“Está se encerrando um ciclo de luto. As famílias já estão, finalmente, encerrando esse luto. Esse tronco aqui representa minha prima que faleceu, esse aqui é do tio do meu pai…. e esse aqui é do pajé [Sapain]”. Dessa forma, Pablo Kamaiurá explica a tradição do Kuarup.
Foto postada em: FUNAI
O ritual fúnebre foi realizado no último fim de semana (28 e 29), na aldeia Ipawu Kamaiurá, localizada no Xingu (MT). Participaram mais de 900 indígenas, além de outros convidados.
O Kuarup ocorre sempre um ano após a morte dos parentes indígenas. Os troncos de madeira representam cada homenageado. Eles são colocados no centro do pátio da aldeia, ornamentados, como ponto principal de todo o ritual. Em torno deles, a família faz uma homenagem aos mortos. Passam a noite toda acordados, chorando e rezando pelos seus familiares que se foram. E é assim, com rezas e muito choro, que se despedem, pela última vez.
De acordo com a tradição, os convidados que vêm de outras comunidades e acampam nas proximidades da aldeia Kamayurá recebem, das famílias que estão de luto, presentes como peixe e beiju. “No total, são 8 etnias que estão presentes aqui. Dentre elas, o anfitrião Kamayurá, e os convidados Kuikuro, Mehinako, Kalapalo, Matipu, Waurá, Kaiabi e Aweti”, afirma Pablo Kamaiurá.
Kumaré Txicão, Coordenador Regional do Xingu, também esteve compareceu ao evento ajudando na organização e recepção dos presentes. Para Kumaré, “os pajés, familiares e convidados devem estar tranquilos para que possam expressar sua homenagem aos familiares mortos.”
Foto postada em: FUNAI
O rito de passagem das meninas que iniciam a vida adulta também faz parte do ritual. Antes do Kuarup, elas ficam reclusas em casa por um ano, período de reflexão que encerra a puberdade.
No segundo dia, começa a luta chamada Huka Huka. Os guerreiros, anfitriões do ritual, junto com os convidados, passam a noite anterior em claro, se preparando, se arranhando com dente de um peixe da espécie “cachorro”, passando ervas em toda pele, e pintando seus corpos e cabelo com jenipapo e urucum. Tudo isso com um objetivo: enfrentar seus adversários e, assim, ganhar a luta.
Foto postada em: FUNAI
Durante o Huka Huka, os guerreiros jovens se enfrentam. O objetivo é tocar a coxa do adversário ou derrubá-lo segurando a sua perna. Quem conseguir isso primeiro ganha. Ao final da luta, os ornamentos colocados nos troncos são retirados e entregues às famílias dos mortos homenageados. Em seguida, os troncos são atirados na Lagoa Ipavu, para que a alma deles seja liberta.
O Cacique Aritana Yawalapiti, reconhecido por todos os lutadores como um dos maiores guerreiros do Huka Huka, conduziu as apresentações. Era nítida em seu semblante a saudade do tempo em que participava ativamente das lutas. Hoje, com 65 anos, ele é o responsável por ordenar o início delas. “Eles me consideram como lutador e como cacique também. Meus antepassados faziam isso. Quando meus tios e meu pai se foram, eu passei a representar”, afirma o Cacique.
O período de festejo também foi uma oportunidade para que assuntos voltados aos interesses indígenas fossem, paralelamente, tratados. Esteve presente, na ocasião, Rogério Cunha, Coordenador de Programas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que atua, junto à Funai e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na operação Ianumaka, atividade que visa a manter a segurança de indígenas do Xingu contra ataques de onças-pintadas.
Foto postada em: FUNAI
Cunha, que anteriormente já havia instalado armadilhas fotográficas como parte do procedimento da operação, recolheu as imagens e prepara o material para dar início às análises. “Nós vamos verificar as câmeras para ver se há riscos de acidente, inclusive nas regiões onde serão realizados os próximos Kuarup. Nosso plano com a operação como um todo é fazer com que as armadilhas fiquem instaladas por três meses. A partir daí, verificaremos se existe necessidade de capturar alguma onça que esteja colocando a população indígena em risco”, explicou o analista ambiental.
Kotoc Kamaiurá, cacique geral da aldeia, explicou que a realização do ritual sagrado mantém viva a cultura e a tradição de seu povo. “O Kuarup não pode acabar nunca e deve passar de pai para filho”, afirmou.
Após vários anos sem acompanhar de perto o ritual, a Presidência da Funai se fez presente no evento. Wallace Bastos pôde conferir a hospitalidade xinguana e a riqueza cultural de seus ritos fúnebres. Bastos reafirmou o que foi dito pelo Cacique Kotoc: “Tudo que eu presenciei aqui foi maravilhoso! Fomos muito bem recebidos e foi uma honra poder participar do ritual. Temos que trabalhar muito no sentido de respeitar e preservar essa cultura, não deixando que ela se perca jamais.”, afirmou.
Confira abaixo as datas dos próximos Kuarup:
4 a 5/8 – Aldeia Afukuci/Kuikuro
11 e 12/8 – Pyiulaga/Waurá
14 a 15/8 – Aldeia Paraíso/Kalapalo
25 a 26/8 – Aldeia Ipátse/Kuikuro
8 a 9/9 – Aldeia Ulupuene/Waurá
Foto postada em: FUNAI
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