O movimento indígena na Colômbia chegou a um acordo com o governo do presidente Juan Manuel Santos para a assinatura do decreto de proteção para povos indígenas isolados. Na última terça-feira (17) o decreto n° 1232 de 2018 foi publicado. A publicação consolida um processo de consulta inédito, iniciado em 2013, com a participação direta de lideranças e organizações indígenas.
Através do decreto, o governo colombiano reconhece o direito dos indígenas de permanecer na condição de isolamento, sem contato com o restante da sociedade, através da proibição de qualquer intervenção direta ou indireta nos territórios onde se encontram esses povos.
“O decreto significa que o Estado colombiano agora tem o dever de dar a esses povos e seus territórios a proteção especial da intangibilidade, que proíbe qualquer tipo de intervenção ou ingresso de pessoa natural ou jurídica”, explica Robinson Lopez Descanse, coordenador de direitos humanos e paz da OPIAC.
Robinson explica que o decreto deve ainda adiantar os processos de investigação dos indícios de existência de outros povos isolados ainda não confirmados e que, através do registro dos processos de investigação, o Estado já deve adotar medidas de prevenção e proteção com a finalidade de evitar danos e afetações aos isolados antes que seus territórios sejam declarados intangíveis. O decreto favorece ainda, que as investigações não sejam invasivas e contem com a participação dos povos indígenas que vivem no entorno das áreas com indício de presença de isolados.
“É uma conquista muito importante do movimento indígena da Colômbia que sempre trouxe a pauta dos povos isolados como bandeira de luta, exatamente pelo não reconhecimento do Estado da existência desses povos”, comemora Angela Katxuyana, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). “No Brasil, quando se fala de política de isolados, de mecanismos de proteção, esses temas sempre foram tratado de forma fechada pelo Estado”, completa.
Atualmente o Estado colombiano reconhece a existência de dois povos indígenas em isolamento, ambos localizados no Parque Nacional Natural Rio Pure e considera relevantes as informações sobre mais outros 15 povos com indícios ainda não confirmados.
Em nota, a Amazon Conservation Team (ACT) da Colômbia também comentou a assinatura do decreto. A organização da sociedade civil aliada do movimento indígena ressaltou as iniciativas autônomas formadas a partir de uma aliança que envolvia diferentes atores.
“Desde que se confirmou a existência de dois povos isolados em 2010, organizações indígenas, a sociedade civil e Parques Nacionais estabeleceram uma aliança para proteger os territórios desses povos. Por meio do trabalho conjunto, foram estabelecidas estratégias de proteção territorial que incluem ações preventivas de educação ambiental e também ações de controle e vigilância nos limites dos territórios”, diz a nota.
A partir de uma exigência do movimento indígena, o governo colombiano pretende estabelecer medidas para a proteção desses territórios através da criação do Sistema Nacional de Prevenção e Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas em Isolamento ou Estado Natural. De acordo com o texto, o sistema nacional será composto por uma comissão nacional e por comitês locais. A comissão nacional será formada por delegados das comunidades indígenas que vivem no entorno dos territórios dos povos isolados, por membros indígenas das mesas de diálogo formadas durante o processo de consulta e por representantes de diferentes órgãos de governo. Da mesma forma, os comitês locais serão formados por representantes indígenas e pelos órgãos de governo locais.
Com a assinatura do decreto, as medidas de prevenção que deverão ser adotadas abrem uma oportunidade de fortalecimento dos serviços básicos, como saúde e educação, oferecidos aos demais povos indígenas na Colômbia. A ideia é que se os povos indígenas que vivem no entorno das áreas com presença de povos isolados contam com uma infraestrutura adequada, diminui a vulnerabilidade dos indígenas não contatados.
“Isso é muito importante porque a grande maioria dos povos indígenas da Amazônia colombiana não conta com postos de saúde, nem sistemas eficazes de medicina preventiva ou paliativa. Também não contam com programas de educação para o fortalecimento cultural e proteção de seus territórios”, comenta Robinson Lopez.
Consulta
A forma inédita de construção da política pública, com a participação dos povos indígenas em todas as etapas do processo, foi uma conquista das diversas organizações indígenas envolvidas. Através de suas organizações nacionais, os povos indígenas da Colômbia conseguiram incluir no Plano Nacional de Desenvolvimento do país a construção de uma política pública e um marco normativo para a proteção dos direitos dos povos indígenas isolados. Em longo período de diálogos, organizações indígenas e governo desenharam como seria o processo de consulta para formulação da lei.
Em 2013 esse processo tem início com oficinas realizadas nas comunidades do entorno das áreas com indícios de presença de índios isolados. Após uma revisão das diretrizes do processo de consulta, em 2015, movimento indígena e governo entram em acordo para a realização de dez reuniões de consulta prévia com as comunidades do entorno em toda a Amazônia.
“Foram formados comitês locais para desenhar as medidas de prevenção, proteção e contingência, emitir alertas diante de diferentes níveis de risco e, de acordo com o contexto local, ativar a resposta governamental”, completa Robinson Lopez.
As consultas privilegiaram as dinâmicas indígenas, dando voz aos anciãos e às lideranças das comunidades e das diversas associações indígenas locais. Quando o governo finalmente apresentou uma proposta de decreto, o movimento indígena levou novamente para revisão nos espaços com participação de delegados indígenas. O decreto assinado por Juan Manuel Santos, mais do que uma política de Estado, é o resultado do empenho e da participação dos povos indígenas da Colômbia.
Alianças
A experiência do movimento indígena da Colômbia também tem sido discutida com os parceiros de outros países de abrangência da bacia amazônica. Como forma de fortalecer as iniciativas de intercâmbio de experiências do movimento indígena de diversos países, nos últimos dois anos o Centro de Trabalho Indigenista, em parceria com a COIAB, organizou o Encontro Internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.
“Temos fortalecido cada vez mais nossas alianças internacionais para discutirmos nossas experiências e a partir daí fortalecer as políticas de proteção desses povos que escolheram viver longe dos espaços em que a gente convive”, diz Angela Katxuyana.
Os dois encontros realizados por CTI e COIAB contaram com a presença de lideranças indígenas dos diversos países de abrangência da bacia amazônica e do Gran Chaco.
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