O turismo é um setor da economia com muitas especificidades. Para se tornar uma atividade exitosa, na maior parte das vezes, depende da história, cultura e tradição de cada povo.
As narrativas e peculiaridades de uma sociedade tornam-se atrativos, à medida que conhecer o outro é um componente poderoso para conhecer a si mesmo. Segundo a Organização Mundial do Turismo, um dos segmentos de maior expansão é o turismo de natureza, com crescimento que varia entre 15% e 25% nos últimos anos, consolidando a vertente como uma tendência mundial.
O povo Paresi, no Mato Grosso, tem se conectado intrinsecamente a essa inclinação, visando à diversificação de suas atividades econômicas. O Cacique Rony, da aldeia Wazare, é o maior articulador e entusiasta da elaboração de uma proposta de atividade sustentável na região, rica em histórias e em belezas naturais. A liderança de 42 anos pós graduou-se em Linguística e fala com propriedade sobre a temática.
Sua proposta se articula tanto com o ecoturismo, definido por Ceballos-Lascurain como “o turismo que consiste em viajar para áreas naturais não degradadas ou não poluídas”, quanto com o etnoturismo, o qual foi definido por Miguel Bahl como atividade vinculada ao turismo cultural, por “utilizar elementos sociais oriundos de um contexto espacial e do cotidiano de uma comunidade com atrativos turísticos expressos por meio de uma base cultural”.
Atividade sustentável em essência
Uma das grandes preocupações do Cacique Rony é a de que a atividade seja sustentável não apenas como um conceito vazio e publicitário, mas que de fato atenda a aspectos econômicos sem abrir mão dos desenvolvimentos social e ambiental. “Turismo não é só tirar foto, dançar e se pintar, mas sim responsabilidade. Tem que ter um objetivo. Pensar que mensagem e que resultado você busca através do turismo. Não só financeiro, mas cultural, social e ambiental, que torne possível uma conceituação de direcionamento com relação aos povos indígenas, sua cultura e todas as relações que nos cercam”, elucidou.
Com essas premissas, a iniciativa tem colhido frutos consideráveis. Apenas em 2018, 180 pessoas provenientes de oito países visitaram as aldeias que compõem o roteiro turístico, num período de sete meses, visto que a temporada dura de maio a novembro. Em 2019, o início da estação já tem garantida as visitas de grupos com 12 americanos e 10 russos. A ação, no entanto, não é fruto do acaso e não possuía boa parte das bases atuais para sua execução.
“Como toda ideia, nem sempre há consenso. Então decidimos unir pessoas da comunidade que tinham interesse em trabalhar o turismo, no intuito de formar uma aldeia com esse foco. Em 16 de julho de 2011, a aldeia Wazare começava a sair do plano das ideias para o plano da realidade, trazendo consigo o turismo, avicultura, pomicultura, horticultura e piscicultura, mantendo nossa tradicionalidade. Foram cinco anos entre a abertura e toda organização logística da aldeia e conscientização da população, em cima do fato de que receberíamos turistas das mais diversas origens. Junto a isso, em 2013, passamos a fazer convites a pessoas diversas para que viessem a nossa aldeia, no sentido de fazer a divulgação boca a boca e dirimir possíveis receios que a sociedade não indígena pudesse inferir de nosso povo. Em 2014 é que a atividade começou a gerar os primeiros retornos financeiros, ainda muito tímidos e, a partir de 2015, gestamos a base organizacional que rege nossa atividade até hoje”, afirmou Cacique Rony. Além da Wazare, as aldeias Formoso, Quatro Cachoeiras, Salto da Mulher, Utiariti, Sacre II, Ponte de Pedra possuem hoje atividades abertas aos turistas.
Reflexão sobre preconceito foi passo fundamental
Mais do que uma alternativa de renda, trabalhar com turismo partiu de uma reflexão do cacique ao se deparar, mesmo na pós-graduação de Linguística, com a falta de conhecimento das pessoas acerca das questões indígenas. “Durante minha preparação acadêmica, me deparei com uma série de situações de discriminação por, na época, não dominar a língua portuguesa. Mesmo os professores, em geral, possuem um conhecimento muito restrito da questão indígena. A sociedade como um todo ainda possui um desconhecimento muito grande em relação aos povos originários. A ideia de trabalhar o turismo surgiu dessa reflexão. O que poderíamos fazer para dar a dimensão sociocultural e linguística que os vários povos têm no nosso país, reaproximando os cidadãos, valorizando nossa cultura e convívio harmonioso com o meio ambiente, além de uma rentabilidade para os membros da comunidade”.
O turista que adquire o pacote imerge nas práticas culturais daquela comunidade. Comem da mesma comida, dormem como os nativos e presenciam rituais e festividades coletivamente definidas. Toda essa experiência é decorrente de um trabalho incansável e diário, que tem buscado, inclusive, disseminar-se.
“É um trabalho desafiador porque a concepção de turismo em terras indígenas é muito incipiente e com informações em desenvolvimento, tanto entre a sociedade indígena, quanto não indígena. Para obter resultados, é necessário muita responsabilidade e transparência. Saber que não é uma atividade que gera rentabilidade do dia para noite. São oito anos de trabalho e um eterno aprendizado, com acertos e erros. Estamos inclusive dispostos a passar nossos aprendizados a outras comunidades indígenas que tenham interesse em elaborar uma proposta de turismo. Temos como interesse fomentar, junto ao Governo do Estado, uma grande rota de etnoturismo no Mato Grosso. É importante mostrar à sociedade que não estamos parados no tempo. Como todo povo, estamos constantemente passando por processos de ressignificação, o que não significa abandonar as bases tradicionais que solidificam nossa estrutura social”, finaliza o paresi.
Vagner Campos
Assessoria de Comunicação/Funai
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