Acesso à rica pluralidade de modos de vida e às belezas naturais das regiões mais conservadas do país é um dos benefícios usufruídos pelos turistas que escolhem as terras indígenas como destino de suas viagens.
Para além das indescritíveis experiências proporcionadas ao visitante, o etnoturismo carrega consigo o fortalecimento das tradições, a autonomia das comunidades, bem como a proteção do território e do meio ambiente, constituindo-se como atividade de geração de renda cujo lucro em muito ultrapassa o valor monetário.
O crescente interesse das comunidades indígenas no desenvolvimento e regularização da atividade é o que motiva os esforços da Funai em acompanhar e apoiar essas iniciativas. De acordo com Juan Scalia, coordenador-geral de Etnodesenvolvimento, atualmente a Funai acompanha quase uma dezena de projetos de pesca esportiva a serem implantados, diversos roteiros de ecoturismo em andamento – inclusive em áreas emblemáticas do território nacional, como o Pico da Neblina -, participa de discussões sobre abertura para visitação em rituais indígenas de regiões como Xingu e Acre e apoia comunidades cuja atividade se enquadra no chamado turismo de sol e praia, nas terras indígenas do litoral, como é o caso dos Pataxó, na Bahia, e dos Guarani, em São Paulo.
Scalia ressalta que a Funai respeita as escolhas de cada povo também no que se refere às alternativas de geração de renda, atuando em parceria com as comunidades só a partir do momento em que por elas é procurada. “Não fazemos promoção da atividade turística onde não tem, não perguntamos às pessoas se querem ou não desenvolver turismo. Isso realmente tem que nascer de lá. Todas essas iniciativas já tiveram contato, demonstraram interesse ou desenvolveram de forma mais organizada a atividade turística”, explica o coordenador.
Atualmente, os roteiros em terras indígenas são variados e podem durar de um dia a duas semanas, chegando até U$ 6 mil por sete dias, maior valor identificado em projetos de pesca esportiva do Rio Negro.
A metade das demandas de construção de projetos de etnoturismo por parte das comunidades está relacionada à pesca esportiva. As atividades têm conseguido multiplicar e assegurar o estoque pesqueiro dos indígenas, já que a regularização e frequência controlada de turistas afugentam pescadores ilegais e a devolução dos peixes apanhados aos rios garantem que as espécies possam fazer a devida manutenção biológica.
Pequizal do Naruvôtu, um caso de sucesso
Um projeto de turismo de pesca esportiva que tem se destacado por seus bons resultados é o da Terra Indígena (TI) Pequizal do Naruvôtu. De demarcação recente (homologação em 2016), a TI, localizada nas cidades de Canarana e Gaúcha do Norte-MT, é morada dos Kalapalo e Naruvôtu e abriga rica região pesqueira no encontro dos rios Kuluene e Sete de Setembro, afluentes do Xingu.
Acometida por atividades exploratórias irregulares, a área se encontrava desprotegida e o número de espécies aquáticas estava extremamente reduzido até que os indígenas da região, ainda em 2016, no intuito de gerar renda para suprir as necessidades estruturais das novas aldeias da TI, começaram a desenvolver projeto de pesca esportiva que trabalha sob a ideia da cota zero, isto é, todas as espécies capturadas são devolvidas com vida à água.
O retorno foi surpreendente. O projeto, desenvolvido em parceria exclusiva com a Pousada Recanto do Xingu, além de propiciar aporte financeiro para necessidades essenciais dos indígenas, desde alimentação até edificação das grandes malocas xinguanas, mostrou-se como importante ferramenta de gestão e proteção tanto ambiental quanto territorial, afugentando invasores, inibindo atividades predatórias, recuperando as espécies em risco e fortalecendo a autonomia da comunidade indígena local.
“O projeto trouxe benefícios para a comunidade, mas a fiscalização da área é uma das nossas prioridades. Nós indígenas acompanhamos os turistas para garantir que tudo saia como deve ser e a Pousada Recanto do Xingu organiza o fluxo de visitantes, de acordo com o documento normativo da Funai”, explica o cacique Mazinho Kalapalo, um dos mentores da iniciativa, que também aponta o diferencial apresentado aos visitantes que optam pelo etnoturismo na região do Pequizal: “Eles podem conhecer nosso povo, nosso artesanato, conversar com a gente e aprender com a nossa maneira de viver. Além disso, temos uma estrutura organizada que garante o desenvolvimento da atividade de forma segura e sustentável”, completou o cacique.
A iniciativa de base comunitária tem três anos de existência e recebe de 250 a 300 visitantes por ano, mostrando-se essencial para os indígenas da região, já que os valores gerados se destinam à compra de equipamentos para as aldeias, melhoras na infraestrutura da TI, investimentos na fiscalização da área e apoio financeiro a outros povos indígenas.
Kelven Lopes, biólogo e especialista em pesca esportiva que acompanhou o projeto no Pequizal do Naruvôtu, explica que o sucesso da experiência também se deve à presença da Funai em todas as fases do processo, desde a criação até a instauração: “O cacique Mazinho, logo de início, solicitou o apoio técnico da Funai, o que fez com que o projeto já nascesse à luz da Instrução Normativa nº 3. O cumprimento de todas as exigências reforça que o caminho da regularização desse tipo de atividade turística se mostra muito interessante para os indígenas, para o operador de turismo e para a Funai, que está proporcionando a gestão de um incremento econômico sustentável aos indígenas.”
Para além da Amazônia
Em meio à Mata Atlântica, ao extremo sul do município de São Paulo, cerca de 2000 indígenas Guarani recebem os jurua (não-indígenas) em suas oito tekoas (aldeias) da Terra Indígena (TI) Tenondé-Porã. A alta frequência de visitantes, advinda da proximidade com a mais populosa área urbana do país era, muitas vezes, feita de maneira desordenada e sem consentimento dos indígenas. Até que, em 2018, os Guarani formularam seu Plano de Visitação, importante passo rumo à regularização da atividade turística no local. O projeto é pioneiro no etnoturismo regulamentado pela Funai fora da região amazônica.
Toda comunidade da TI foi envolvida nas reflexões e decisões sobre as visitas turísticas por meio de uma série de oficinas promovidas na região. Durante vários meses, os Guarani discutiram sobre diversos assuntos como o estranhamento causado no contato entre indígenas e turistas devido aos díspares modos de vida, a necessidade de orientar os visitantes sobre a maneira de ser Guarani a fim de que haja uma melhor comunicação e diálogo, a diversificação dos tipos de visita na área, definição de roteiros, entre outras questões.
Assim como o Pequizal do Naruvôtu, Tenondé-Porã também tem um processo demarcatório recente (portaria declaratória data de 2016). A regulamentação da atividade turística a partir da anuência do Plano de Visitação por parte da Funai, em junho de 2018, consiste numa ferramenta de fortalecimento e reconhecimento do território Guarani.
Em visita à Funai à época de apresentação do Plano, Thiago Karai, professor na aldeia Tenondé Porã, declarou que os benefícios da regularização vão além do aspecto financeiro: “Nossa luta maior é para que nossa comunidade não seja explorada pelos não-indígenas e para que a gente consiga manter a natureza em pé.”
Thiago explicou, também, que a exploração do turismo por não-indígenas e a atuação dos atravessadores comprometiam a geração de renda da comunidade e ofereciam risco ao meio ambiente. Mas com a regularização do Plano todos passam a ganhar. “Poderemos acessar os recursos gerenciados por nossa associação de forma coletiva e contribuir com a educação da sociedade como um todo, já que as pessoas costumam chegar até a gente com ideias, muitas vezes estereotipadas, que podem se transformar a partir desse contato. As pessoas passarão a valorizar as comunidades tradicionais e a conhecer, de fato, quem são essas comunidades e como conseguimos manter nossa identidade, nossa língua e nossa cultura”, explica o professor.
As visitas em Tenondé-Porã, além de meramente turísticas, também são voltas à realização de mutirões agroecológicos, encontros de culinária guarani, ecoturismo em trilhas próximas às aldeias, além da formação de professores não-indígena e visitas de escolas da região. O interesse da comunidade pelas duas últimas é significativo visto que acredita ser uma oportunidade de dissolução de preconceitos e quebra de estereótipos.
O turista pode escolher participar dos roteiros básicos montados por cada aldeia, pacote em que são englobados passeios em trilhas, visitas a cachoeiras, exposição e venda de artesanato, participação em brincadeiras e jogos guarani e degustação de comidas tradicionais. Há, ainda, o pacote de vivência na aldeia, com duração de três dias incluindo a possibilidade de participação em atividades do cotidiano e todas as citadas no roteiro básico com acréscimo de alimentação e hospedagem no camping.
Toda visita à TI Tenondé-Porã deve ser previamente agendada pelo site: www.tenondepora.org.br
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai
FONTE: FUNAI
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