Pesquisa do Cemaden indica que secas estão mais intensas no Acre e no Mato Grosso, enquanto precipitações aumentaram no coração da floresta.
As chuvas no sul da bacia amazônica diminuíram 18% nos últimos 50 anos. É o que revela um estudo feito por pesquisadores do Brasil, França e Peru, publicado na revista científica internacional Climate Dynamics. Segundo a pesquisa, chove mais na parte norte da bacia amazônica, especialmente entre março e maio. Já no sul da bacia, os dias secos aumentaram.
Segundo o coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Marengo, o período chuvoso na parte sul da bacia do rio Amazonas tem começado com mais de um mês de atraso. O levantamento analisou as condições de precipitação desde a década de 1970 nas porções brasileira, boliviana e peruana da Amazônia, englobando mais de 6 milhões de quilômetros quadrados. “Um dos números mais relevantes é que chove 18% menos no final da estação seca do que na comparação com a década de 1970”, ressalta Marengo, um dos autores do estudo.
“Isso interfere diretamente no clima, pois, com menos chuvas, os rios estão menos cheios e fornecem menos umidade para a atmosfera, levando a um prolongamento do período de estiagem. Na comparação com os anos 1970, as chuvas estão começando um mês e meio depois. Não podemos ignorar o possível papel das mudanças no uso da terra e nas variações de precipitações documentadas nas últimas décadas na América do Sul”, completa.
Por outro lado, o estudo observou a concentração de chuvas ao longo da porção norte da bacia, notadamente no coração da Amazônia e na foz do rio Amazonas. O total de precipitações nessa área é de até 3,5 mil milímetros por ano, enquanto no sul esse valor chega a, no máximo, 2 mil milímetros. Uma das explicações é o aquecimento do Oceano Atlântico Tropical.
“A temperatura mais elevada do oceano transporta a chuva mais para o norte da América do Sul e para a região próxima ao Caribe. As massas de ar se concentram nessa área e podem ser a causa desse aumento de precipitações verificadas no norte da bacia amazônica”, explica o pesquisador do Cemaden.
Risco aumentado
Por tudo isso, os extremos climáticos são mais intensos, ou seja, as secas são mais prolongadas, e as chuvas têm mais força. José Marengo alerta que essas condições expõem as populações dessas áreas a situações de risco de desastres naturais. Na parte sul, que tem estiagens mais longas, aumenta o risco de incêndios florestais, principalmente no Acre e no Mato Grosso, além de desabastecimento hídrico. Já na porção norte, populações ribeirinhas e de cidades como Manaus (AM) e Belém (PA) estão expostas a cheias mais intensas.
“O que observamos é que os extremos estão mais extremos, com o perdão da repetição. O período seco está muito mais intenso, levando à ocorrência de mais focos de incêndio na floresta e em situações de falta de disponibilidade de água para o consumo, como o que aconteceu no Acre em 2016, por exemplo. Ao longo do rio Amazonas, as populações ribeirinhas e das maiores cidades estão expostas às cheias, que podem causar prejuízos materiais e também afetam diretamente a rotina dessas pessoas.”
Trabalho transnacional
A pesquisa foi desenvolvida em parceria com os climatologistas Jhan Carlo Espinoza, do Instituto Geofísico do Peru (IGP), e Josyane Ronchail, do Laboratório de Oceanografia e do Clima da França. Para Marengo, o intercâmbio de informações é essencial para que se tenha uma ampla compreensão dos sistemas climáticos que atuam na Amazônia.
“Decidimos estudar o que acontece em toda a bacia, porque o que acontece em Manaus tem a ver com as nascentes dos rios amazônicos na Bolívia e no Peru. Com a cooperação internacional, estamos conseguindo envolver pesquisadores de todos os países que integram a bacia para termos uma compreensão mais abrangente do comportamento do clima ao longo da bacia e os impactos disso sobre as populações”, destacou Marengo.
FONTE: MCTIC – PUBLICADO POR: Edições – Jornal da Ciência (jornaldaciencia.org.br)