Os indígenas Waimiri Atroari divulgaram nesta sexta-feira (25) nota repudiando a intenção do governo federal de construir a linha de transmissão dentro de seu território sem que sejam ouvidos. Intitulada “Diga ao Mundo que Nós Vivemos” a nota é assinada pela Associação Comunidade Waimiri Atroari e por Mario Parwe, principal liderança da etnia.
“Soubemos através de notícias na imprensa de que o Ministério das Minas e Energia quer, de qualquer forma, passar a linha de transmissão que liga Manaus a Boa Vista, por nossa Terra, à revelia, sem sermos ouvidos, segundo nosso Protocolo de Consultas. Isso nos faz recordar que no período de 1967 a 1977, e ainda está muito vivo em nossa memória, houve o enfrentamento do nosso povo com os construtores da BR 174, que não hesitaram em usar a força para abrir caminho no processo da construção da rodovia”, diz a nota.
Na nota, os Waimiri Atroari lembram que o período das obras da BR 174 quase os levou ao extermínio. “Conforme o Relatório da Comissão da Verdade, cerca de 3.000 Waimiri Atroari existentes no inicio da construção da estrada. Em 1986 só restaram menos de 400 pessoas. Morreram mais de 85% de toda a nossa população. Proporcionalmente esta mortandade foi pior que o efeito da bomba atômica em Hiroshima. Agora, vemos o Ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, atropelar nossos direitos”, dizem os indígenas.
Os Waimiri Atroari dizem que resistiram todos estes anos e que mantiveram sua cultura e dignidade e alertam que sabem que possuem direitos constitucionais e que são respaldados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratado internacional adotado pelo Brasil em 2004.
“Sabemos que é obrigação do Estado Brasileiro perguntar, adequada e respeitosamente, ao nosso povo, nossa posição sobre decisões administrativas e legislativas capazes de afetar nossas vidas e nossos direitos. Esse diálogo deve ser amplamente participativo, ter transparência, ser livre de pressões, flexível, e ter efeito vinculante, no sentido de levar o Estado a incorporar o que se dialoga na decisão a ser tomada. Sabemos também que a Consulta Prévia está garantida na Convenção 169/OIT e que é lei no Brasil desde 2004 (Decreto Presidencial n° 5051). Assim, repudiamos toda e qualquer iniciativa do Governo Federal em tirar nossos direitos e nos trazer à memória a triste história de extermínio de nosso povo”, conclui a nota.
Na última segunda-feira (21), o site do MME divulgou nota dizendo que o ministro Moreira Franco, titular da pasta, “considera estratégica a construção da linha de transmissão de 715 km interligando a capital de Roraima a Manaus” e que a solução para o problema de fornecimento de energia é a “instalação de uma linha de transmissão de 715 KM interligando a capital de Roraima a Manaus (AM)”.
“Dos 715 quilômetros da linha de transmissão, apenas 123 KM cortam o território indígena dos waimiri-atroari, que poderá abrigar de 250 a 300 torres de transmissão, do total de 1.440 torres previstas para toda a linha. Mas a obra pode ser feita sem necessidade de desmatar nenhuma área das terras indígenas e com impacto ambiental mínimo. O traçado prevê a passagem do linhão margeando a BR 174, que servirá de acesso para a instalação das torres”, diz a nota.
Segundo o MME, desde 2011, quando o governo iniciou o projeto, “os índios waimiri-atroari já foram consultados por diversas vezes e chegaram a concordar com uma Licença Prévia para a execução da obra. Os índios estão informados sobre a necessidade da linha de transmissão para garantir o abastecimento de energia à população de Roraima. Mas, inexplicavelmente, interromperam as negociações.”
A resposta dos Waimiri Atroari acontece também após a aprovação pela Comissão Mista do Congresso Nacional no último dia 16 da Medida Provisória 820/2018, que trata da assistência aos refugiados da Venezuela em Roraima. Mas a comissão incluiu na MP 820 artigos (conhecidos como “emendas jabutis”) sem relação com o tema dos refugiados, numa manobra para atender a decisão do Ministério de Minas e Energia para a obra do Linhão na terra dos Waimiri Atroari.
No artigo 11, os deputados alteram a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que trata da legislação ambiental. Na prática, a mudança tira o direito dos Waimiri Atroari de serem consultados sobre empreendimentos que impactam seu território, no caso, o Linhão de Tucuruí, que prevê a construção de torres de energia elétrica dentro do território tradicional.
Na nova redação da Lei nº 6.938, as emendas jabutis da MP diz que “a manifestação das autoridades envolvidas no âmbito do licenciamento ambiental será considerada na decisão da autoridade licenciadora, justificando‐se seu acolhimento ou rejeição”.
Diz também que a Funai deverá, quando couber, “se manifestar sobre autorização de estudos ambientais em um prazo de 30 dias, a contar da data de apresentação do plano de trabalho pelo empreendedor”. O descumprimento do prazo “autoriza o empreendedor a realizar o estudo ambiental com o uso de dados secundários”.
Com a alteração proposta, os povos indígenas poderão ser consultados em um prazo de 90 dias. Na atual legislação, não há prazo para que os indígenas se manifestem sobre obras em seu território. Mas, os próprios Waimiri Atroari já informaram aos órgãos federais, em anos anteriores, que são contra a passagem das linhas de energia elétrica dentro de suas terras.
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) da Procuradoria Geral da República (PGR) divulgou uma nota técnica na terça-feira (22) classificando as emendas como “contrabando legislativo”. Para a PGR, as emendas são inconstitucionais e violam a independência entre os Poderes Legislativo e Executivo.
A PGR diz também que as “emendas jabutis” violam os princípios democráticos da igualdade e da auto-organização dos povos indígenas, previstos na Constituição Federal, e contrariam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito de consulta aos povos indígenas.
Em uma decisão de 2015, o Supremo Tribunal Federal considerou as “emendas jabutis” um ato inconstitucional. Mas em um julgamento ocorrido em fevereiro de 2018, o STF apresentou outro entendimento, liberando a prática em nome da “segurança jurídica”, embora tenha apresentado ressalvas.
A Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação do STF para saber se o órgão possui um entendimento definitivo sobre essas manobras legislativas. Segundo a assessoria, o assunto “é algo a ser debatido caso a caso”.
“Não há uma posição. Cada emenda que entrar em cada medida provisória vai ser discutida naquele caso se ela é ou não (inconstitucional)”. Segundo a assessoria, se houver contestação, é preciso entrar com uma ação no STF. “A ação deve ser contra essa emenda específica no Supremo, que será distribuída para o ministro, que vai olhar e avaliar se é o caso ou não de anular, com base nas decisões proferidas pelo Supremo sobre o tema”, disse a assessoria.
Funai e Ibama foram contra
As “emendas jabutis” foram apresentadas pelos deputados Jhonatan de Jesus (PRB/RR) e César Halum (PRB/TO). Em sua justificativa, Jhonatan de Jesus, relator da MP, diz o seguinte: “Com as inovações trazidas à Lei nº 6.938, de 1981, possibilita-se o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental da Linha de Transmissão (LT) 500 kV Manaus – Boa Vista e Subestações Associadas, que já conta com licença prévia emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas tem esbarrado na falta de autorização da Funai para entrada de consultores na Terra Indígena com a finalidade de coletar dados para os estudos necessários à elaboração do Plano Básico Ambiental (PBA) indígena”.
O Instituto Socioambiental (ISA) divulgou em seu site, em matéria sobre o assunto, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente Recursos Naturais Renováveis (Ibama) enviaram em abril passado notas contrárias à alteração da legislação ambiental proposta pela Medida Provisória.
Diz a nota técnica da Funai: “Essas emendas ferem o pacto democrático que reconhece aos povos indígenas a autodeterminação, conforme art. 231 e 232 da Constituição Federal, pois, a consulta é um elemento essencial para a efetivação das transformações sociais provenientes da garantia de autonomia e participação dos povos indígenas e comunidades tribais nas arenas decisórias, garantias essas determinadas pelo próprio Estado Democrático de Direito. Esse instrumento estabelece que as partes dialoguem antes da tomada de decisão, possibilitando a reconsideração do posicionamento inicial e a concepção do consenso em relação as medidas debatidas”.
Em sua manifestação, o Ibama diz que “entende-se que os artigos propostos não se referem ao tema do Projeto de Lei de Conversão nº 13, que deveria tratar tão somente de medidas para assistência emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório, de acordo com sua ementa”.
Para o Ibama, a manifestação dos órgãos interessados não pode ser considerada apenas pela decisão da autoridade licenciadora (Presidente do IBAMA ou autoridade equivalente nos níveis estadual e municipal) porque, na maior parte dos casos, a inclusão das sugestões apresentadas pelos órgãos interessados depende de análise técnica a respeito da pertinência de sua inclusão no processo de licenciamento ambiental.
O Ibama alerta ainda que “um prazo rígido para a consulta aos povos indígenas e tribais pode comprometer a qualidade e até a viabilidade da consulta, uma vez que esses povos geralmente possuem uma relação íntima com os ciclos naturais, dependendo de períodos chuvosos, quentes ou de migração de certas espécies, por exemplo, para manter seu modo de vida tradicional”. Segundo o Ibama, caso a consulta ignore tais atributos da vida tribal, é possível que ela não tenha a participação adequada das comunidades.
Elaíze Farias – FONTE: AMAZONIA REAL – Índios Waimiri Atroari repudiam “emendas jabutis” do Linhão de Tucuruí – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)
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