Procuradores da República querem que a Justiça ordene a consulta prévia, livre e informada das comunidades afetadas por pequenas centrais previstas para os braços leste e oeste do rio
Mapa mostra usinas e pequenas centrais hidrelétricas estudadas ou planejadas na bacia do Tapajós. Fonte: ação civil pública do MPF
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública na Justiça Federal em Santarém (PA) para que seja paralisado o licenciamento ambiental do Complexo Hidrelétrico do Cupari, projeto de construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no rio de mesmo nome, que integra a bacia do Tapajós, um dos grandes tributários do grande sistema fluvial do Amazonas. Por enquanto, estão previstas oito dessas barragens, nos braços leste e oeste do Cupari. O MPF aponta a ausência de consulta prévia, livre e informada, desrespeitando direitos de comunidades que serão afetadas pelas obras.
A ação, assinada por dois procuradores da República e dois assessores do MPF, pede à Justiça que suspenda a licença prévia concedida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) enquanto não for garantida a realização de consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais de São Francisco das Chagas e São Francisco do Godinho, bem como de outras que venham a ser identificadas no curso do processo judicial.
As duas comunidades vivem na porção sul da Floresta Nacional do Tapajós e foram indicadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como afetadas pelo projeto do complexo hidrelétrico. Mesmo com a indicação da autoridade responsável pela gestão das áreas protegidas, a Semas concedeu licença prévia à Cienge Engenharia e Comércio, empresa que propôs os barramentos. Com isso, diz o MPF, é necessária a suspensão com urgência, para evitar que as obras sejam iniciadas e os danos sejam consumados, sem o devido respeito à legislação.
A consulta prévia, livre e informada é prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e foi integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, porque o país é signatário da Convenção. Com isso, ela tem força de lei. Pela jurisprudência já existente em tribunais brasileiros, a convenção se aplica a comunidades tradicionais, entre as quais se incluem as comunidades amazônicas que vivem da floresta e dos rios, assim como todas as comunidades etnicamente diferenciadas.
O MPF chama a atenção que tanto a Constituição brasileira quanto a Convenção 169 apontam o caráter de direito fundamental às proteções de comunidades minoritárias. “É consenso doutrinário e jurisprudencial de que a principal característica dos direitos fundamentais, sejam eles individuais ou coletivos, é o fato de serem oponíveis à maioria, a dizer, aos grupos sociais, econômicos, culturais, demográficos e politicamente hegemônicos. Isto porque o regime democrático, embora represente um governo do povo, não se confunde com o ‘maioritarismo’, no qual os grupos políticos dominantes podem impor suas vontades aos grupos minoritários.
A democracia possui uma dimensão contramajoritária que consiste justamente na imposição de limites à atuação das maiorias políticas. Os direitos fundamentais representam um núcleo de direitos indisponíveis, que não podem ser suprimidos mesmo que por vontade da maioria”, diz a ação judicial.
O processo cita inúmeras decisões dos tribunais brasileiros que garantem o respeito à consulta prévia, livre e informada, e afirma que os estudos apresentados para o licenciamento mostram que o projeto representará impactos sobre as águas do rio Cupari, com impactos na Floresta Nacional do Trairão e na Floresta Nacional do Tapajós, ambas unidades de conservação de domínio federal. Além disso, as pesquisas de campo revelaram a presença de 11 sítios arqueológicos e duas ocorrências arqueológicas na área de influência do empreendimento, o que significa que existe um histórico de vestígio de civilizações antigas presentes ali.
Processo 1000419-39.2018.4.01.3902
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