A Norsk Hydro pode não ter provocado a contaminação das águas em torno da sua fábrica de alumina em Barcarena, no Pará, mas é ré nesse processo. Logo, o melhor que pode fazer na situação em que se encontra é esclarecer os fatos. O principal deles se originou do laudo do Instituto Evandro Chagas.
O documento afirma que houve contaminação por rejeitos da lavagem de bauxita, que a lama vermelha pode ter saído para as drenagens exteriores por uma tubulação clandestina, que uma das bacias de decantação do material descartado na produção de alumina operava sem licença ambiental e que a empresa não tinha um plano de emergência para o caso de acidente na fábrica, a maior produtora de alumina do mundo.
A multinacional norueguesa anunciou a contratação de uma auditagem independente para avaliar o acidente, mas o resultado desse trabalho só estará disponível em um mês. Até lá, a operação da bacia não licenciada continuará suspensa e a produção da fábrica, de 6,3 milhões de toneladas (o equivalente a 7% da produção mundial de bauxita), permanecerá restrita à metade.
O feito econômico, financeiro e de imagem dessa punição, pedida pelo Ministério Público e concedida pela justiça do Pará, já é evidente. Compradores internacionais irão buscar outros fornecedores, reduzindo o faturamento da Alunorte e a sujeitando a eventual prejuízo no atual exercício, que mal começa.
Haverá desdobramentos para frente e para trás. A produção do minério de bauxita terá que ser reduzida, assim como a de metal de alumínio, produzido pela Albrás, a indústria vizinha, a 8ª maior do mundo no seu segmento. Haverá perdas nas exportações, com menor receita em dólares.
Não há como poupar a Norsk. O maior vendedor de frangos no mundo, o grupo brasileiro BRF, está desde ontem proibido de exportar por suspeita de corrupção e fraude no controle de qualidade do seu produto. A tolerância a esse tipo de prática acabou, ao menos por enquanto, às vésperas de uma eleição geral no país. Quem errou tem que ser punido e condenado a pagar por seu procedimento incorreto.
Mas não os 8,5 mil empregados das três empresas que a Norsk possui no Pará, muito maiores do que as outras três que são também suas no Brasil, incluindo uma das maiores jazidas de bauxita do mundo. A mesma justiça que deferiu as sanções requeridas pelo MP já foi acionada para garantir os empregos existentes, quaisquer que venham a ser os desdobramentos do contencioso entre a empresa e os órgãos governamentais que a autuaram, a começar pelo Ibama, controlado pelo ministro do meio ambiente, Zequinha Sarney, filho do ex-presidente da república.
Os desdobramentos do alarme dado no dia 17 do mês passado, quando a contaminação dos igarapés próximos aos depósitos da argila contaminada por produtos químicos se tornou visível, poderiam ter sido estancados se a Norsk Hydro tivesse reconhecido as falhas que o laudo do “Evandro Chagas” lhe atribuiu, ou tivesse contestado e contraditado tecnicamente a perícia do instituto, de competência científica reconhecida internacionalmente.
O imediato deslocamento dos principais diretores da empresa na sua sede, em Oslo, até Barcarena, enquanto começava a movimentação de baixa nas suas ações na bolsa de valores, indica a gravidade do problema. A substituição do responsável local pela área ambiental, que admitiu o vazamento de rejeito pela tubulação clandestina, por um executivo da área financeira, não ajudou a melhorar a muito manchada imagem da Norsk, antes associada ao desenvolvimento sustentável. Menos ainda a atuação da sua cúpula nos bastidores em Brasília.
Sintomática foi a iniciativa do governo norueguês, o principal controlador individual da empresa, com 34% das suas ações, de manter distância dos acontecimentos. A Norsk está perdendo tempo e dinheiro – e credibilidade.
A imagem que ilustra este artigo mostra a bacia de rejeitos DRS2 da Hydro Alunorte, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Leia mais aqui. Veja outros artigos do autor
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