O presidente Michel Temer anunciou nesta quinta-feira, 9, que o País conseguiu, três anos antes, cumprir sua meta voluntária de redução de emissões de gases de efeito estufa prevista para 2020. O feito, segundo o governo, se deu em virtude da redução, entre 2016 e 2017, do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Especialistas que trabalham com estimativas de emissões, porém, questionam o dado.
O cálculo se refere a um compromisso assumido pelo Brasil em 2009, no âmbito da Conferência do Clima de Copenhague, e que se traduziu internamente em lei com o decreto que estabeleceu a Política Nacional de Mudança do Clima.
Pela proposta apresentada à Convenção do Clima, o Brasil fez uma projeção de quanto estariam as suas emissões de gases de efeito estufa (que causam o aquecimento global) em 2020 se nenhuma medida fosse tomada para contê-las; e quanto seria possível reduzi-las, numa comparação com valores médios observados entre 1996 e 2005. A meta estabelecida foi chegar a 2020 com uma redução de 36,1% a 38,9% em relação ao projetado para aquele ano.
A principal maneira de alcançar isso, propôs o governo, foi reduzir o desmatamento. Se não houvesse nenhum tipo de ação de mitigação, a estimativa brasileira é que a perda da Amazônia, por exemplo, poderia enviar para a atmosfera 947,6 milhões de toneladas de CO2 em 2020.
O anúncio desta quinta, feito durante reunião do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, se baseia nas taxas de derrubada da floresta e do Cerrado observadas em 2016 e 2017 (biênio que teve uma queda em relação ao anterior). O Ministério do Meio Ambiente calculou quanto foi emitido de CO2 nesses dois anos, extraiu do valor projetado para 2020 e chegou à conclusão de que a meta já foi alcançada.
“O compromisso era chegar ao ano de 2020 com uma redução de 668 milhões de toneladas de CO2 somente com ações de redução do desmatamento nos dois biomas. Antes disso, no entanto, o País já conseguir reduzir, em 2017, o total de 781 milhões de toneladas de CO2”, escreveu o MMA em nota enviada com exclusividade ao Estado.
Dúvida
Na proposta do Brasil enviada em 2009 à Convenção do Clima, porém, o governo apontava que para chegar à meta de redução de emissões, a principal ação seria diminuir o desmatamento da Amazônia em 80% em relação à média de 1996 a 2005. Isso significaria chegar a uma taxa anual de 3,9 mil km² em 2020. As taxas atuais estão bem acima disso. Entre agosto de 2016 e julho de 2017, por exemplo, foram perdidos 6.947 km².
Questionado sobre como foi possível alcançar a meta de emissões sem ter atingido a meta de desmatamento, o secretário de Mudança do Clima e Florestas do MMA, Thiago Mendes, disse que o compromisso internacional foi com a redução das emissões. “O resultado da redução do desmatamento foi superior do que foi planejado.”
Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, que coordena o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima (OC) – e que era membro do governo em 2009 –, o valor que importa é a meta de redução de 80% no desmatamento, que não foi alcançada.
O Seeg, que estima as emissões do País em um cálculo paralelo ao feito pelo governo, traz um resultado diferente – as metas de 2020 não deverão ser cumpridas se o desmatamento continuar no patamar atual.
Ele afirma também que, usando os parâmetros do decreto que regulamentou as metas das Política Nacional de Mudança do Clima, a redução de 80% do desmatamento na Amazonia e 40% no Cerrado em relação a média de 1996-2005 resultariam em uma emissão máxima de 383 milhões de toneladas de CO2 (189 na Amazonia e 194 Cerrado). “É muito abaixo do que foi emitido por este dois biomas tanto em 2016 (522) como 2017 (489) segundo os cálculos do MMA”, argumenta.
“Esse anúncio pode parecer uma grande notícia, mas mascara uma situação real, que é de o desmatamento ainda estar altíssimo – 78% acima do que é a meta colocada para 2020. E não dá para dizer, três anos antes, que a meta foi alcançada, porque esse quadro pode mudar nos próximos anos. Entre 2014 e 2016, por exemplo, a taxa subiu 57,5%. Depois caiu um pouco, mas nada garante que não vai subir novamente”, afirma Carlos Rittl, secretário executivo do OC.
Remoções
Ao valor de emissões evitadas com a redução do desmatamento, o governo somou ainda o que pode ter sido absorvido de CO2 da atmosfera com florestas protegidas na forma de terras indígenas, unidades de conservação e terras privadas no formato de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente (APP) – porções de propriedades que têm de ser preservadas de acordo com o Código Florestal. Isso tudo teria levado a uma redução de emissão mais remoção de cerca de 2,6 bilhões de toneladas de gás carbônico, um pouco mais do que o País inteiro emitiu em 2016.
Tecnicamente, qualquer planta, em seu processo de fotossíntese, absorve o gás. E a Convenção do Clima aceita, nos inventários feitos pelos países, que isso de algum modo entre na conta. O Brasil calculou, em seus dois últimos inventários de emissões, esse papel desempenhado somente pelas florestas que contam com uma proteção governamental, como é o caso das unidades de conservação e das terras indígenas.
Agora, para a apresentação dos dados nesta quinta, foram incluídas na conta as reservas legais e APPs. Para Mendes, isso faz sentido porque, com o Código Florestal, e em especial com o Cadastro Ambiental Rural, ferramenta por meio da qual o proprietário declara quanto tem de área florestada em sua propriedade, foi possível instituir um “efetivo sistema de gestão territorial”. Por haver um controle sobre essas terras, agora seria possível contabilizar suas remoções, assim como feito com UCs e TIs, defende o secretário
Azevedo também questiona essa inclusão nos cálculos. “Os dados de remoções foram contabilizados como adicionais, mas não são. Para isso, deveriam ser incluídas somente apenas as UCs e TI criadas/demarcadas depois de 2005. A inclusão das áreas de APP e Reserva Legal incluídas no CAR não faz sentido porque essas áreas já existiam antes de serem registradas no CAR”, diz. A obrigação de proteger essas terras é muito anterior à reforma do Código Florestal, de 2012.
Ou seja, se o proprietário estava cumprindo com sua obrigação, essas áreas verdes já desempenhavam o papel de remoção antes de entrarem no CAR. “Fora o fato de que o novo Código Florestal reduziu o percentual de áreas protegidas pela lei”, afirma.
Mendes respondeu que sem o CAR não seria possível garantir essas áreas protegidas e por isso faz sentido incluí-las na conta agora.
por Giovana Girardi | O Estado de S.Paulo
(Foto da chamada: Reprodução/Tiago Queiroz/Estadão)
* Publicado em: Estadão
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