O Papa Francisco decidiu realizar, em outubro de 2019, em Roma, um Sínodo Especial para a Amazônia.

O objetivo principal desta convocação, segundo comentou o próprio Papa, é identificar novos caminhos para a evangelização das populações que habitam a região, que passou a ser denominada em documentos preparatórios para o evento, de “Pan-Amazônia”, um conceito próprio da Igreja e que envolve áreas geográficas de nove países da América do Sul: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guiana Inglesa, Guiana Francesa, Suriname, além do Brasil.

O presente artigo pretende comentar sobre o que será este evento, mostrar como funciona e alertar para suas possíveis consequências para os países da região e para a Igreja, caso não seja adequadamente conduzido.

UM SÍNODO: O QUE É E COMO FUNCIONA?

Um sínodo é uma assembleia periódica de bispos que, presidida pelo papa, se reúne para tratar de assuntos ou problemas concernentes à Igreja Católica.

É uma palavra que tem origem no grego e significa “syn”, juntos, e “hodos”, estrada ou caminho. A finalidade de um sínodo é refletir de maneira conjunta sobre temas relevantes para o bem da igreja e da humanidade.

Na crítica teológica do papa emérito Bento XVI, (Ratzinger,1985) os sínodos “não possuem uma base teológica, não fazem parte da estrutura indispensável da Igreja, assim como querida por Cristo: têm somente uma função prática, concreta”.

Segundo ele, “uma conferência episcopal… não pode votar sobre a verdade”, pois esta só pode ser “encontrada” e não “inventada” pelos bispos. Por isso, não pode ser o resultado de uma votação, pois não distingue entre verdade “revelada” (dogmática) e verdade “pastoral”.

A decisão aprovada é, portanto, segundo Ratzinger. “a verdade pastoral que melhor corresponde à mensagem de Jesus Cristo naquelas circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoas, envolvendo as pessoas dos próprios bispos e as dos fiéis”.

De certo modo, seria encontrar a “verdade do que Deus pede à Igreja naquelas circunstâncias” (Ratzinger,1985).. É, portanto, uma assembleia na qual se buscam caminhos para se decidir sobre algo específico, que requer atenção especial por parte da Igreja e seu colegiado, tudo com a finalidade de se tomar decisões e dar início a ações pastorais concretas, que solucionem os problemas os identificados.

Quem escolhe o tema do Sínodo é o Papa, após um estudo elaborado pelo Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, que avalia as sugestões recebidas.

Com o tema definido, prepara-se a “Lineamenta”, documento que apresenta as linhas principais do tema do Sínodo e, após a aprovação do Papa, é enviado ao episcopado.

Após um estudo, os bispos enviam uma relação sobre essa Lineamenta para a Secretaria Geral. Só então é redigido o “Instrumentum laboris”, documento que é ponto de referência durante a Assembleia sinodal.

A metodologia adotada pelo sínodo é baseada na colegialidade, um conceito que caracteriza cada fase do processo sinodal, desde a preparação até as conclusões das Assembleias.

Os trabalhos alternam análises e sínteses, com uma dinâmica em 3 fases, que permite a verificação dos resultados e o exame de novas propostas. Na 3ª fase, há a elaboração de propostas, que serão, após votadas e aprovadas por maioria (mais de 2/3 dos bispos participantes), apresentadas ao Papa.

Terminado o sínodo, o Papa emite um documento chamado Exortação Apostólica, no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões.

A Igreja Católica é uma das grandes protagonistas na região amazônica. Seus fiéis reúnem-se nas comunidades, tanto nas capitais como no interior da Amazônia, nas comunidades ribeirinhas.

Basta perceber a relevância de eventos como o famoso Sírio de Nazaré, que ocorre anualmente em Belém. O alcance que estas exortações apostólicas podem ter em relação a como os fiéis encaram certas realidades locais podem ter um enorme peso quanto à atuação destas pessoas, no campo religioso e moral, podendo afetar o modo como encaram certas realidades geopolíticas locais.

Pode-se chegar a questionar, inclusive, certos conceitos que relativizam o papel dos estados nacionais na região, reforçando a atuação de organizações não governamentais que atuam com interesse duvidoso na região, por exemplo. A seguir, faz-se uma análise do documento preparatório, lançado no último mês de junho.

O SÍNODO ESPECIAL PARA A AMAZÔNIA: ANÁLISE CRÍTICA DO DOCUMENTO PREPARATÓRIO

O Sínodo Especial para Amazônia tem como tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”. Ocorre em um momento em que a Igreja Católica enfrenta uma crise sem precedentes, causada por escândalos referentes a conduta moral de alguns de seus prepostos, seja por ação ou por omissão, que vem levando a uma perda considerável de seus fiéis.

Na América, os maiores impactos foram sentidos nos Estados Unidos da América e no Chile. Agrava o problema, na América Latina, uma franca divisão entre um clero dito conservador, mais ligado às questões de fé e religião, e outro mais ligado a questões sociais, dito progressista.

 

Uma leitura crítica do documento preparatório permite antever que o Sínodo para a Amazônia pode ter um efeito contrário ao desejado pelo Papa Francisco, caso continue rumando em suas atuais premissas: causar mais divisão e afastar mais fiéis da Igreja Católica, além de criar sérios problemas diplomáticos entre o Vaticano e os estados nacionais cujas dioceses são englobadas pelo conceito de “Pan-Amazônia” por ela criado.

Inicialmente, ao abrir um canal de diálogo direto com as dioceses, ignora a participação dos estados nacionais na construção do diálogo, o que pode causar um mal-estar com os governos locais, ao ignorá-los como parte de uma possível solução para os problemas apresentados.

O próprio conceito de “Pan-Amazônia” cria uma falsa identidade, desconectada dos seus estados-nacionais e, com isso, pode fragilizar bastante suas imagens perante a comunidade internacional e perante as comunidades de fiéis participantes.

Em diversas passagens, ademais, o documento preparatório parece deslegitimar a ação pretérita ou presente dos Estados nacionais na promoção do desenvolvimento da região.

Uma e outra vez, a ação dos governos é apresentada como um esforço “colonial”, como se as populações amazônicas não integrassem nacionalidades plurais em cujo seio pudessem desenvolver, harmonicamente, as suas particularidades, chegando a usar linguagem próxima às definições de “genocídio” e “crimes contra a humanidade” consagradas no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Não se pode fazer uma análise do documento sem considerar sua conexão com a encíclica papal Laudato Si, que externa a preocupação do Papa Francisco com o meio-ambiente.

O conceito de “ecologia integral”, contida no próprio tema escolhido, só pode ser compreendido plenamente após uma leitura da referida encíclica. Entretanto, há que se buscar um equilíbrio entre os diversos valores em jogo quando se trata do desenvolvimento da Amazônia e do bem-estar das populações daquela região.

Abordar o tema com uma lógica simplista, que considera somente a lógica dos povos ditos “originários” ou aspectos da preservação e biodiversidade pode excluir as possibilidades de sobrevivência digna da maioria dos fiéis, que vivem nas cidades ou em comunidades ribeirinhas da região.

A referência do documento preparatório a uma denominada “Ilha Guiana” poderia interpretar-se como um endosso da Igreja ao projeto polêmico de criação de um corredor Andes-Amazônia-Atlântico.

O tema é sensibilíssimo no Brasil e em outros países da região, e mesmo a aparência de apoio da Igreja causaria preocupações em setores nacionalistas, preocupados com o apoio externo ao estabelecimento de santuários ecológicos fora do controle dos estados nacionais.

As seguidas referências à “autonomia” ou “autodeterminação” dos “povos indígenas” no documento preparatório, bem como a referência à necessidade de “consentimento prévio e informado” dos mesmos povos indígenas como pressuposto de qualquer atividade econômica em suas terras, rompe com manifestações anteriores do Papa ou outras instâncias da Igreja nas quais sempre se utilizou o marco normativo internacionalmente consagrado sobre esses temas, em particular a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, ou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Por fim, em outras passagens o documento parece extrapolar indevidamente conceitos do Sumo Pontífice consignados na encíclica Laudato Si para deslegitimar toda e qualquer ação de desenvolvimento econômico na Amazônia. Chega perto de anatemizar a “[exploração do] petróleo, o gás, a madeira, o ouro” e a “construção de obras de infraestrutura” tais como “projetos hidrelétricos, eixos viários, como rodovias interoceânicas” e “monoculturas industriais”(REPAM,2018).

Tudo isso a despeito de o documento citar a orientação papal segundo a qual “o problema essencial é como reconciliar o direito ao desenvolvimento, inclusive o social e cultural, com a proteção das características próprias dos indígenas e seus territórios” — uma formulação equilibrada que, entretanto, não se espelha no restante do documento preparatório.

CONCLUSÃO

Como canal de diálogo para construção de uma Igreja Católica mais próxima das realidades de seus fiéis na região amazônica, não se discute a validade do Sínodo Especial para a Amazônia.

Aliás, as Forças Armadas, em especial, são grandes parceiras da Igreja nas realidades elencadas na encíclica Laudato Si, com visões muito semelhantes quanto à necessidade de se proteger o meio ambiente amazônico e de se construir um ambiente que proporcione o desenvolvimento sustentável, com respeito às populações da região.

Contudo, a condução do assunto parece estar caminhando para o efeito inverso do desejado: criando mais divisão entre os atores envolvidos, com possibilidades de criar sérios problemas diplomáticos para o Vaticano, num momento em que não pode fazê-lo, por conta da crise que enfrenta.

Caso a Igreja Católica deseje fazer um bom trabalho, precisa intensificar o diálogo com os estados nacionais e permitir a ampliação do debate, sob pena de construir uma verdade baseada na percepção restrita de membros de comissões internas com visões ideologizadas da realidade existente.

Um bom começo poderia ser uma visita aos pelotões de fronteira, e às cidades onde as Forças Armadas estão presentes. Também poderiam ser feitos seminários em conjunto, proporcionando um ambiente além daquele restrito somente a Igreja, proporcionando o diálogo com os entes estatais. Lamentavelmente, o prazo está bastante exíguo, já que o Instrumento de Trabalho deverá ser elaborado até julho de 2019.

Não parece, até o momento, que se tenha grande capacidade para ampliar este debate até a realização do Sínodo. As verdades pastorais a serem expressadas na Exortação Apostólica resultante podem ter consequências ruins para a Igreja Católica se desconectadas da realidade fática.

Para os Estados Nacionais, pode criar uma situação desconfortável, terreno fértil para exploração por organismos internacionais com interesses escusos, em desfavor dos próprios fiéis da Igreja Católica e dos demais habitantes da região.

REFERÊNCIAS

J. RATZINGER-V.MESSORI, A Fé em Crise? O Cardeal Ratzinger se interroga.EPU, São Paulo, 1985, p.40-41.

REPAM-BRASIL: Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Edições CNBB, Brasília, 2018, 2ª Edição. Disponível em www.repam.org.br. Acesso em 02 Nov 18.

FONTE: DefesaNet

VER MAIS EM: http://www.defesanet.com.br/toa/noticia/31136/Um-Sinodo-para-Amazonia-/

Nota Ecoamazônia:
O Sínodo está previsto para o ano de 2019. A data foi corrigida na origem.   https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-06/sinodo-bispos-amazonia.html