Agência Nacional de Mineração deixa de analisar requerimentos ao invés de indeferi-los – o que tem ocasionado danos socioculturais às comunidades
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Agência Nacional de Mineração (ANM) indefira todos os requerimentos administrativos para pesquisa e exploração mineral, incluindo aqueles relacionados à lavra garimpeira, incidentes sobre terras indígenas no estado do Amazonas.
De acordo com a ação, a agência tem deixado de analisar os requerimentos de pesquisa e exploração mineral em terras indígenas, mantendo-os paralisados, enquanto a Constituição Federal proíbe esse tipo de pedido. O MPF considera a prática ilegal e inconstitucional.
Caso não haja o acolhimento imediato acerca do pedido de indeferimento feito na ação, o MPF requer que os requerimentos sejam analisados e indeferidos pela ANM no prazo de 30 dias. A ação civil pública também pede à Justiça que proíba a ANM de manter paralisados novos requerimentos administrativos de títulos minerários incidentes sobre terras indígenas no estado do Amazonas, a fim de prevenir novos danos socioculturais às comunidades afetadas.
Ao fim do processo, o MPF quer a condenação da agência à obrigação de analisar e indeferir todos os requerimentos de pesquisa ou de lavra minerais, inclusive de permissão de lavra garimpeira, incidentes sobre terras indígenas homologadas no estado do Amazonas.
A ação civil pública, assinada por três procuradores da República, tramita na 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Amazonas, sob o número 1000580-84.2019.4.01.3200.
Dados – De acordo com estudo realizado pela organização não-governamental WWF-Brasil, baseado em informações disponíveis nas bases de dados da própria Agência Nacional de Mineração (ANM), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério do Meio Ambiente, existem 4.073 requerimentos de títulos minerários incidentes sobre Terras Indígenas na Amazônia Legal em trâmite, dos quais 3.114 encontravam-se “bloqueados” até a definição do marco regulatório sobre mineração em terras indígenas. As informações foram colhidas em fevereiro de 2018.
Conforme o levantamento, as terras indígenas (TI) mais afetadas no Amazonas são a TI Alto Rio Negro, com requerimentos incidentes sobre área superior a 174 mil hectares, e a TI Médio Rio Negro I, com requerimentos incidentes em área superior a cem mil hectares. “Nessas áreas protegidas, as pressões exercem-se sobretudo para mineração de ouro e tantalita, com títulos postulados por pessoas jurídicas e físicas, inclusive por cooperativas de garimpeiros”, destaca a ação civil pública.
O MPF ressalta ainda que o estudo, aliado às informações trazidas ao Ministério Público Federal pela própria Agência Nacional de Mineração, deixam clara a prática de sobrestamento (paralisação) de procedimentos administrativos de requerimento de títulos minerários incidentes sobre terras indígenas no Amazonas, apesar da ausência de fundamento jurídico que embase essa conduta administrativa.
Para o MPF, enquanto não forem regulamentados os dispositivos constitucionais que tratam da matéria, a mineração em terras indígenas é proibida e os requerimentos apresentados por particulares devem ser analisados e indeferidos.
Danos socioculturais – A ação civil pública ainda narra episódios ocorridos em terras indígenas com consequências negativas aos povos originários, trazidos por exploradores, a partir da prática de sobrestamento de requerimentos feita pela ANM.
“Diuturnamente, lideranças e membros das comunidades indígenas amazonenses são cooptados ou constrangidos por mineradoras e empresários do ramo, figuras que, geralmente, invocando justamente os inexistentes ‘direitos de preferência’, apresentam promessas de ganhos materiais e melhorias para as comunidades, em troca de autorização para entrar nas terras indígenas ou para explorar tais áreas”, afirma trecho da ação.
Ao justificar a urgência do caso e a necessidade de concessão de liminar, o MPF descreve de que forma os indígenas têm sido afetados. “Os danos sobre a organização política e social das comunidades saltam aos olhos: comunidades que outrora lutaram juntas passam a se ver divididas por interesses estimulados pelos supostos detentores de direitos de preferência no exercício da mineração nessas áreas”.
O que diz a legislação – A Constituição Federal menciona, no artigo 225, a lavra mineral como atividade lesiva ao meio ambiente. De acordo com o MPF, o risco de dano causado pela exploração mineral indevidamente manejada é acentuado na hipótese de terras indígenas “pela proteção especial que recebem essas áreas em função de sua relevância biocultural”.
O artigo 231 da Constituição Federal prevê que a pesquisa e a lavra de recursos minerais nessas áreas “só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
O MPF também argumenta que não há lei específica para a exploração mineral em terras indígenas. O Código de Mineração (Decreto-Lei 227/1967), que disciplina o exercício dessa atividade econômica em território brasileiro, não abrange hipóteses relacionadas à pesquisa e extração mineral em terras indígenas. Ou seja, na ausência desses requisitos (autorização do Congresso e regulamentação legislativa), a atividade de mineração nessas áreas protegidas não é permitida.
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