Não é fácil produzir artesanato com palha de buriti, o traço distintivo dos waraos, etnia do nordeste da Venezuela que tem imigrado para o Brasil fugindo da fome. Depois de basear folhas na mata, os indígenas separam a fibra, fervem os feixes, lavam, amaciam e colocam para secar ao sol por um dia. Só então a fibra está pronta para coser. Uma rede, vendida a R$ 170 no Brasil, toma sete dias de trabalho de uma artesã, que tece sentada no chão.

Mais difícil do que trançar a palha, porém, tem sido passar pelo posto de controle do Exército em Pacaraima (RR), na fronteira com a Venezuela. Há diversos relatos de waraos que tiveram cestas e redes apreendidas pelos militares. O caso mais recente ocorreu na madrugada de sexta (i°), quando Celso Garcia, 33, perdeu três sacos do artesanato que venderia em Manaus.

“Já me agarraram três vezes”, diz Garcia, que mora em um abrigo da prefeitura de Manaus. “Ontem, me tiraram 50 chapéus, 30 bolsas e 20 cestas. Só me deixaram duas redes porque eu disse que ia usar para dormir. Esse material não é meu, é da minha família, foram meses de trabalho.”

Garcia conta que voltava de Tucupita, a 1.728 km de Manaus, onde trocara com parentes roupas trazidas do Brasil por artesanato. O arranjo, que inclui comida e remédios, é comum entre as centenas de waraos vivendo em Boa Vista, Manaus, Santarém e Belém. Os waraos dizem que até a fibra tem sido confiscada. Como o buriti é difícil de obter no Brasil, a artesã Sotelina Peres, 43, o substituiu por nylon.

“Tem gente que é boa e deixa passar artesanato, mas outros, não”, diz Orlando Martinez, 45, que vende a produção da mulher – o casal vive em Manaus há 1 ano e 4 meses. Peres é uma das poucas artesãs no Brasil. A maioria do artesanato vem da Venezuela, onde os 48 mil waraos são a segunda maior etnia.

“A venda de artesanato é o principal trabalho dos homens waraos no Brasil e importante fonte de renda para as famílias, que, em sua maioria, vivem de doações”, diz a antropóloga Marlise Rosa, que escreve tese de doutorado sobre a etnia para a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela afirma que a alternativa é pedir dinheiro nas ruas, prática também coibida pelos órgãos estatais brasileiros. “O estímulo ao artesanato seria hoje a maneira mais eficiente de empoderá-los.”

Por escrito, o Comando Militar da Amazônia respondeu que Garcia “apresentou-se no posto de controle operado pelo Exército com a Receita Federal com quantidade de produtos acima da cota permitida pela legislação vigente (assim identificado por funcionário da Receita Federal), sendo interpretado, pelo dito funcionário, como, em tese, delito de ‘descaminho'”. Segundo o Exército, os três sacos de artesanato estão sob custódia da Receita.