Um sonho gerado há 15 anos, no 3º maior Estado do Brasil, Mato Grosso, começou a se realizar nessa quarta-feira (13). Maiores plantadores de grãos em território indígena, o povo Paresi é conhecido por sua determinação de conquistar melhores condições de vida através do suor de seu trabalho na terra.

Com uma população de mais de dois mil indígenas, os agricultores Paresi plantaram, em Campo Novo do Parecis, 8,7 mil hectares de soja e 300 de arroz na safra 2018/2019. Para a safrinha deste ano, a previsão é de que sejam plantados mais 7,7 mil hectares de milho convencional, 6 mil de feijão, 1,4 de girassol e 500 de milho branco, totalizando 15,6 mil hectares. Numa área de 1 milhão de hectares, a lavoura dos Paresi corresponde a 1,7% de seu território.

Para comemorar a colheita de 2019, os povos Paresi, Nambikwara e Manoki realizaram esta semana, de 11 a 13 de fevereiro, o 1º Encontro do Grupo de Agricultores Indígenas, que contou com a participação de 23 povos de diferentes estados brasileiros, todos responsáveis pelos seus próprios deslocamentos.

Nos dias 11 e 12, os indígenas se reuniram na TI Bacaval para debaterem e elaborarem um documento às autoridades que participaram do encontro nessa quarta-feira (13). Foram discutidas, principalmente, questões relativas à regulamentação das atividades agropecuárias em terras indígenas, desafios que os agricultores indígenas enfrentam devido à atual legislação, mecanismos de acesso ao sistema de financiamento, comercialização de produtos e agricultura familiar. Também participaram das discussões servidores de diversas unidades da Funai, como o coordenador de Etnodesenvolvimento do órgão, Juan Scalia.

“Nos primeiros dois dias foram debatidos, principalmente, a importância da mudança da legislação para que os indígenas possam trabalhar dentro da legalidade, que é pelo que eles sempre lutaram”, resumiu Scalia.

Primeira foto

Foto: Mário Vilela/Funai

Produtores indígenas e servidores dialogaram sobre como se deu o desenvolvimento da lavoura Paresi e a visão do órgão indigenista sobre esse processo. Carlos Barros, chefe da Coordenação Técnica Local em Sapezal, que acompanha há cerca de 15 anos o crescimento da lavoura Paresi, narrou aos presentes as dificuldades enfrentadas pelo povo e enfatizou a importância de se considerar a realidade de cada aldeia, investindo esforço, tempo e recursos nas habilidades já desenvolvidas.

“Não é um processo simples, mas de alto custo e tecnologia e requer anos de aprendizado para domínio do maquinário, além de compreensão da dinâmica do mercado para comercialização dos produtos. Leva uns cinco anos para aprender. Não é porque os Paresi e Nambikwara trabalham com a lavoura que essa atividade serve para todas as etnias. Cada uma tem que trabalhar com aquilo que o povo tem aptidão e conhecimento. Se os povos do nordeste trabalham com camarão, é em cima disso que eles devem montar seus projetos e assim cada etnia deve trabalhar com aquilo que conhece. Não é ver um modelo e copiar achando que vai se encaixar à realidade da sua aldeia”, explicou Barros.

Os indígenas pontuaram que as maiores dificuldades que enfrentam, tanto nas roças em larga escala quanto nas familiares, é a impossibilidade de acesso ao crédito por meio do governo, instituições financeiras ou parcerias agrícolas e dificuldade de comercialização dos produtos, já que, se não houver o licenciamento ambiental necessário, não podem comprovar a origem da produção.

Após debate e definições em plenária, os produtores indígenas construíram um documento a ser apresentado ao presidente Jair Bolsonaro, reivindicando aprovação das parcerias agropecuárias, demarcação das terras indígenas, fortalecimento da Funai e elaboração de decreto sobre os avanços da agricultura e pecuária em terras indígenas a partir do trabalho desenvolvido por uma comissão que contasse com a participação desses produtores. O documento foi entregue às autoridades que compareceram ao terceiro dia da Festa da Colheita.

Autoridades

autoridades no palanque

Foto: Mário Vilela/Funai

Ontem, para encerrar a Festa da Colheita, os ministros da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles; o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes; deputados federais e estaduais; e o Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, Fernando Melo, visitaram os dois mil hectares de soja biológica plantados pelos Paresi na Terra Indígena Utiariti.

Tereza Cristina garantiu que se reunirá com instituições financeiras em Brasília para assegurar aos indígenas as mesmas oportunidades de crédito dos demais agricultores. A ministra afirmou ainda que é necessário rever a legislação brasileira.

“Com todos os problemas que esses indígenas enfrentam, eles ainda acham que vale a pena continuar produzindo, porque hoje eles têm uma vida muito melhor. Com certeza, chegando à Brasília, eu vou sentar com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, enfim, com as instituições financeiras, para saber como nós podemos ajudá-los. Eles têm um problema que, como a terra é da União, eles não têm garantia para esses financiamentos. Mas existem maneiras de se fazer isso, através do aval de bancos ou do Estado Brasileiro. Nós temos que pensar uma maneira de fazer com que eles continuem produzindo, gerando riqueza e renda para o seu povo”, ressaltou Tereza Cristina.

O ministro do Meio Ambiente afirmou que o compromisso da ministra Tereza Cristina, do presidente Jair Bolsonaro e dos órgãos federais é de entender, apoiar e ajudar a solucionar todos os desafios, considerando a realidade e a necessidade real de todos.

“É extremamente importante prestigiar medidas como as que são feitas aqui nos Paresi, que são para conciliação do desenvolvimento e a manutenção do meio ambiente. Não há desenvolvimento econômico se nós não cuidarmos do meio ambiente. E também não haverá como cuidar do meio ambiente sem que nós tenhamos esse desenvolvimento econômico”, disse Ricardo Salles.

Já Mauro Mendes afirmou que o Estado dará apoio e suporte para a ampliação da agricultura indígena. “Eles mostram que querem trabalhar, produzir. Querem construir seu sustento com dignidade, mantendo sua cultura. E o Governo do Estado apoiará essa iniciativa, para que os povos indígenas de Mato Grosso sejam um exemplo para outros estados”, destacou o governador.

Representando o presidente Franklimberg de Freitas, que estava em Sucre, na Bolívia, participando da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, Fernando Melo, lembrou que a instituição tem como missão garantir os direitos dos povos indígenas, respeitando o modelo de desenvolvimento que cada comunidade escolhe para viver.

“Estamos aqui para apoiar as iniciativas dos povos indígenas, conforme determina a Convenção 169 da OIT, que cada povo tem o direito de escolher seu modelo de desenvolvimento, preservando, naturalmente, sua cultura. A nossa missão vai dentro dessa linha. E hoje, nós estamos abraçados para tentar promover e facilitar, dentro da legalidade, é claro, o modelo escolhido pelos indígenas do Mato Grosso”, defendeu Melo.

Agricultores Indígenas

Ronaldo Paresi

Foto: Mário Vilela/Funai

Presidente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki (Coopihanama), Ronaldo Zokezomaiake Paresi comemorou a presença das autoridades no evento e agradeceu o apoio da Funai, desde que eles aprenderam, há 15 anos, as técnicas e manejo da atividade agrícola.

“Estamos iniciando uma nova história. Começamos pequenos, mas com o apoio da Funai, hoje somos grandes. Ainda mais com as portas que se abrem depois desse encontro. Esse projeto não é mais apenas dos Paresi, mas do Governo Federal. E que sirva de modelo para outras comunidades que queiram plantar, trabalhar com turismo ou qualquer outra atividade que gere renda para o nosso povo. Nosso sonho agora é criar um centro agrotécnico para ensinar todos os indígenas que queiram aprender as técnicas agrícolas”, informou Ronaldo.

Arnaldo Zunizakae, líder Paresi e coordenador de Projetos da Associação Halitinã, destacou a luta de seu povo para vencer desafios por meio da atividade desenvolvida nas lavouras. “Venho, desde sempre, lutando para que esse povo indígena tenha dignidade através do trabalho. Para que, através desse trabalho, a gente possa superar não apenas as doenças, a desnutrição, mas também o preconceito de dizer que índio só quer terra pra ser vagabundo e preguiçoso”.

Também participaram do evento produtores rurais da região, representantes da Associação de Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

 

Ascom/Funai