Os Waimiri Atroari lançam publicação que aponta passo a passo para consulta antes da aprovação de qualquer projeto que afete suas terras.
Os kinja, também conhecidos por Waimiri Atroari,, acabam de passar para o papel regras que há muito tempo circulavam oralmente. Foi publicado o Protocolo de Consulta ao povo Waimiri Atroari, que estabelece os procedimentos sobre como esse povo deve ser consultado antes da aprovação de qualquer projeto que tenha impacto sobre as suas terras ou que afete seus direitos. Baixe aqui o PDF da publicação.
A Terra Indígena Waimiri Atroari fica na divisa entre os Estados de Amazonas e de Roraima. A história desse povo – e de seu contato com os não índios (kaminja, na língua kinja iara) – é marcada por violações aos seus direitos. Agora, eles exigem que sua voz seja respeitada.
O documento está disponível em português e na língua kinja iara. Segundo Ewepe Marcelo Atroari, 46, do povo Waimiri Atroari, a publicação coloca por escrito para os kaminja regras estabelecidas há muito tempo em sua terra..
“A gente viu que o governo não estava respeitando os nossos direitos. Não foi a primeira vez. Aconteceu várias vezes: projetos do governo que não respeitam os nossos direitos, a nossa terra”, afirma Marcelo Atroari. “ Então pensamos em fazer o protocolo para que o nosso direito seja respeitado”, diz ele.
Há 50 anos, o governo militar construiu, na marra, uma rodovia que corta a TI, a BR 174. As consequências para os kinja foram desastrosas. A partir desse momento, eles foram vítimas de um verdadeiro processo de genocídio, promovido pela ditadura militar. No início dos anos 1970, a população contava com mais de três mil pessoas e, em 1983, o número era de apenas 350 indivíduos. No início dos anos 1980, a mineradora Paranapanema adentrou a TI, contaminando seus rios e o governo iniciou a construção da hidrelétrica de Balbina, que inundou 234 mil hectares do território dos Waimiri Atroari, transformando a mata em um cemitério de árvores (veja na linha do tempo abaixo).
“Todo empreendimento modifica a paisagem, o meio ambiente e a fauna. Por isso eles têm de ouvir o nosso lado”, afirma Marcelo Atroari. “O mais importante é que decidimos o seguinte: para que futuramente os nossos filhos e netos não sofram com a pressão política e o governo, tem que ser feito o protocolo para que sempre seja respeitado”, explica a liderança.“Na terra onde nascemos, será que não temos direito?”.
Mesmo vítimas de tantas atrocidades e tendo a integridade de seu território sido gravemente afetada, os kinja dão um belo um exemplo de gestão territorial ambiental: expedições de fiscalização comunitárias e autogeridas impedem estabelecimento de invasores e uso indevido de recursos. Inclusive são eles os responsáveis pelo monitoramento de atropelamento de fauna no trecho da BR-174 que corta suas terra e que aponta a impacto da estrada: entre 1997 e 2016, 9.837 animais morreram atropelados.
No protocolo, os Waimiri Atroari lembram que todo o processo é respaldado pela Constituição Federal, nos artigos 231 e 232. E também pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito de consulta aos povos tradicionais cada vez que “sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
O protocolo é especialmente pertinente porque um linhão de transmissão de energia, atravessando a TI Waimiri Atroari, está nos planos do governo federal. A linha está planejada para interligarManaus (AM) a Boa Vista (RR). Por enquanto, o empreendimento foi barrado pela Justiça – justamente porque faltava a consulta ao povo Waimiri Atroari. Mas a batalha jurídica e política continua. Em junho, deputados favoráveis ao linhão tentaram aprová-lo em um “contrabando legislativo” – no meio do texto de uma Medida Provisória que falava sobre a questão dos refugiados venezuelanos (leia aqui). Após intensa mobilização, o texto foi suprimido da MP.
Como os Waimiri Atroari devem ser consultados
O protocolo aponta que toda obra ou empreendimento que o governo ou outro particular quiser fazer nas terras Waimiri Atroari deve seguir alguns procedimentos. O primeiro deles é o de não subestimar o entendimento dos kinja sobre qualquer assunto. “Queremos clareza e transparência. O governo não pode esconder nada, nenhuma informação”, aponta o documento.
Outro ponto estabelecido é que os kinja querem entender todos os impactos e riscos sobre a terra, a gente, a identidade, a floresta e os animais. Todas as informações devem ser colocadas de forma simples, clara e sem pressa. Sempre com um intérprete para tradução à língua kinja iara. Além disso, o governo deve explicar o porquê de tal empreendimento. “Porque tem de ser feito dentro de nossa terra?”, questionam no documento.
A consulta deve ser feita com a presença de todas as lideranças Waimiri Atroari, da Fundação Nacional do ìndio (Funai) de Brasília, do Ministério Público Federal (MPF), da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA) e do Programa Waimiri Atroari (PWA). Além disso, todas as reuniões devem ser registradas em atas, com áudio e vídeo. E somente o povo Waimiri Atroari pode fazer o registro nessas mídias.
O governo deve informar os Waimiri Atroari, por meio da Funai. A primeira reunião será marcada preferencialmente na TI Waimiri Atroari, e terá caráter informativo. Os recursos para a reunião deverão ser bancados pelo governo ou interessados no empreendimento.
Após essa primeira reunião, os Waimiri Atroari realizarão reuniões internas nas aldeias e depois uma reunião geral. Todas as decisões dos Waimiri Atroari são tomadas por consenso, ou seja: todos devem concordar com o assunto em pauta. Após todas essas reuniões, um Plano de Consulta será elaborado e encaminhado ao órgão do governo interessado, à Funai e ao MPF. Só então é marcada uma nova reunião com os interessado para encaminhar os entendimentos. “Os interessados devem respeitar nossas decisões”, aponta o documento.
Saiba mais sobre os Waimiri Atroari na publicação editada por eles mesmos em parceria com o ISA: ‘Waimiri Atroari: divulgando nossa história’.
FONTE: amazonia.org.br – http://amazonia.org.br/2018/08/como-consultar-os-waimiri-atroari-povo-indigena-estabelece-protocolo-para-obras-em-suas-terras/ (disponível em agosto/2018)
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