Canutama (AM) – “Em quem acertou: no meu filho ou no pai dele?”. Essas foram as palavras da indígena Borehá Juma, ao ouvir os dois disparos de arma de fogo contra o caminhão em que viajava pela rodovia Transamazônica, na região do município de Humaitá. Era dia 21 de novembro e o local fica a 696 quilômetros de Manaus, no sul do Amazonas, na divisa com Rondônia. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), duas balas atingiram um pneu do caminhão. Não houve feridos. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal.
Não houve feridos, mas quatro pessoas, incluindo índios Uru-Eu-Wau-Wau e servidores da Funai, viveram momentos de terror (Foto da aldeia no rio Assuã/Gabriel Uchida/Amazônia Real).
Borehá Juma contou à agência Amazônia Real que nesse dia estavam na cabine do caminhão o motorista e um funcionário, ambos da Coordenação Regional Madeira da Fundação Nacional do Índio (Funai), e ela. Enquanto isso, seu marido, Erowak Uru-Eu-Wau-Wau e o filho adolescente, estavam na carroceria. A família seguia com destino a Humaitá, onde iam vender sua produção de farinha. O órgão indigenista havia disponibilizado o veículo para deslocamento, porque apoia os indígenas nas despesas de transporte para a venda da produção no centro urbano.
Os indígenas trafegavam pelo quilômetro 110 da Transamazônica, quando foram surpreendidos pelos tiros. “Apenas um dos disparos acertou o pneu do veículo e ninguém se feriu”, afirma Borehá sobre o ataque.
Ela disse que servidores da Funai já haviam alertado sobre o perigo dos indígenas andarem pela ponte que dá acesso a Vila Nossa Senhor do Carmo do Assuã, em Canutama. A vila fica distante a cerca de um quilômetro de caminhada na floresta e mais uma hora de viagem de barco (de voadeira com motor de popa) da aldeia. Da vila para a cidade de Humaitá são mais 120 quilômetros pela rodovia Transamazônica (BR 230).
“O pessoal falou na cidade [de Humaitá] que é fácil matar todos os Juma porque somos poucos” conta Borehá”. Ela também disse que o marido Erowak Uru-Eu-Wau-Wau foi intimidado por uma pessoa e relata: “O povo da Funai disse que não era pra eu passar na ponte que vai para a cidade porque queriam me matar”.
Os Juma são apenas quatro pessoas: Borehá, suas irmãs Maitá e Mandeí, e seu pai, Aruká. Por causa dos risco de extinção da etnia, as mulheres casaram com indígenas do povo Uru-Eu-Wau-Wau para formar novas famílias. Elas, que falam a língua Tupi Kawahiva, são classificadas pela Funai como sendo de alta vulnerabilidade sociocultural.
Por conta do histórico agressivo na região do Sul do Amazonas, os veículos da Funai de Humaitá não utilizam identificação com logomarca, por uma questão estratégica, evitando ser identificados. Porém, no dia em que os indígenas sofreram ataques com tiros, estava sendo usado um caminhão que vinha do Mato Grosso, e por isso o veículo tinha adesivos da instituição. Segundo as vítimas, ninguém foi avistado atirando nelas, mas após os disparos, os indígenas fugiram em alta velocidade, com receio de sofrer novos ataques. “Os tiros saíram de dentro do mato e pensei que tinham acertado em mim, fiquei com o ouvido zunindo”, conta Erowak Uru-Eu-Wau-Wau.
A região Sul do Amazonas tem um longo histórico de violência contra indígenas e contra órgãos ambientais que combatem os desmatamentos na floresta Amazônica. Recentemente, foram feitas mais ameaças aos indígenas Juma e Uru-Eu-Wau-Wau, por causa da exploração ilegal de madeira, pesca e invasão dentro do território, na Terra Indígena Juma, que fica no rio Assuã. Erowak diz que, frequentemente, eles avistam invasores dentro do território Juma e que há pouco tempo foram ouvidos muitos disparos de arma de fogo, bem próximos à aldeia.
Ameaças as demarcações
As ameaças ficaram mais pontuais contra os povos indígenas brasileiros após a eleição de 2018 que elegeu o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Desde a campanha eleitoral, ele tem afirmado que as demarcações de terras atendem a interesses de outros países e não demarcará os territórios. Também afirmou que haveria risco de os povos indígenas formarem estados independentes no Brasil. As declarações provocaram uma reação de protesto de várias entidades, entre elas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que defende os interesses dos indígenas.
Em Mato Grosso do Sul, no dia 28 de outubro, após o resultado do segundo turno das eleições, de dez a 15 pessoas da etnia Guarani-Kaiowá ficaram feridas por disparos de arma de fogo e balas de borracha. Em Pernambuco, uma escola e um posto de saúde que atendem aos povos Pankararu foram incendiados. A Polícia Federal investiga os dois casos, a pedido do Ministério Público Federal e da Justiça Federal. As investigações tramitam em segredo de justiça.
Antes disso, no dia 20 de outubro, em Rondônia, um homem foi preso em flagrante, após atear fogo em três picapes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O fato ocorreu na cidade de Buritis, a 330 quilômetros de Porto Velho. O acusado, Edmar dos Santos Lima, usou um galão de gasolina para gerar o incêndio. As equipes de fiscalização que atuam na Operação Pugnare 14, que combate o desmatamento na região, estavam se preparando para mais uma ação contra madeireiros nesse dia.
Ainda não se sabe qual o motivo dessas pessoas atacarem os indígenas Guarani Kaiowá, Pankararu e Juma, nem quem foi o responsável por tais atos e se eles têm relação com o eleitorado de Bolsonaro.
Massacres e insegurança
A sobrevivência do Juma na Amazônia é marcado por massacres e ameaças. Estima-se que essa etnia tinha cerca de 15 mil pessoas no século 18 e foi sendo dizimada por conflitos e doenças trazidas pelos invasores do território.
Em junho de 1979, o jornal Porantim, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), publicou o depoimento de um homem que havia participado de uma expedição para enfrentar a etnia Juma e afirmava ter matado mais de 60 pessoas na ocasião.
Indígenas estão em perigo
A historiadora e indigenista Ivaneide Bandeira acompanha os indígenas Juma há vários anos. Ela afirma que eles já vêm de um processo de genocídio. “O grupo está em risco de extinção, porque, da etnia original, só sobraram quatro pessoas. Foram atacados [novamente] porque estão em uma região com um avanço muito grande da grilarem de terras, da monocultura e da mineração, e os indígenas são considerados um empecilho ao desenvolvimento”.
Ivaneide complementa avaliando o cenário atual para os povos indígenas: “acredito que a vida de todos os indígenas, não só dos Juma, está em perigo, porque hoje é como se os violadores de direitos humanos tivessem carta branca para atuar”.
O que diz a Funai?
A Funai, em Brasília, foi procurada para informar sobre quais providências está sendo tomando para proteger os índios Juma. A assessoria de imprensa enviou uma nota à Amazônia Real e confirmou o ataque: “um caminhão da Funai buscava farinha produzida pelo povo Juma, a fim de promover o escoamento comercial do produto, quando um dos pneus foi atingido por duas balas. Os tiros vieram de uma região de mato fechado e o autor do disparo não foi identificado. Nenhum servidor, nem indígenas, foram feridos. O pneu foi trocado e a viagem seguiu rumo a Humaitá. Posteriormente, a Funai relatou a situação ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal”.
Quando a denúncia é desmentida
Apesar dos recentes ataques aos indígenas há demora nas investigações dos casos e até desmentidos contra as denúncias deles. No ataque aos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, o MPF não abriu um procedimento investigatório imediatamente sob a justificativa de era “um suposto ocorrido, sem confirmação de nenhum desses ataques”. A Polícia Federal também não abriu investigação dizendo que “nenhum indivíduo procurou a polícia para ratificar as denúncias e auxiliar nas diligências”.
“Sendo que o local apontado como aquele em que os fatos teriam ocorrido não se encontra dentro da aldeia indígena, sendo uma propriedade contígua, sendo importante ressaltar que a Polícia Militar deu imediato atendimento à ocorrência”, declarou à PF em nota à imprensa nacional sobre o ataque, em 28 de outubro.
Procurado diversas vezes pela agência Amazônia Real, apenas no dia 28 de novembro, um mês depois do ataque, o MPF do Mato Grosso do Sul confirmou o ato de violência contra os índios Guarani Kaiowá. “Realmente houve ataques aos indígenas. Porém, todos os procedimentos e autos judiciais estão sob sigilo no momento. Somente poderemos divulgar informações quando este sigilo for levantado”, disse a assessoria de imprensa. (Colaborou Kátia Brasil)
POR; Gabriel Uchida
FONTE:VER MAIS EM: http://amazoniareal.com.br/indigenas-juma-ameacados-de-extincao-foram-atacados-a-tiros-no-sul-do-amazonas/
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