A Justiça Federal condenou a União a pagar indenização de R$ 1 milhão por violação ao direito dos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre medidas administrativas que afetam diretamente essas populações.

A partir do alto à esquerda, no sentido horário: “posto de saúde” improvisado pelos índios em aldeia de Concórdia do Pará; posto de saúde de aldeia em Tomé-Açu; polo de saúde indígena em Tomé-Açu e Casa de Saúde Indígena em Icoaraci, Belém (créditos: MPF)

A sentença foi decretada em processo em que o Ministério Público Federal (MPF) acusou a União de não realizar consulta para conseguir o consentimento de indígenas sobre quem deveria ser nomeado para coordenar serviços de saúde indígena no Pará.

Na época do ajuizamento da ação, no final de 2016, o MPF contabilizou pelo menos sete mortes de indígenas causadas pela precariedade no atendimento à saúde de 20 etnias.

As reivindicações dessas populações por melhorias no atendimento também não foram consideradas em consulta prévia, livre e informada.

Detalhes da sentença – Assinada pelo juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Júnior, a decisão foi encaminhada para conhecimento do MPF no último dia 22.

Na sentença, o juiz federal destaca diversos trechos da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Entre eles, os que estabelecem que os serviços de saúde para os indígenas “deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados”, e que eles “deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento”.

“Ressalte-se que a referida Convenção foi devidamente ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico nacional, por meio da promulgação do Decreto nº 5.051 em de 19 de abril de 2004. É dotada de eficácia e aplicabilidade na ordem jurídica interna, na qual possui hierarquia de norma supralegal, conforme o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal”, registrou o juiz.

Recurso – Na sentença, o juiz federal determinou que os recursos da indenização sejam destinados ao Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos.

Entretanto, nesta quinta-feira (28), o MPF encaminhou à Justiça pedido para que esses recursos sejam destinados a entidades representativas das 20 etnias citadas no processo. O procurador da República Felipe de Moura Palha pediu que a Justiça estabeleça que essas entidades representativas recebam os valores após apresentarem e conseguirem a aprovação de plano de utilização dos recursos em projetos sociais.

O MPF também pediu que seja determinada a realização de fiscalização, pelos órgãos de controle, sobre a correta aplicação das verbas.

‘Quantas mortes serão necessárias?’ – Na epígrafe da ação que deu origem ao processo judicial, o procurador da República Patrick Menezes Colares citou o cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2016.

A composição citada, Blowin’ In The Wind, pergunta: quantas vezes um homem pode virar a cabeça, fingir que ele não vê? Quantos ouvidos um homem deve ter pra poder conseguir ouvir as pessoas chorarem? Quantas mortes serão necessárias até ele saber que pessoas demais morreram?

Para o Ministério da Saúde, sete mortes não foram suficientes, relata o MPF na ação. Esse foi o número de indígenas que haviam morrido na época do ajuizamento da ação, no final de 2016, por causa do estado caótico do atendimento prestado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins (Guatoc), uma das unidades da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, que atende populações indígenas localizadas no Pará.

Entre os problemas apontados, estavam: falta de remédios; espera por meses para consultas e exames; ausência de controle de qualidade da água e deficiência na manutenção do abastecimento de água; ausência de fossas biológicas; insuficiência de agentes indígenas de saneamento e de agentes indígenas de saúde; ausência e precariedade dos postos de saúde; insuficiência de veículos de transporte, de ambulâncias e de motoristas; insuficiência de técnicos de enfermagem; insuficiência de funcionários na área administrativa dos polos e falta de estrutura administrativa nessas unidades.

Um exemplo do grau de precariedade da situação: em uma das aldeias que deveriam ser atendidas pelo Dsei Guatoc, os próprios índios tiveram que construir um barraco improvisado em madeira para servir como posto de saúde e, assim, poderem receber médicos, enfermeiros e odontólogos.

Apesar de terem ocupado por cinco semanas a sede do Dsei, em Belém, e de terem feito manifestações em avenidas e rodovia na capital paraense, em protestos pacíficos, os indígenas não foram ouvidos em suas reivindicações.

Na época, a vaga da coordenação do Dsei estava desocupada. Mesmo assim, também não houve consulta prévia, livre e informada aos indígenas para a escolha de um novo nome para a vaga.

“A ocupação do prédio da Sesai em Belém não se dá por que os índios querem, optaram por isso. A ocupação se dá com muito sofrimento por parte dos índios, que estão sem fornecimento de alimentação, dormindo em local improvisado, longe de suas famílias. Tamanho sacrifício demonstra o elevado grau de insatisfação com esta insustentável situação da saúde indígena, única saída que os índios visualizaram para tentar solucionar os graves problemas na saúde indígena – que remontam há anos”, ressaltou o membro do MPF na ação.

As 20 etnias citadas na ação e na sentença são: Amanayé, Anambé, Assurini, Atikum, Gavião, Guajajara, Guarani, Kaapor, Karajá Kaxuyana, Kayapó, Mbya, Munuduruku, Parakanã, Tembé, Timbira, Tiryó, Suruí, Xikrin, Zo’é e Waiwai,

Processo n° 0035396-51.2016.4.01.3900 – 5ª Vara da Justiça Federal em Belém (PA)

Ministério Público Federal no Pará

Relacionadas: