Uma área maior do que toda a região Sul do Brasil – 70 milhões de hectares – coberta por florestas está hoje à mercê de grileiros e desmatadores ilegais na Amazônia. Destinar essa área para conservação e uso sustentável pode ser o melhor caminho para protegê-la e permitir que o Brasil cumpra sua meta de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, dentro do combate global às mudanças climáticas. 

Essa é a defesa que os pesquisadores Claudia Azevedo-Ramos, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea/UFPA), e Paulo Moutinho, do IPAM, fazem num artigo que será publicado na edição de abril da revista “Land Use Policy”, já disponível na versão on-line (Land Use Policy | Journal | ScienceDirect.com by Elsevier).

Com o sugestivo título de “Terra de ninguém na Amazônia”, os dois elencam justificativas e caminhos para tornar essas florestas públicas, federais e estaduais, em áreas protegidas. Hoje elas não estão destinadas a nenhum tipo de uso, apesar de sua importância para o equilíbrio climático.

Esses 70 milhões de hectares estocam 25 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2), equivalente à soma da emissão brasileira de gases do efeito estufa por 14 anos. É motivo mais do que suficiente para manter as florestas como estão. Isso é especialmente importante quando leva-se em conta a meta climática que o Brasil se comprometeu internacionalmente: atingir, até 2025, uma emissão anual de 1,38 bilhão de toneladas de CO2, ou uma queda de 87% à taxa registrada em 2014, segundo cálculos do IPAM.

“As florestas públicas não destinadas na Amazônia hoje atuam como um grande sistema de irrigação e um verdadeiro ar-condicionado gigante, dos quais dependem a produção agrícola da região”, diz Moutinho. “Deixar essa área à mercê do desmatamento pode colocar em risco a pujança futura do agronegócio e a ambição brasileira de tornar o país o ‘celeiro do mundo.”

O tempo urge

O alerta dos pesquisadores contém outro número impressionante: 25% do desmatamento registrado na Amazônia entre 2010 e 2015 aconteceu dentro dessas áreas públicas desprotegidas. A taxa, traduzida em emissões de CO2, chega a 200 milhões de toneladas, volume equivalente a quase metade do que o setor de energia no Brasil emitiu em 2016, de acordo com dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa).

Os autores do estudo defendem que os governos destinem os 70 milhões de hectares para conservação e para usos sustentáveis dos recursos naturais, de forma a manter a cobertura florestal que, por sua vez, permite ao regime de chuvas ficar minimamente estável.

“Não há nenhuma justificativa econômica suficientemente forte para defender que essas áreas com florestas públicas sejam convertidas em lavoura ou pasto frente à área já desmatada na Amazônia”, afirma Moutinho. Cerca de 10 milhões de hectares já foram derrubados na região e estão subutilizados. É terra suficiente para aumentar o crescimento de produção agrícola almejado pelo governo brasileiro.

Para evitar longos e burocráticos processos de criação de unidades de conservação, os pesquisadores propõem um sistema escalonado de destinação, com uma fase de transição em que grandes trechos de terra seriam declarados sob a responsabilidade de uma única agência do governo, apropriada a este fim.

“A declaração oficial de que o governo está presente e cuida dessas florestas ajuda, por si só, a afastar ações ilegais”, explica Azevedo-Ramos. “Mas não se pode parar por aí. Estudos detalhados posteriores devem definir seu correto e definitivo destino, seja ele social, econômico ou de proteção.”Segundo os autores do artigo, a ideia não “cercar” todas essas áreas para afastar invasores, mas associar a proteção às atividades sustentáveis, para fomentar a economia local. “Estimular uma economia de base florestal, por exemplo, é essencial para garantir a conservação de largas extensões de florestas na Amazônia”, diz a pesquisadora. “Uma área protegida de uso sustentável, por exemplo, tem a vantagem de incluir pessoas, fomentar o uso econômico e ser melhor aceita pelos estados, pelos municípios e pela sociedade do entorno. Portanto, possui maior probabilidade de ser criada em curto prazo e de apresentar benefícios locais.”

Cristina Amorim, do IPAM

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