No debate sobre a mineração em terras indígenas, “o Canadá está alguns passos à frente do Brasil” e “as universidades têm desempenhado um papel importante no sentido de estimular a reflexão franca e o debate aprofundado sobre a mineração em terras indígenas, aproximando governos, empresas e povos indígenas em seminários acadêmicos”, diz Leonardo Barros, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, à IHU On-Line. “Não tenho conhecimento de que os pronunciamentos do governo brasileiro no sentido de liberar a mineração em terras indígenas tenham dado ensejo a um grande debate acadêmico, ou mesmo na esfera pública mais ampliada, por aqui”, diz, ao comentar as iniciativas do presidente Jair Bolsonaro, favoráveis à exploração mineral em terras indígenas.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o pesquisador informa que o Canadá, assim como o Brasil, tem “uma imensa população tradicional composta pelos Inuit, os povos tradicionais do Ártico, os chamados Métis, população com ancestralidade mista entre indígenas e colonos europeus e, por fim, as chamadas ‘Primeiras Nações’ (First Nations), povos indígenas da forma como conhecemos o conceito aqui no país”, e que os dois países “comungam de uma história de relações ambíguas com seus povos indígenas” e “buscaram, por métodos diferentes, ‘integrar’ suas populações indígenas ao conjunto da sociedade colonizadora”.
Leonardo Barros é autor da tese “(Un)changing Indigenous land claims: evidences from a cross-national comparison between Canada and Brazil” ((I)mutáveis reivindicações de terras indígenas: evidências de uma comparação transnacional entre Canadá e Brasil – tradução livre), que apresenta um estudo comparativo acerca de como indígenas canadenses e brasileiros têm participado das políticas indigenistas de seus países e atuado em suas terras, e de como empresas e instituições federais têm se envolvido nos processos de extração mineral em terras indígenas. Entre as diferenças que envolvem o reconhecimento das terras indígenas nos dois países, Barros pontua que “os territórios indígenas canadenses são reconhecidos por meio de um tratado assinado entre governo e povos indígenas e, neste acordo, são esclarecidos os termos relativos à possibilidade de empreendimentos econômicos, incluindo atividades de mineração. Já as terras indígenas brasileiras são reconhecidas mediante um processo constitucionalizado que finda com um conjunto de direitos imediatamente reconhecidos, não passíveis de negociação bilateral entre povos indígenas e corporações”.
De acordo com ele, embora do ponto de vista legal as terras indígenas canadenses estejam “mais abertas a empreendimentos econômicos do que as terras indígenas brasileiras”, não há consenso entre as comunidades canadenses sobre o tema. “Algumas lideranças dos povos tradicionais que embarcam em parcerias com empreendimentos minerários argumentam que as relações entre as partes não precisam ser, necessariamente, conflituosas, e que um relacionamento mutuamente benéfico pode ser obtido quando da consideração, a sério, do ponto de vista destes povos no desenho e na implementação dos projetos. Estas lideranças, em conjunto com executivos de mineradoras, buscam um acordo de boa-fé que possa, efetivamente, significar a melhoria de vida para as comunidades envolvidas”, conta. Já os que são contrários à atividade mineral em terras indígenas “apontam para os passivos ambientais que, por vezes, podem degradar uma área de forma irreversível, tornando certas atividades tradicionais inviáveis, com importantes repercussões para os modos de vida tradicionais. Também demonstram preocupação com a dependência econômica total das comunidades com relação aos empreendimentos”, afirma.
Ao comentar a discussão sobre a possibilidade de legalizar a atividade minerária em terras indígenas do lado brasileiro, Barros frisa que “o Brasil é um dos poucos países do mundo em que ainda há povos indígenas em isolamento voluntário, sem contato algum com a sociedade circundante, e que decidiram assim permanecer. O Estado brasileiro tem o dever constitucional de proteger esses povos. A mera perspectiva de abrir os territórios em que estes povos habitam para empreendimentos minerários parece-me aterradora. Não vejo como isso não possa significar outra coisa que não o genocídio destes grupos”. Na avaliação dele, a experiência indígena no Canadá “ajuda apenas em parte”, porque “olhar para o Canadá como um bom modelo da relação entre povos indígenas e mineração deve ser visto com prudência e com análise detida em cada caso concreto”.
Leonardo Barros Soares é psicólogo formado pela Universidade Federal do Ceará – UFC, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou estágio doutoral em 2017 na Université de Montréal junto ao Centre de recherche sur les politiques et le développement social – CPDS. É membro do Réseau d’études latino-américaines de Montréal – RÉLAM e desenvolve pesquisas na área de democracia participativa, instituições participativas, teoria deliberacionista, política urbana, etnopolítica, política indigenista comparada, povos indígenas americanos, movimentos sociais e associativismo étnico e políticas de reconhecimento territorial indígena.
Por: Patricia Fachin | 30 Abril 2019
Integra da entrevista em: http://www.ihu.unisinos.br/588709-dizer-que-povos-indigenas-estao-sentados-sobre-imensas-reservas-minerais-e-racismo-puro-e-simples-entrevista-especial-com-leonardo-barros
VER MAIS EM: https://amazonia.org.br/2019/05/dizer-que-povos-indigenas-estao-sentados-sobre-imensas-reservas-minerais-e-racismo-puro-e-simples-entrevista-especial-com-leonardo-barros/
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