Estado é o único fora do Sistema Interligado Nacional. Apagões estão se tornando cada vez mais frequentes conforme escala a crise no país vizinho. 

Militares brasileiros patrulham fronteira do Brasil com a Venezuela, na cidade de Pacaraima em Roraima.
Militares brasileiros patrulham fronteira do Brasil com a Venezuela, na cidade de Pacaraima em Roraima. NACHO DOCE REUTERS

O Estado de Roraima, que atualmente enfrenta sérias dificuldades para lidar com um grande fluxo de imigrantes venezuelanos que entram diariamente pela sua fronteira, ganhou mais um ingrediente para agravar a crise. A Venezuela ameaça, nos próximos dias, cortar o fornecimento da energia elétrica ao Estado, o único fora do sistema interligado brasileiro, e que depende majoritariamente das importações vindas do país vizinho. O motivo seria a falta de pagamento de uma dívida de cerca de 33 milhões de dólares (135 milhões de reais) que a Eletrobras acumula com a estatal venezuelana Corpoelec pela compra de energia. O aviso sobre a possibilidade de corte, no início do mês de setembro, foi feito ao Governo brasileiro por meio de ofício encaminhado à Eletronorte (subsidiária da Eletrobras) em junho.

O não pagamento, entretanto, não é uma questão de falta de dinheiro. O Governo brasileiro afirma que os bancos brasileiros, como Banco do Brasil e Caixa, estão com dificuldades para processar a transferência do dinheiro do Brasil para a Venezuela, como revelou o jornal Valor Econômico.

O problema seria uma consequência dos embargos dos Estados Unidos ao país caribenho, já que as restrições impostas pelo Governo de Donald Trump impedem operações de bancos estrangeiros com a Venezuela. Segundo fontes do Ministério de Minas e Energia confirmaram ao EL PAÍS, os dois bancos centrais estão conversando para chegar a uma solução para fazer a transferência.

O ministro da pasta, Moreira Franco, chegou a justificar a demora da resolução da questão pela mudança de moeda pela qual a Venezuela passou recentemente. O chanceler Aloysio Nunes afirmou, nesta semana, que o Brasil negocia com Caracas e propôs um encontro de contas para resolver a situação. “Nós somos credores da Venezuela numa importância muito maior que esses 40 milhões de dólares”, disse Aloysio Nunes à agência France Presse.

Rotina de cortes de luz

Roraima vive atualmente uma rotina de interrupções constantes no fornecimento de energia e os apagões estão se tornando mais frequentes conforme escala a crise no país vizinho, que sofre com blecautes em algumas regiões. Durante os cinco dias em que esteve no Estado, a reportagem presenciou alguns momentos de falta de luz, inclusive no hospital de Pacaraima. Segundo a Eletrobras Distribuição Roraima, em 2017, foram registrados 33 desligamentos de energia, enquanto neste ano, até o mês de agosto, já foram 41. Todas os desligamentos registrados nos anos de 2017 e 2018 foram causadas pela Interligação Brasil/Venezuela.

A prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), afirma que a capital sofre uma média de três a quatro picos de luz por dia. “O Governo federal não olha para gente como deveria no sentido de melhorar nossa infraestrutura. Como vamos desenvolver um Estado sem energia? Com essa crise político-econômica na Venezuela, a transmissão de energia foi afetada e os apagões aqui pioraram muito”, disse a prefeita ao EL PAÍS. Ainda segundo Surita, os apagões são consequência da deficiência das linhas de Guri [na Venezuela], que faz que o Estado tenha uma energia tão instável. “Há anos lutamos por uma interligação com o sistema nacional, por uma questão que ninguém entende não pode passar uma linha de transmissão numa reserva indígena, mas passa uma estrada”, questiona.

Entre alguns cidadãos de Roraima também circula o temor de que a Venezuela corte de uma hora para outra a energia como represália ao ataque violento de alguns brasileiros, que destruíram acampamentos de venezuelanos na fronteira, no último dia 18. “Há essa ameaça latente de que a Venezuela corte a luz e a venda de gasolina caso ações de outros grupos anti-imigrantes triunfem. Sem energia e sem gasolina, Pacaraima vira uma cidade cadáver”, diz Jesús Fernández, padre da Paróquia da cidade fronteiriça de 12.000 habitantes. 

Com medo do Estado sofrer um apagão em setembro, a governadora Suely Campos (PP) protocolou, no início desta semana, ofícios em vários órgãos do Governo federal pedindo um posicionamento sobre o tema. “Caso ocorra o noticiado corte de energia será instalado um caos institucional em Roraima, inclusive com real risco de falência nos serviços públicos de saúde, agravando ainda mais a crise humanitária decorrente da imigração venezuelana”, escreveu Campos no documento, enviado também a Moreira Franco. O Governo garante que não há riscos de falta de energia em Roraima, já que, caso ocorra a interrupção, a Eletrobras teria condições de suprir a necessidade energética do Estado, ativando termelétricas. Atualmente, além de importar energia gerada na usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela, Roraima conta com quatro termelétricas movidas a óleo combustível em Boa Vista e uma em Pacaraima.

Essa alternativa mais poluente, no entanto, teria custos elevados. O megawatt/hora da energia produzida em termelétrica é muito mais caro que o gerado em hidrelétrica, por exemplo, que vem da Venezuela. “O Governo deve fazer o possível para manter este acordo com a Venezuela, porque é conveniente para os dois países financeiramente. Agora, na medida que esse impasse continue demorando a ser resolvido, o interesse do Brasil em interligar Roraima ao sistema elétrico brasileiro deve crescer”, explica o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A tarefa, entretanto, não é simples. O Estado fica no extremo Norte do país, onde além de ter um custo material grande para a obra, há grande dificuldade de licenças ambientais em reservas e terras indígenas.

Linhão Manaus-Boa Vista

A solução mais discutida para resolver a questão energética de Roraima é a construção de uma linha de transmissão que conectará Manaus a Boa Vista, no chamado linhão de Tucuruí, que poderia dispensar de forma definitiva o abastecimento por meio do país vizinho e integrar de vez o Estado no sistema interligado nacional. Previsto para ser construído desde 2011, o linhão tem previsão de pouco mais de 720 quilômetros (km), dos quais cerca de 123 km passam dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, onde vivem cerca de 1.600 índios, em 31 aldeias. As obras, agora com previsão de terminarem em 2020, precisam do aval dos índios, e o caso tramita no Supremo. Para tentar destravar o empreendimento, o Governo de Michel Temer autorizou na semana passada um licenciamento ambiental que não adentram a área indígena.

“Nós invertemos o licenciamento agora, vamos fazer o licenciamento da área não indígena, então a obra pode começar. Nós temos 600 km de área não indígena, podemos fazer tudo e até lá negociar o restante. O Estado não vai ficar sem energia, nós vamos construir o linhão, vai ser questão de dois anos”, afirmou ao EL PAÍS, o senador Romero Jucá, que representa o Estado, um dia antes de abandonar a liderança do Governo no Senado alegando discordar da política de Temer para a crise humanitária vivida por Roraima – candidato à reeleição, Jucá aparece embolado na disputa pelo Senado, sem vitória garantida. Segundo o senador, o papel da Venezuela no fornecimento é importante porque diminui o problema de geração, mas o Estado consegue ativar as termelétricas para suprir um corte da Venezuela. “Podemos gerar tudo com motor, mas será uma infinita carreata de caminhão trazendo óleo”, diz.

FONTE: El País  São Paulo

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/29/politica/1535564705_484356.html

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