Oficialmente em contato, por iniciativa própria, desde 2014, conheceram a cidade de Feijó/AC, município em que está localiza a terra indígena em que habitam (Kampa e Isolados do Rio Envira), em agosto de 2017, e agora, com apoio da Coordenação de Frente de Proteção Etnoambiental (CFPE) Envira, visitaram a capital do país e a sede da Funai.
Marcus Boni e Lucas Viana, servidores da CFPE Envira, acompanharam Huwainuno, Kada, Txirimako, Xina e Hainu durante toda experiência. Boni, atual chefe da Base de Proteção Etnoambiental (BAPE) Xinane, explicou que, diante da demanda dos indígenas para conhecer esses novos espaços, a Funai tem se preparado para atendê-los, primando pelo cuidado que as experiências exigem. “A gente tem feito um trabalho educativo para que eles entendam como funciona a nossa sociedade e também contamos com o apoio da equipe da Sesai para o atendimento à saúde lá na Base. Agora que eles estão conhecendo a cidade, a gente tem esse cuidado para que não levem doenças para a comunidade deles”, comentou o indigenista.
Viana acrescentou que a curiosidade dos jovens do povo do Xinane pelos centros urbanos levaram à iniciativa da Funai em promover uma espécie de intercâmbio para que, de forma segura, possam conhecer o mundo dos “dawa”, termo que utilizam para se referirem aos não indígenas.
Os jovens conheceram o presidente da Funai e servidores das coordenações-gerais da Diretoria de Proteção Territorial e da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável. Na cidade, visitaram os principais locais que representam ou simbolizam as instituições do mundo dos “dawa”.
Contato
Atualmente, o Povo do Xinane é composto de 36 pessoas, que vivem em suas próprias moradias nas proximidades da BAPE Xinane, onde recebem atendimento da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e impera um clima harmonioso de aprendizado constante e descobertas.
O contato com o Povo do Xinane ocorreu no final de junho de 2014 por total iniciativa dos próprios indígenas. Primeiramente, contataram índios Ashaninka na aldeia Simpatia da Terra Indígena (T.I.) Kampa e Isolados do Rio Envira. Em seguida, a Funai foi acionada e, em conjunto com a Sesai, começou a desenvolver ações de proteção e promoção dos direitos para o Povo do Xinane.
Até o momento, esse povo não apresentou uma autodenominação que possa ser conclusiva, por isso convencionou-se chamá-los de “Povo de Recente Contato do Xinane” ou simplesmente “Povo do Xinane”, sendo esta uma referência de sua localização geográfica e não uma denominação de seu grupo étnico. Há, também, uma tendência dos grupos locais Pano de divisão e reagrupamento, onde lhes são atribuídos novos nomes. Sendo assim, para evitar possíveis equívocos, decidiu-se pela referência a eles como “povo indígena de recente contato do Xinane”.
Desde o estabelecimento do contato, a Funai, especificamente a Coordenação de Frente de Proteção Etnoambiental (CFPE) Envira, tem construído uma relação harmoniosa e condizente com as diretrizes constitucionais de respeito à autonomia e à autodeterminação do “Povo do Xinane”, por meio de ações que minimizem os impactos do contato, bem como garantam a integridade física e territorial deste povo, sempre interferindo o mínimo possível em seu modo de vida tradicional.
Teve início, também, a reestruturação física da Base de Proteção Etnoambiental (BAPE) Xinane, com o objetivo de estabelecer diversos processos de apoio à subsistência e habitação mais adequados para o grupo de indígenas, seguindo padrões de sustentabilidade para a construção de um ambiente sadio e harmonioso. Para tanto, a CFPE Envira estabeleceu como prioridades as seguintes ações: a) diagnóstico sociocultural e das relações de parentesco e de afinidade; b) ações visando à segurança, autonomia alimentar e o estabelecimento de moradias tradicionais; c) monitoramento do atendimento à saúde e d) capacitação da equipe da CFPE Envira.
Intercâmbios e novas experiências
A interação deste povo de recente contato com os povos Ashaninka, Shanenawa, Jaminawa, dentre outros e com as equipes da FUNAI lhes desperta o interesse por conhecer novos locais.
Desde agosto de 2017, alguns indígenas do Povo do Xinane, especificamente alguns jovens do sexo masculino decidiram deslocar-se à cidade de Feijó/AC para conhecer onde e como os não indígenas vivem. Embora a CFPE tenha realizado um trabalho prévio de sensibilização e de esclarecimento sobre os riscos da viagem, sobretudo os epidemiológicos, o grupo decidiu seguir viagem utilizando-se de canoas próprias, com a ajuda de remos e varas percorrendo uma distância de 519 km em uma semana.
A CFPE Envira deslocou servidores para recebê-los e para realizar um intercâmbio, a fim de minimizar os impactos destes novos contatos que por ventura poderiam vir a ocorrer. Nesta linha, promoveu ações educativas, como visitas aos comércios locais para explicar o funcionamento das relações econômicas da cidade, bem como a outras instituições envolvidas nas relações sociais dos centros urbanos como escolas, aterro sanitário, delegacia, mostrando um pouco da dinâmica urbana.
Posteriormente, em ações planejadas pela CFPE Envira e principalmente atendendo à demanda de alguns indígenas do Povo do Xinane, houve novos intercâmbios, como visitas aos municípios de Rio Branco e Cruzeiro do Sul, bem como a participação na Conferência das Organizações Indígenas, realizada na TI Puyanawa.
Todas as ações executadas pela equipe foram baseadas em processos educativos e de sensibilização em relação aos riscos dos centros urbanos para um povo de recente contato.
O “Povo do Xinane” guarda profundas semelhanças culturais com os Yaminahua peruanos, os Chitonawa e os Mastanahua. Tais povos são conhecidos por interesse nas tecnologias dos “nawa” (não indígenas), como por exemplo, terçados, roupas, cachorros, motores para embarcações e etc. Nesta linha, estes deslocamentos fazem parte da própria dinâmica cultural deste povo, bastante afeitos às trocas de mercadorias e interessados em cultivar relações sociais e econômicas com as comunidades da calha do Rio Envira.
Além destes elementos de ordem cultural, outro fator bastante relevante é o perfil dos indígenas que se deslocam com mais frequência. São exatamente jovens do sexo masculino que não possuem perspectivas de terem esposas dentro de seu próprio grupo, já que todas as mulheres do Povo do Xinane já estão casadas ou não podem se casar devido às regras de parentesco próprias de sua cultura.
Estratégias de comunicação
A comunicação com o Povo do Xinane é um grande desafio para a execução dos trabalhos da CFPE, tendo sido executada inicialmente com apoio de intérpretes indígenas das etnias Jaminawa e Shanenawa, ambas pertencentes à família linguística Pano, a mesmo do Povo do Xinane.
Mesmo com a intermediação dos intérpretes, os servidores se deparam com a complexidade que envolve explicação e compreensão de questões como a disponibilização de recursos por parte do Governo Federal, processos burocráticos necessários à aquisição de bens para atender as demandas coletivas, relações econômicas e outras.
Os intérpretes Jaminawa desempenharam um papel importante no atendimento à saúde, bem como em todo o processo de intermediação entre a FUNAI e o “Povo do Xinane” desde junho de 2014 à dezembro de 2017. Além deles, intérpretes da etnia Shanenawa, povo que vive na mesma calha do Rio Envira, passaram a participar dos trabalhos durante o ano de 2017.
Após a fase inicial do contato, avaliou-se que era necessário adotar outras estratégias para que os próprios servidores aprendessem a língua, possibilitando uma comunicação direta com os indígenas, fortalecendo sua autonomia e protagonismo. Desta maneira, a partir do ano de 2018, a Funai optou por atuar junto ao “Povo do Xinane” sem a presença permanente dos intérpretes.
Foi iniciada, então, a implementação do Projeto Salvaguarda do Patrimônio Lingüístico e Cultural do Povo do Xinane (UNESCO/Museu do Índio). Criado no intuito de auxiliar o aprendizado da língua do Povo do Xinane pelos servidores, o projeto foi desenvolvido com a participação de uma linguista especializada em línguas Pano, Lívia Camargo Souza, e resultará na elaboração de um dicionário multimídia, formado a partir de sessões de elicitação com o Povo do Xinane.
O Projeto Proteção Etnoambiental de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Amazônia Brasileira (Fundo Amazônia) também vem somando para a capacitação da equipe de servidores. Já foram realizadas duas capacitações na área de Antropologia com a especialista Laura Perez Gil (UFPR).
O primeiro módulo ocorreu na cidade de Rio Branco (AC) entre os dias 23 a 27 de outubro de 2017, contando com a participação dos servidores da CFPE Envira e de professores da Universidade Federal do Acre (UFAC) e o segundo módulo ocorreu na BAPE Xinane, com servidores de campo da CFPE Envira, a equipe de saúde da SESAI, colaboradores de campo e lideranças indígenas que compartilham o território com os índios isolados e atualmente também com o povo do Xinane.
Foram tratados os conceitos básicos da antropologia e da organização social e cultural de alguns povos Pano como forma de auxiliar aos servidores para desenvolver um olhar antropológico sobre o trabalho executado pela FPEE. Além disso, foram abordados os aspectos mais característicos da organização social e política de alguns povos Pano.
Os indígenas de recente contato participaram massiva e intensamente do curso, promovendo interações com a consultora, servidores e demais atores presentes e fizeram inúmeras intervenções sobre sua cultura e história para a equipe de servidores.
O processo de capacitação da equipe da CFPE Envira tem sido exitoso. Parte dos servidores que atuam diretamente com os indígenas já adquiriu fluência da língua, promovendo gradativamente um atendimento mais qualificado ao Povo do Xinane.
Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e Assessoria de Comunicação (Ascom)
Foto: CFPE Envira/Funai
FONTE: FUNAI
Deixe um comentário