Mujica de arraia, tartar de tambaqui e purê de batata-doce com açaí foram alguns dos pratos que foram feitos em evento realizado no Musa pela Regional Norte da SAB em Manaus
Do passado ao presente, a Amazônia possui um riquíssimo arsenal culinário composto por plantas e animais, que são preparados através de biotecnologias e receitas diversas. Um pouco de tudo isso foi demonstrado na quarta-feira (05) durante o “Encontro entre saberes e sabores: diálogos entre Arqueologia, Culinária e Gastronomia”.
O simpósio foi realizado no Museu da Amazônia (Musa), na Zona Leste de Manaus, e faz parte das atividades da IV Reunião Regional Norte da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), que acontece esta semana na capital amazonense.
Com a farofa de ova de jaraqui, Roberto Smeraldi, vice-presidente do Instituto ATÁ, mostrou que ingredientes utilizados há milhares de anos na região estão bem presentes na nossa culinária. “O jaraqui é um dos peixes que, está documentado nos sítios arqueológicos, era usado há oito mil anos e a ova é uma coisa que o índio sempre gostou”, comentou.
Ele também fez mujica de arraia, tartar de tambaqui e purê de batata-doce com açaí. “A arraia é leve do ponto de vista digestivo e extremamente nutritiva, principalmente devido ao aporte de cálcio que tem, que é bom para a formação de uma criança que está crescendo. É uma comida altamente saudável, saborosa e muito abundante. Uma arraia de 30 quilos alimenta 200 pessoas”, apontou.
O purê de batata-doce com açaí é uma novidade. “Comecei fazer há pouco tempo. A batata-doce é uma coisa que os índios usavam muito”, disse. Já o tartar de tambaqui, ou seja, picado cru, é marinado no mel de abelha jandira e temperos. “O mel tem acidez que pode ser usada para marinar junto com o sal carnes ou peixes crus. Vai cozinhando por algumas horas e ficando pronto”, revelou Smeraldi.
O vice-presidente do Instituto ATÁ enfatizou que todos esses ingredientes tiveram milhares de anos de adaptação e de domesticação antes de estarem na forma atual que a gente conhece. “Cupuaçu, cacau, banana, batata-doce, entre outros, foram objetos de um trabalho de seleção, domesticação e adaptação ao longo de seis a oito mil anos. Hoje, a arqueologia com radiocarbono permite entender isso”, afirmou.
Ele destacou, ainda, que o cozinheiro tem que mostrar que esse trabalho da cozinha começou há muito tempo. “São pratos que hoje a gente cozinha em duas, três ou quatro horas, mas que tem milhares de anos de preparação para poderem chegar ao ingrediente dessa maneira”, falou.
O chefe de cozinha Hiroya Takano, do Shin Suzuran, mostrou que pratos populares no Japão podem ser feitos com ingredientes regionais. Ele fez a demonstração com um tempurá de pirarucu. “A técnica é a mesma. Só muda que você tempera o peixe – com um pouco de sal e açúcar – e como ele é mais grosso (que frutos do mar ou legumes), tem que ficar atento à temperatura do óleo”, frisou.
As mulheres indígenas do Alto Rio Negro trouxeram para o debate e degustação o aluá, bebida feita com a fermentação de suco de abacaxi e utilizada em festas pelos índios. “Ralamos o abacaxi no ralo, depois coamos e levamos para fermentar no fogo por uma hora. Após isso deixamos esfriar e colocamos em potes para fermentar. Geralmente se faz num dia e consome no outro”, contou Deolinda Freitas.
Além destes, outros pratos típicos foram apresentados na ocasião pela chefe de cozinha Débora Shornik, do restaurante Caxiri. Também participaram das discussões os arqueólogos Eduardo Neves e Leonardo Viana, e Donza Brazi Baré, indígena e autora do livro “Culinária Tradicional Amazônica”.
O simpósio da SAB Norte tinha como proposta reunir arqueólogos/as, conhecedoras/es da culinária tradicional amazônica e chefes de cozinha para experimentar um encontro através dos tempos, entre pessoas, plantas, animais, tecnologias, temperos, modos de consumo e tudo o que envolve o mundo culinário.
O arqueólogo Eduardo Neves contou que há espécies que possuem um uso que remonta ao início da ocupação humana da Amazônia e que são utilizadas até o presente. Ele citou como exemplo o ariá (batata), que é consumido na região há pelo menos nove mil anos. “A gente descobre essas coisas preservadas nos sítios arqueológicos, por que não trazer de volta?”, questionou.
Neves lembrou que, hoje em dia, no Brasil inteiro as pessoas estão ficando obesas. Isso é reflexo da mudança de hábitos alimentares da população, que vem substituindo as comidas tradicionais. “Antigamente no interior, por exemplo, a pessoa tinha na refeição o açaí, hoje ela tem bolacha, coca-cola, doritos”, evidenciou.
Tais produtos, conforme o arqueólogo, aumentam os casos de hipertensão, diabetes e obesidade. Ao contrário dos produtos regionais. “Por que não olhar e aprender com essa forma mais riquíssima de alimentação, que tem coisa que pode plantar no quintal de casa? A ideia é trazer de volta junto com esses chefes essas formas antigas de conhecimento para, de maneira incipiente, chamar atenção para isso”, disse.
Por: Silane Souza
Fonte: A Crítica
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