O Ano Internacional das Línguas Indígenas declarado pela ONU é essencial para destacar a necessidade de preservar e revitalizar este patrimônio mundial. O Papa na “Laudato sì”: o desaparecimento de uma cultura pode ser mais grave do que o desaparecimento de uma espécie animal. Um missionário que vive na Amazônia declara: “Aqui 390 povos e 240 idiomas falados”.
A Assembleia Geral da ONU anunciou que 2019 será considerado o Ano Internacional das Línguas Indígenas. O objetivo é chamar a atenção para muitos desses idiomas que têm desaparecido e destacar a necessidade de preservar e revitalizar este patrimônio. As línguas são essenciais nos âmbitos da tutela dos direitos humanos, da construção da paz e do desenvolvimento sustentável, garantido diversidade cultural e diálogo intercultural.
Desaparecem em um ritmo alarmante
O Ano Internacional das Línguas Indígenas contribuirá para a conscientização da necessidade urgente de se preservar, revitalizar e promover as línguas indígenas no mundo.
Atualmente, existem por volta de 6 a 7 mil línguas indígenas no mundo. Cerca de 97% da população mundial fala somente 4% dessas línguas, e somente 3% das pessoas do mundo falam 96% de todas as línguas indígenas existentes. A grande maioria dessas línguas, faladas sobretudo por povos indígenas, continuarão a desaparecer em um ritmo alarmante. Sem a medida adequada para tratar dessa questão, mais línguas irão se perder, e a história, as tradições e a memória associadas a elas provocarão uma considerável redução da rica tapeçaria de diversidade linguística em todo o mundo.
Até 2100 poderão desaparecer 50 a 90 por cento das línguas
A língua que falamos define quem somos, o nosso modo de entender e de nos relacionarmos com o mundo. Estima-se que com o crescimento do número de pessoas que falam apenas as línguas dominantes, como inglês, chinês e espanhol em detrimento da difusão das menos conhecidas, até o final deste século poderiam desaparecer entre 50 a 90 por cento das línguas do mundo.
Papa Francisco: salvar as culturas antes das espécies animais
Na carta encíclica Laudato sì de 2015, sobre a tutela da Criação, no parágrafo 145, o Papa escreve que “O desaparecimento de uma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento de uma espécie animal ou vegetal”. E no parágrafo sucessivo acrescenta: “Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais”.
O encontro com os povos da Amazônia em 2018 no Peru
Palavras que foram recordadas no Peru, em Puerto Maldonado, em 19 de janeiro de 2018 durante o encontro com os povos da Amazônia, inaugurado com o testemunho de um casal de índios. “Queremos – disseram claramente – que nossos filhos estudem, mas não queremos que a escola cancele as nossas tradições, as nossas línguas, não queremos esquecer-nos da nossa sabedoria ancentral!”. Francisco cita estas palavras no seu discurso com as várias etnias presentes dos Harakbut aos Wampis, e acrescenta: “A única maneira das culturas não se perderem é manter-se dinâmicas, em constante movimento”.
Aos bispos: promover educação intercultural e bilíngue
O Papa se dirige aos irmãos bispos da Amazônia, que em outubro serão protagonistas do primeiro Sínodo dedicado aos indígenas do continente americano. “Peço aos meus irmãos bispos que, como já se está fazendo nos lugares mais remotos da floresta, continuem a promover espaços de educação intercultural e bilíngue nas escolas e nos institutos pedagógicos e universitários”. E se congratula com as iniciativas da Igreja peruana da Amazônia para a promoção dos povos nativos: “Escolas, residências para estudantes, centros de pesquisa e promoção, como o Centro Cultural José Pío Aza, o CAAAP e o CETA, inovadores e importantes espaços universitários interculturais como NOPOKI, voltados expressamente para a formação dos jovens das diferentes etnias da nossa Amazônia”.
Padre Bossi: uma língua é um canal de encontro com Deus
Perguntamos ao padre Dario Bossi, missionário comboniano que vive há 12 anos no Maranhão, seu parecer sobre a iniciativa da ONU: “Uma língua é uma cultura, é uma visão do mundo, é um canal de encontro com Deus, é reserva de conhecimentos tradicionais e é também expressão de uma profunda integração com a natureza, com o ambiente, especialmente entre os povos indígenas, que podem ser considerados como os grupos mais vulneráveis no mundo de hoje”.
Na Amazônia, recorda o missionário comboniano, “existem 3 milhões de pessoas indígenas, 390 povos e, ainda, 240 idiomas falados. Em várias partes da América Latina os povos indígenas são ameaçados, especialmente no Brasil, no Chile e na Argentina”. E sublinha a forte sensibilidade do Papa Francisco para com os povos indígenas citando os encontros de Puerto Maldonado e o de Temulco no Chile com os Mapuche “um dos povos que mais sofrem pela violência e a privação dos direitos humanos”.
Em 2016 no estado mexicano de Chiapas – recorda ainda padre Dario – o Papa pediu perdão e oficializou a Bíblia traduzida em três das línguas indígenas locais. A língua é um desafio à inculturação, conclui o missionário, e “A Igreja precisa inculturar-se e dialogar com as culturas indígenas. Este será o desafio para o Sínodo Especial para a Amazônia, em outubro deste ano”.
Homilias do Papa da Casa Santa Marta: o colonialismo cultural não vence o dialeto
Papa Francisco falou várias vezes sobre a importância da língua mãe. A língua materna, destaca, é um baluarte contra as colonizações ideológicas e culturais, contra o pensamento único que quer destruir a diversidade. “Um dos indicadores de uma colonização cultural – disse na Missa na Casa Santa Marta de 23 de novembro de 2017 – é “anular a história” para tirar a liberdade de pensamento. Seria como dizer: “A história começa comigo, agora, com a narração que faço neste momento, não com a memória que lhe transmitiram”. Conservar a língua materna significa resistir a esta imposição cultural: “Não existe colonização cultural alguma que possa vencer o dialeto”. O dialeto “tem raízes históricas”.
FONTE: VATICAN NEWS – Cidade do Vaticano
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