A Grande Depressão nos anos 1930 foi um momento em que os americanos se uniram para enfrentar a pior crise de sua história até então. Em alguns anos, uma nação com grande concentração de renda se transformou em uma sociedade de classe média. Da mesma forma, na Segunda Guerra, entre 1939 e 1945, houve racionamento de alimentos, energia e outros itens, além de políticas econômicas “draconianas” implantadas pelo governo dos Estados Unidos a fim de vencer o conflito para os Aliados.


Para Joshua Farley, economista da University of Vermont, assim como nesses dois momentos históricos, quando todos assumiram sacrifícios para derrotar um inimigo comum, o momento atual exige atitude semelhante para enfrentar o maior problema da atualidade, as mudanças climáticas. 

Farley fez a afirmação durante conferência no 2º Encontro Regional América Latina e Caribe da Ecosystem Services Partnership (ESP), realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 22 a 26 de outubro, por iniciativa da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos/BPBES em parceria com a Embrapa e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Além da Unicamp, o evento teve apoio do Programa BIOTA-FAPESP e da Applied Biodiversity Foundation.

A implantação de projetos de valoração de serviços ecossistêmicos (proteção de nascentes, polinização, manutenção de florestas, entre outros) é parte da proposta de Farley por uma economia mais sustentável. 

Casado com uma brasileira e com projetos de pesquisa em comunidades de Santa Catarina, entre outros locais do país, Farley disse que mais do que nunca é necessária uma colaboração entre as nações, parte delas por meio dos acordos ambientais multilaterais e de redes como a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).

“[Do ponto de vista ambiental], o Brasil é muito bom em um monte de coisas. Tem uma grande área conservada, usa muita energia renovável, mas há uma grande preocupação de que haja uma massiva desregulação dos negócios, o que permitirá que se degrade o meio ambiente e de que haja mais desflorestamento. Essas são ameaças atuais”, disse. 

O economista falou do risco de chegar a um ponto de não retorno, quando já não poderão ser desfeitas as perdas ambientais. Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenador do BIOTA-FAPESP e um dos criadores da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês), disse que esse é um dos principais pontos trabalhados durante o encontro.

“Uma questão é estarmos preparados para medir o quanto as mudanças climáticas, por exemplo, já impactaram os serviços ecossistêmicos e o quão distante estamos de um ponto de não retorno. Às vezes só se descobre que passou deste ponto quando é tarde demais”, disse Joly à Agência FAPESP.

Para evitar esse cenário, membros do IPBES como Joly trabalham para aperfeiçoar ferramentas de modelagem e de cenários, a fim de melhorar a previsibilidade. “Estamos discutindo o ferramental teórico, de um lado, e o prático, de outro. Quais metodologias e ferramentas que temos para fazer uma avaliação correta dos pontos de não retorno”, disse.

O encontro contou não só com representantes da comunidade acadêmica de países da América Latina e Caribe, como também de ONGs, governos e empresas. “Quando falamos em acordos globais, não podemos trabalhar só em uma perspectiva acadêmica. Ela é superimportante, é a base do trabalho, mas se não chegarmos às ONGs, aos governos, ao setor privado, a discussão vai ficar apenas na academia e não vai se efetivar em ações”, disse Maíra Padgurschi, pesquisadora da BPBES.  

“A ideia de trazer esse tipo de discussão para um evento de uma rede de pesquisadores é colocar os diferentes atores frente a frente para discutir e achar as soluções em conjunto”, disse.  

Preço da natureza

O pagamento por serviços ambientais é uma ferramenta criada na década passada. Prevê que proprietários de terra que contribuam com a conservação ou restauração de serviços ecossistêmicos – preservação de nascentes e florestas, por exemplo – recebam um pagamento por isso.  

Um dos programas do tipo no Brasil é o “Projeto de Recuperação e proteção dos serviços ecossistêmicos relacionados ao clima e à biodiversidade no corredor sudeste da Mata Atlântica do Brasil“, resultado da parceria entre os programas Mudanças Climáticas e BIOTA da FAPESP e a Global Environmental Facility (GEF).  

“Estamos trazendo uma novidade que é não focar em apenas um serviço. A pessoa receber, por exemplo, apenas porque está protegendo uma nascente de água. Para preservar essa nascente, foi preciso uma restauração florestal, então isso tem captura de carbono envolvido. Além disso, se a restauração utilizar espécies que são importantes como o abrigo ou alimentação para polinizadores, a manutenção do serviço de polinização também poderá ser considerada no pagamento dos serviços ambientais prestados por aquele proprietário”, disse Joly.

Além disso, explica o pesquisador, nos últimos anos vêm sendo cogitadas novas formas de pensar em serviços ecossistêmicos que incluam outros valores, sem romper com paradigmas que foram estabelecidos em 2005 e 2007, quando os conceitos foram consolidados na Avaliação Ecossistêmica do Milênio (Millenium Ecosystem Assessment). 

“Muitas culturas indígenas têm diferentes concepções de mundo e consideram estes serviços ecossistêmicos não precificáveis, mas contribuições da natureza para o homem”, disse Joly, citando o debate publicado recentemente na revista Science

“É importante considerarmos essas duas visões de mundo, e não apenas a ideia monetarista que o serviço ecossistêmico acaba inevitavelmente carregando”, disse o pesquisador.

Farley afirmou que o mercado sozinho não fornece todas as soluções, como pregam muitos economistas. “Precisamos muito mais de um sistema híbrido, onde itens como sustentabilidade, justiça e recursos essenciais como alimentos sejam determinados fora do sistema de mercado”, disse Farley.

Para chegar a algo semelhante por aqui, um passo importante será o lançamento do primeiro diagnóstico da BPBES, com as conclusões do primeiro levantamento do tipo feito no Brasil. O documento será lançado no dia 8 de novembro, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

André Julião  |  Agência FAPESP

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