de perto alguns deles em funcionamento. As suas conclusões são contundentes:
(…) A fome desesperada por esses planos de créditos de carbono parece ter cegado muitos dos seus defensores para a crescente pilha de evidências de que eles não proporcionaram – e não proporcionarão – os benefícios climáticos que prometem.
Eu olhei projetos que remontam há duas décadas e se espalham pelo mundo, e reuni evidências de pesquisadores acadêmicos em aldeias florestais distantes, estudos publicados em revistas científicas obscuras, relatórios de governos estrangeiros e densos documentos técnicos. Eu alistei uma empresa de análise de imagens de satélites, para ver quanto da floresta permanecia em um projeto de preservação que começou a vender créditos em 2013. Quatro anos depois, apenas a metade da área do projeto estava coberta por floresta.
Em um caso após o outro, eu descobri que os créditos de carbono não haviam compensado a quantidade de poluição que supostamente deveria compensar, ou que eles produziram ganhos que foram rapidamente revertidos ou que não podiam ser medidos desde o início. Em última análise, os poluidores receberam um passe livre de culpa para continuar emitindo CO2, mas a preservação florestal que supostamente deveria equilibrar a contabilidade nunca ocorreu ou não perdurou.
No Acre, Song travou contato com o contraste entre os planos mirabolantes dos ambientalistas e mercadores de carbono e a realidade enfrentada pela maioria da população local e a representada pelos planos oficiais:
Eu encontrei faixas de pasto para gado onde residentes locais antes extraíam borracha [látex – n.e.] de árvores; não há como se ganhar a vida com alternativas sustentáveis, me disseram, de modo que as árvores têm que sair. Funcionários governamentais falavam de conservação, mas líderes políticos cortaram o financiamento para ela e planejam expandir o agronegócio. Vários funcionários acreanos admitiram sem rodeios que a sua prioridade é obter ajuda estrangeira para proteger florestas; a validade das compensações é secundária.
Dercy Teles, ex-presidente do sindicato de seringueiros fundado pelo notório Chico Mendes, na década de 1980, lhe disse sem meias palavras: “As pessoas querem que nós passemos fome para reduzir as emissões de carbono.”
Song descreve como cientistas e pesquisadores envolvidos com os créditos de carbono lhe admitiram candidamente a virtual inutilidade dos projetos para os fins alegados, mas, ao mesmo tempo, as reações irritadas de alguns diante das suas cobranças:
A minha visita ao Acre sugeriu que até mesmo o melhor programa REDD no mundo estava enfrentando obstáculos práticos, políticos e científicos, que não poderiam ser corrigidos apenas com financiamento – outro sinal de alerta, além dos relatórios que concluíam que programas anteriores não haviam funcionado.
No entanto, quando eu expliquei o que havia encontrando a 20 cientistas e pesquisadores de créditos de carbono – inclusive, vários que haviam passado grande parte de suas carreiras trabalhando para implementar, melhorar ou estudar compensações florestais –, algumas vezes, eles responderam raivosamente.
Eles concordavam com os fatos observados. Mas quando eu perguntava se isto indicava que o REDD estava fracassando, eles objetavam. Veementemente.
Amy Duchelle, cientista sênior do Centro de Pesquisas Florestais Internacionais, é coeditora de um livro publicado no ano passado, o qual afirma que o REDD “ainda não apresentou o impacto geral esperado na redução das emissões” e que o desmatamento tropical não diminuiu.
Ela repetiu esses fatos em uma entrevista, enfatizando que essas iniciativas haviam sido úteis de outras maneiras, ajudando os países a aprimorar a sua capacidade de monitorar o desmatamento e entender as suas causas, e assegurar direitos de terras para comunidades indígenas. Ela até mesmo encontrou resultados científicos “moderadamente encorajadores” em alguns dos projetos.
Entretanto, quando conversamos novamente, após a minha viagem ao Acre, ela ficou agitada. Ela havia passado anos no Brasil, disse-me. O que eu poderia saber em uma única breve viagem? “Você não está me citando”, disse ela. “Eu não estou gostando do rumo dessa história.”
Uma dessas pesquisadoras, Barbara Haya, da Universidade da Califórnia em Berkeley, foi sincera e, sem agressividade, lhe disse que “estamos nos iludindo se pensamos que esses programas florestais serão capazes de quantificar com precisão – e, por conseguinte, cancelar – a quantidade de poluição alegada em uma compensação, mesmo com os novos padrões”. Segundo ela, “o melhor que podemos esperar é um programa que ajude o clima de alguma maneira incomensurável… ‘É para isso que são as compensações. E eu acho que isso é o melhor que as compensações podem ser’”.
Hora de dispensar a “ajuda” externa
O exemplo do Fundo Amazônia e as evidências cada vez maiores da inutilidade dos esquemas de créditos de carbono, exceto para quem os negociam, reforçam a necessidade de o Brasil cortar de vez os vínculos financeiros com o aparato ambientalista-indigenista internacional, para que possa definir de forma totalmente soberana as políticas setoriais mais convenientes aos seus verdadeiros interesses. O Fundo Amazônia seria um ótimo candidato ao encerramento, dentro de um prazo relativamente curto.
O mesmo tratamento deveria ser dispensado ao Fundo Climático Verde (Green Climate Fund) da Organização das Nações Unidas, do qual o País recebeu 96,5 milhões de dólares, em março último, e ao convênio assinado com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), no valor de 100 milhões de dólares, para promover o uso sustentável de produtos florestais.
Enquanto esse cordão umbilical com o “governo mundial” não for cortado, o Brasil não estará livre de chantagens e pressões contrárias aos seus planos de desenvolvimento e utilização dos recursos naturais do seu território.
FONTE: MSIA INFORMA
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