Em amplas áreas hoje pouco habitadas, longe dos rios principais, arqueólogos encontraram geoglifos e vestígios de numerosas aldeias pré-colombianas, que chegaram a somar até um milhão de pessoas a partir do ano 1250. 

Foto aérea de um dos sítios arqueológicos revelados pelo novo estudo, no Mato Grosso: o geoglifo circular tem 140 metros de diâmetro e fica no alto de uma colina. Foto: José Iriarte

Nos 800 anos anteriores à chegada dos Europeus às Américas, até um milhão de pessoas viveram em centenas de vilarejos que se espalhavam por amplas faixas do sul da Amazônia, hoje pouco habitadas. A conclusão é de um novo estudo internacional, com participação brasileira, publicado nesta terça-feira, 27, na revista científica Nature Communications.

Arqueólogo caminha em uma das valas escavadas na terra por habitantes pré-colombianos do sul da Amazônia. Foto: José Iriarte

Na bacia do Alto Tapajós, mas longe dos rios principais, em áreas que se abrangem 54 mil quilômetros quadrados do noroeste do Mato Grosso, os arqueólogos encontraram 81 sítios com vestígios de presença humana entre os anos de 1250 dC e 1500 dC.

Os vestígios incluem vilarejos, fortificações, cerâmicas, machados de pedra polida e geoglifos – as misteriosas valas escavadas na terra, que formam enormes desenhos de quadrados, círculos ou hexágonos em baixo relevo e, muitas vezes, só podem ser vistos completamente a partir de aviões ou satélites.

Os cientistas utilizaram imagens de satélite para identificar 81 novos sítios arqueológicos na região, a partir de 104 grandes estruturas escavadas na terra, que produzem desenhos visíveis a partir do céu. O grupo de pesquisadores então realizou expedições a 24 dos sítios, encontrando cerâmicas, ferramentas, vestígios de dejetos e de terra preta – um tipo de solo fértil produzido por humanos. Segundo os cientistas, esses elementos provam que as áreas eram habitadas.

A pesquisa teve participação de cientistas da Universidade de Exeter (Reino Unido), da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (UEMT).

As dimensões dos novos sítios arqueológicos variam. Alguns são pequenos recintos escavados de cerca de 30 metros de diâmetro. Outros são estruturas de fortificação hexagonais com aproximadamente 400 metros de diâmetro, contendo vários montes construídos em volta de praças, além de estradas submersas.

Com base na distribuição e tamanho de outros geoglifos já conhecidos, os autores extrapolaram os dados e estimaram que há cerca de 1300 geoglifos espalhados por mais de 400 mil quilômetros quadrados nos limites meridionais da Amazônia. Os cientistas estimam que na região podem ter existido de mil a 1500 vilarejos nessa região – nas vizinhanças ou no interior dos geoglifos -, onde viviam de 500 mil a um milhão de pessoas.

Foto aérea de um dos sítios descobertos pelos arqueólogos, que contêm dois dos maiores geoglifos pré-colombianos, com 330 metros e 370 metros de diâmetro. Foto: José Iriarte

Longe dos rios

De acordo com os autores do estudo, vastas porções da Amazônia ainda permanecem inexploradas pelos arqueólogos, em especial as áreas que ficam longe dos rios principais. Até agora, predominava a suposição de que as antigas comunidades preferiam viver perto dessas grandes vias fluviais, mas o novo estudo demonstra que não era isso que acontecia.

“Há uma concepção comum equivocada de que a Amazônia é uma paisagem intocada, onde só vivem comunidades nômades muito esparsas. Mas não é o caso. Nós descobrirmos que algumas populações em áreas distantes dos rios principais eram muito maiores que o que se previa – e o impacto dessas pessoas no ambiente ainda pode ser visto hoje”, disse um dos autores do estudo, Jonas Gregório de Souza, do departamento de Arqueologia da Universidade de Exeter.

De acordo com Souza, a descoberta também tem importância para a compreensão dos ecossistemas atuais da Amazônia. “A Amazônia tem um papel crucial na regulação do clima da Terra e saber mais sobre sua história nos ajuda a fornecer subsídios para que os tomadores de decisões possam cuidar do bioma no futuro”, afirmou.

“Ficamos muito animados por termos encontrado evidências tão ricas. A maior parte da Amazônia ainda não foi escavada, mas estudos como o nosso mostram que estamos gradualmente juntando cada vez mais informação sobre a história da maior floresta tropical do planeta”, disse outro dos autores, José Iriarte, também da Universidade de Exeter.

“Nossa pesquisa mostra que precisamos reavaliar a história da Amazônia. Ela certamente não era uma área habitada apenas perto dos leitos dos grandes rios e as pessoas que moravam ali realmente modificaram a paisagem. A área onde fizemos expedições tinham uma população de ao menos dezenas de milhares de pessoas”, afirmou Iriarte.

Nos últimos 40 anos, os cientistas têm localizado, no leste do Acre, um grande número de geoglifos, que foram revelados graças ao gradual desmatamento na região. Pelo menos 450 geoglifos foram descobertos até hoje na Amazônia, ocupando uma área equivalente a 13 mil quilômetros quadrados. A maior parte deles, porém, é bem mais antiga que os geoglifos encontrados no Mato Grosso, tendo sido produzida há cerca de 2 mil anos.

Por: Fábio de Castro
Fonte: O Estado de São Paulo

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