“Nós, indígenas e extrativistas do sul do Amazonas, somos uma espécie de colchão de amortecimento que, com nosso esforço e modo de vida, contribui no enfrentamento às mudanças do clima”, afirmou Francisco Ferreira/OPIAJ.

Essa foi uma das constatações que lideranças indígenas e extrativistas chegaram durante o Seminário sobre Mudanças Climáticas do Sul do Amazonas, realizado pelo IEB, entre os dias 2 a 5 de maio em Porto Velho (RO). O evento também reuniu gestores públicos e parceiros para discutir temas relevantes para as mudanças climáticas na região do Sul do Amazonas e manutenção da integridade desses territórios.

A atividade faz parte do Projeto Gestão Integrada de Terras Indígenas e Unidades de Conservação do Sul do Amazonas, apoiado pela Fundação Moore.

O seminário foi uma demanda dos participantes do curso de Gestão Integrada, que aconteceu em 2016, e resultou em uma rede de parcerias entre as associações indígenas e extrativistas, além de gestores da FUNAI e ICMBio de quatro municípios da região do Sul do Amazonas (Lábrea, Humaitá, Boca do Acre e Pauini).

Durante o evento, os grupos trabalharam para refletir sobre como mudanças estão afetando suas regiões. Lideranças indígenas relataram que antes as estações do ano eram mais fáceis de serem identificadas. “A gente plantava conforme a lua, mas hoje os plantios ja não nascem mais no tempo certo. Não é mais como antigamente. Quando chove, o rio enche, mas não segura mais a água”, afirmou Francisco Jamamadi.

Castanheiras passaram a ser atingidas por pragas e a mandioca sofre prejuízo pelos atuais extremos das estações do ano, muito quentes ou muito chuvosas. De acordo com extrativistas, a economia e a segurança alimentar estão sendo muito afetadas pelas mudanças, prejudicando   a vida de todos na região.

As lideranças indígenas e extrativistas Benedito, Kanynary, Napoleão, Lohana, Raquel, Irismar e Sandro ressaltaram que é possível perceber que o clima está mudando e afetando a produção familiar e a economia extrativista, pois as cheias estão mais precoces, há aumento de pragas e temperatura na roça, assim como há menor resistência das raízes no solo.

Na pesca há maior descontrole na época de cheia dos rios e igarapés, a migração dos peixes de volta para os lagos está ficando comprometida, acarretando a diminuição dos peixes, além do aumento da população de ariranha que também se alimenta de peixes, e por isso até a segurança alimentar está mais vulnerável.

Organizações parceiras também contribuíram com o debate, tais como o Conselho Indígena de Roraima, com a sua representante Sinéia Valle, que também participa do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas – CIMC, instância vinculada à Câmara Técnica de Mudanças Climáticas da PNGATI, além de outras como CONAREDDD.

Sinéia destacou que “ao longo dos tempos a gente vem lutando incessantemente pelo direito aos territórios, enfrentando o preconceito. E a cada dia tem uma batalha para manter essas terras. Também combatemos o desmatamento nas terras indígenas que avança sem preocupação do governo. E, em Roraima, realizamos um estudo através de relatos dos indígenas em roda de conversas, da observação das estrelas e ouvindo as orientações dos mais experientes, isso tudo foi sistematizado e possibilitou unir os conhecimentos para produzir informações que fossem de entendimento de todos. E assim foi feito um primeiro estudo sobre as mudanças climáticas na visão dos povos indígenas de Roraima, onde foi elaborado um calendário sobre a transformação do tempo que ajuda a pensar nos enfrentamentos locais e de adaptação que os indígenas passam”.

Fernanda Bortolotto do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) também deu o seu recado durante o seminário. Segundo o IPAM as crescentes demandas internacionais por commodities, o enfraquecimento da legislação ambiental, os projetos de Infraestrutura sem salvaguardas socioambientais, os índices do desmatamento em terras públicas, e as ameaças a direitos estão entre as principais causas dos problemas enfrentados por populações tradicionais e povos indígenas que prestam serviços no combate às mudanças climáticas.  Ainda com dados do IPAM, foi possível constatar como tais povos e comunidades contribuem para o equilíbrio climático e ao mesmo tempo estão vulneráveis aos impactos da mudança do clima. Os conhecimentos apresentados pelos grupos do sul do Amazonas apontam para as mesmas datas de grandes cheias e vazantes corroborando os dados técnicos e científicos. Tanto um conhecimento quanto o outro apontam para dados que se cruzam. Tal evidência demonstra o quanto as florestas, os povos indígenas e populações tradicionais, assim como seus conhecimentos, são importantes para a sustentabilidade do planeta.

O Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) foi representado por Dione Torquato que lembrou que a contribuição do extrativismo para frear as mudanças climáticas pode ser percebida pelas cerca de quatro milhões de pessoas que se mantém por meio desse modo de vida e que mantêm as florestas em pé. Esta população é a principal bandeira e motivo de luta dos CNS.

O debate contou ainda com a colaboração da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), por meio do professor Eduardo Bespale, que, na sua apresentação, mostrou que a ocupação na Amazônia remonta há 14 mil anos ou mais e que tal ocupação teve grande contribuição para a constituição da própria floresta tal como a conhecemos. Mas atualmente a mesma paisagem está sofrendo com o que parece estar se constituindo como uma nova época, o antropoceno, onde o intenso uso de combustíveis fósseis acelera e agrava as mudanças no clima, tornando mais vulneráveis aqueles que vivem em intensa relação com a natureza, como é o caso dos indígenas e extrativistas.

Uma análise sobre as causas antrópicas e naturais das mudanças climáticas e seus impactos sobre os modos de vida de povos indígenas e populações tradicionais foi apresentada e debatida com o professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, Saulo Rodrigues Pereira Filho, um dos coordenadores da Rede Clima e da equipe de pesquisa em vulnerabilidade e adaptação da 4. Comunicação Nacional do Brasil para a Convenção do Clima (UNFCCC).

Estiveram presentes no seminário representantes dos movimentos sociais indígenas do Sul do Amazonas da APIJ, APITEM, APITIPRE, OPIPAM, OPIAM, OPIAJ, OPIAJBAM e FOCIMP, além de organizações extrativistas das Unidades de Conservação, CNS, AMARI, ATAMP, APADRIT, STTR e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Pauini.

FONTE: IEB