O cinema do Centro Amazônico de  Fronteira (CAF/UFRR) apresenta a sessão especial do documentário Como fotografei os Yanomami, dirigido pelo cineasta Otavio Cury, no dia 23 de novembro, às 18h.

O longa metragem retrata as relações dos Yanomami com agentes de saúde. Lançado em 2018 no 13º Festival de Cinema Latinoamericano, o filme já passou pelos cinemas de São  Paulo, Rio e Porto Alegre.

A exibição será seguida de debate com o diretor do filme e o xamã yanomami Davi Kopenawa. O evento é uma realização do curso de Antropologia da UFRR, sob a coordenação do professor Pablo de Castro Albernaz.

 

Abaixo texto inédito sobre o filme, produzido pelo coordenador do curso de Antropologia da UFRR, professor Pablo Albernaz.

A poética e o xamanismo das imagens em Como fotografei os Yanomami

Pablo de Castro Albernaz – [email protected]   tel: (95) 98120-1547

Quando Otavio Cury chegou a Roraima para fazer as filmagens de um documentário sobre os profissionais de saúde que trabalham junto aos Yanomami, não imaginava que a lente de sua câmera o confrontaria diretamente com as noções de saúde e de doença desse povo — que estão estreitamente ligadas à noção de imagem (utupë).

Em trechos do livro A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami (Kopenawa & Albert, 2016) citados no documentário, Davi Kopenawa descreve como os seres maléficos da floresta veem os humanos como presas, sendo a doença um processo de roubo da imagem. A alma de um caçador pode ser capturada e levada pelo espírito da doença, que a “dilacera com suas garras”. Para os Yanomami, não é o corpo, mas a imagem, que a doença “mantém escondida em seu antro distante”. Cabe aos xamãs e seus xapiri, nos rituais de cura, recuperar a imagem cativa na casa do espírito malfazejo, levando-a de volta ao corpo do doente.

Essa concepção é comum a diversos povos indígenas na Amazônia, que concebem o processo de cura como recuperação de um duplo/imagem do doente, através de cantos e rituais específicos. Ainda hoje, câmeras e gravadores são entendidos como aparelhos capazes de ‘roubar’ a imagem da pessoa, e por isso são encarados com desconfianças por alguns povos indígenas.

Segundo Arlindo Machado em Máquinas e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas, na nossa sociedade, essas máquinas de apreensão e registro duplicam o real e nos fazem imergir “num mar de signos audiovisuais que constituem para nós o atestado da realidade das coisas” de modo que “cada vez mais, nós tendemos a confundir o evento com a sua enunciação simbólica”. Enquanto isso, para os Yanomami, a imagem ou som que é capturado pela câmera é uma parte da pessoa que é levada para longe, podendo causar adoecimento e morte.

O documentário aborda de modo interessante essa equivocação entre as concepções de saúde dos enfermeiros napë (não indígenas) e os conhecimentos nativos dos Yanomami, mostrando uma pluralidade de perspectivas agenciadas num ponto de contato e interação constantes.

O título pode remeter à ideia do viajante pós-moderno que captura objetivamente as imagens de um povo exótico; mas isso somente à primeira vista: Como fotografei os Yanomami é um filme que se coloca numa zona onde já não é possível distinguir de forma clara o eu e o outro, como pode ser visto nas belas narrativas e performances dos enfermeiros napë.

Certa vez, após ser fotografado exaustivamente em um evento na Universidade Federal de Roraima, Davi Kopenawa me disse que possuía proteções contra a captura de sua imagem pelas câmeras mundo afora. Horas depois, quando conversávamos sobre os filmes do cineasta indígena Morzaniel Yanomami, Kopenawa acrescentou que era chegada a hora de os Yanomami mostrarem suas imagens ao mundo: “se os brancos ficarem apenas assistindo filmes de brancos, eles continuarão a não respeitar a cultura Yanomami. Por isso é importante que os Yanomami também mostrem suas imagens e sua cultura”.

É nesse contexto de transformações nas concepções Yanomami das relações com as tecnologias e a medicina dos brancos que o filme de Otavio Cury se mostra fundamental para refletirmos sobre o eterno retorno do encontro, como afirma Ailton Krenak: “Se [nós, povos indígenas] continuarmos sendo vistos como os que estão para serem descobertos e virmos também as cidades e os grandes centros e as tecnologias que são desenvolvidas somente como alguma coisa que nos ameaça e que nos exclui, o encontro continua sendo protelado”.

“Como fotografei os Yanomami” é um poético relato de um encontro bem sucedido, de uma forma engajada de cooperação entre um cineasta não indígena e os saberes ancestrais do povo Yanomami.

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Confira trailer oficial: COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI – Trailer Oficial – YouTube 

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