Lideranças e representantes do povo Matsés divulgaram um documento no qual chamam atenção para a atual situação em seu território no Brasil e no Peru. O documento foi elaborado durante a VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, realizada na aldeia Lobo, Terra Indígena Vale do Javari (AM) entre os dias 8 e 10 de junho. O texto traz denúncias em temas que afetam a integridade territorial e o bem-estar do povo Matsés, como a política adotada pelos governos nos dois países, as atividades de exploração de hidrocarbonetos, a proteção dos povos indígenas isolados e a necessidade de políticas de vigilância territorial. Confira aqui a íntegra do Documento Final da VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru (o documento também está disponível em castelhano).
Principal pauta do encontro binacional, que acontece desde 2009, os Matsés voltaram a repudiar qualquer atividade de pesquisa e exploração de petróleo e gás dentro de suas terras, o que inclui áreas da Terra Indígena Vale do Javari, no Brasil e da Reserva Nacional Matsés, da Comunidad Nativa Matsés, da proposta de Reserva Indígena Yavarí-Tapiche e do Parque Nacional Sierra del Divisor, todos no Peru. As lideranças exigem do governo peruano o cancelamento definitivo dos lotes petroleiros 135 e 137, que causariam impactos no território Matsés.
“Já estamos falando há 10 anos desses problemas e alertando que ia chegar alguma coisa na nossa comunidade aqui, um problema sobre o petróleo, sobre o madeireiro e outros que podem nos afetar também futuramente”, fala André Mayuruna, Presidente da Organização Geral Mayuruna (OGM) sobre a importância do encontro.
Desde o início de sua articulação binacional, os Matsés tiveram como pauta prioritária a preocupação das comunidades com a retomada da exploração petrolífera em seus territórios, conseguindo importantes vitórias contra a atuação de empresas petrolíferas na região.
“A Binacional é uma fortaleza muito grande do povo Matsés, suas declarações chegam ao governo peruano e suas autoridades através dos dirigentes indígenas e do CTI, que sempre se preocuparam em fazer chegar essas demandas, acordos e propostas da Binacional. Em grande medida a devolução do contrato do lote 137 foi resultado da oposição do povo Matsés, por que claramente nos relatórios da PeruPetro se fala de devolução dos lotes por força maior, por conflitos sociais”, comenta Beatriz Huertas, antropóloga consultora de diversas organizações indígenas do Peru.
A preocupação com o território se estende para o tema dos povos indígenas isolados que vivem na região. Recentemente o Estado peruano reconheceu a presença desses povos, falta ainda levar a cabo o processo de categorização da Reserva Indígena Yavarí-Tapiche, o que garantiria a proteção do entorno das áreas de circulação de isolados.
“A binacional é uma agenda política muito forte na questão da defesa do território e também dos nossos irmão isolados”, diz Jorge Pérez, Presidente da Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente (ORPIO).
Para as lideranças, seria necessário ainda considerar a presença de isolados no plano de gestão do Parque Nacional Sierra del Divisor, bem como resguardar o direito de uso tradicional do povo Matsés restringindo a realização de atividades de terceiros que possam impactar tanto os isolados, como os Matsés.
Também nesse tema, os Matsés tem buscado diálogo com o governo peruano. “A declaração da Binacional de 2013 foi inclusive um documento anexo do expediente da Reserva Yavarí-Tapiche que teve muito peso. Houve uma reunião dos dirigentes Matsés com os funcionários e através de um relatório do Ministério de Interculturalidad se dá luz verde para iniciar o processo de reconhecimento e categorização nesse contexto de bastante pressão”, afirma Beatriz Huertas.
Durante a reunião binacional, as comunidades Matsés reafirmaram sua posição de respeito às formas de vida e aos territórios dos povos isolados e exigem que o governo no Brasil e no Peru implementem mecanismos de controle e vigilância nos territórios com a participação dos Matsés.
“Não tem fiscalização da nossa terra demarcada, quero que coloque placa. Também quero vigilância para colocar na boca do Batã e na pista”, lamenta Waki Mayuruna, conhecido como Caiçuma, cacique da aldeia Lobo que recebeu o encontro.
Matsés também denunciam governo brasileiro
Para os Matsés, é preocupante a iniciativa do governo Temer de cortes nos recursos financeiros da Fundação Nacional do Índio (Funai). Com os cortes a Funai reduziu seus recursos materiais e humanos o que afetou a capacidade de realizar ações de vigilância e fiscalização em terras indígenas. As comunidades apontam o risco de fechamento da Coordenação Regional de Atalaia do Norte.
“O nosso governo está tirando todo os direitos dos povos indígenas, talvez por isso a ausência do estado brasileiro, que é a Funai, e outro setores como a frente de proteção que nas bases estão ficando sem recurso, sem poder de fiscalização”, diz Andre Mayuruna.
Outra crítica ao governo brasileiro é contra a adoção do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), visto pelas lideranças como uma interpretação restritiva dos direitos constitucionais dos povos indígenas. O Parecer 001/2017 força toda a administração pública a aplicar as medidas definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) a todos os procedimentos demarcatórios – o que contraria decisões da própria corte e, na prática, inviabiliza as demarcações.
FONTE: CTI – Categorias: Notícias, Programa Javari