Pronunciamento sobre a promulgação de lei no Peru que promove a abertura de estradas na região de fronteira com o Brasil

Em resposta aos atuais acontecimentos referentes à promoção de projetos de infraestrutura que afetam os direitos dos povos indígenas e as áreas naturais protegidas na região da fronteira Brasil- Peru, lideranças e representantes de organizações indígenas e da sociedade civil brasileira, e gestores de Áreas Naturais Protegidas do estado do Acre, que assinam abaixo, expressam sua preocupação com a Lei 30723, promulgada pelo Estado peruano, no dia 22 de janeiro de 2018, e que “declara de prioridade e interesse nacional a construção de estradas em zonas de fronteira e a manutenção de ramais trafegáveis no departamento de Ucayali”.

Essa lei promoverá a execução de um projeto de estrada que pretende conectar os municípios peruanos Iñapari e Puerto Esperanza, em uma zona remota de cabeceiras de rios entre Peru e Brasil. Desde 2005 um grupo político de Puerto Esperanza, liderado pelo padre católico Miguel Piovesan, apresenta Projetos de Lei com esse objetivo via congressistas peruanos do partido fujimorista Fuerza Popular. No entanto, foram sendo arquivados pelo congresso, após pareceres negativos de diversas instituições governamentais peruanas, e em razão do seu comportamento inconstitucional, ao propor uma estrada que corta áreas intangíveis como o Parque Nacional Alto Purus, a Reserva Comunal Purus, a Reserva Territorial Madre de Dios e a Comunidade Nativa Bélgica. Diferentes informes técnicos demonstram, por exemplo, a inevitável intensificação do desmatamento e da atuação de madeireiros ilegais e narcotraficantes, já presentes nessa região fronteiriça.

No lado brasileiro, a estrada impactará direta e indiretamente as Unidades de Conservação Estação Ecológica do Rio Acre, Parque Estadual Chandless e Reserva Extrativista Chico Mendes, além das Terras Indígenas Alto Purus, Cabeceira do Rio Acre, Jaminawa do Guajará, Mamoadate e Manchineri do Seringal Guanabara. Vale destacar que tais áreas no Brasil e Peru são conectadas, formando um corredor transfronteiriço de áreas protegidas reconhecido pelos Estados, e onde vivem diversas populações indígenas e tradicionais.

Comunidades dos povos Amahuaca, Ashaninka, Huni kuin, Jaminawa, Yaminahua, Yine, Madijá, Mastanahua, Manchineri, Maranahua, Sharanahua, entre outras populações indígenas, serão impactadas pela estrada. Diferentes grupos de índios isolados – extremamente ameaçados nesta região de fronteira binacional – poderão ser exterminados.

A sucessão de avistamentos, incidentes e conflitos envolvendo povos indígenas em isolamento voluntário na Amazônia peruana vem sendo denunciada pela Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (FENAMAD) perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que mantém uma medida cautelar (MC 262-05-Peru) em benefício aos povos indígenas isolados Mashco Piro, Yora e Amahuaca desde 2007.

No comunicado de imprensa 26/18, especialistas em Direitos dos Povos Indígenas da CIDH e das Nações Unidas (ONU) afirmam que é essencial que: “qualquer projeto de construção ou manutenção de infraestruturas que possam afetar as comunidades indígenas seja realizado em plena conformidade com o marco jurídico internacional sobre os direitos dos povos indígenas, incluindo processos adequados de consulta livre, prévia e informada”.

Há pelo menos duas décadas comunidades, organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas do Brasil e Peru, que vivem e atuam próximas aos limites da fronteira, vêm discutindo problemas e desafios comuns e pensando estratégias para a gestão dos territórios. Em diferentes espaços de debate e cooperação, posicionaram-se de maneira explícita sobre os impactos negativos dos projetos de infraestrutura, denunciando também as atividades extrativistas e ilícitas em curso na região.

Por isso, mais uma vez, nos somamos à Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP), à FENAMAD, à Organización Regional AIDESEP de Ucayali (ORAU), e também aos Ministérios de Cultura e Ambiente, além de outras instituições do Peru, que já se posicionaram diversas vezes contra projetos de lei que promovem a construção de estradas nesta região da Amazônia. Em notas recentes, FENAMAD exige com urgência a derrogação da Lei 30723, convocando toda a opinião pública a se “mobilizar em defesa da vida amazônica”.

Respondendo a esse chamado, nos expressamos do lado brasileiro, para que sejam cumpridos os marcos legais nacionais de Peru e Brasil e convenções internacionais de proteção dos direitos humanos das populacões indígenas e tradicionais, das quais os dois países são signatários.

Recomendamos ainda que os governos brasileiro e peruano dialoguem para a construção de estratégias e ações integradas, garantindo a intangibilidade das Áreas Naturais Protegidas, e reconhecendo o papel fundamental das populações indígenas e suas organizações, no avanço das políticas dos Estados em regiões fronteiriças.

Rio Branco, Acre, Brasil, 21 de fevereiro de 2018

    • Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa)
    • Associação Ashaninka do Rio Breu (AARIB)
    • Associação Kaxinawa do Rio Breu (AKARIB)
    • Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
    • Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
    • Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)
    • Associação S.O.S. Amazônia
    • Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
    • Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
    • Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (PESACRE)
    • Laboratório de Antropologia e Florestas (Aflora) da Universidade Federal do Acre (UFAC)
    • Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
    • Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas eIndigenismo (LAEPI) do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA) da Universidadede Brasília (UNB)
    • Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (OBIND)/LAEPI
    • WWF Brasil
    • Edipaulo Samarrã Manchineri – Professor da Terra Indígena Mamoadate
    • Lucas Artur Brasil Manchineri – Liderança indígena da Terra Indígena Mamoadate
    • Moisés Diniz – Deputado Federal do Acre
    • Flávia Dinah Rodrigues de Souza – Secretaria do Meio Ambiente do Acre (SEMA-AC)
    • Jesus Rodrigues Domingos de Souza – SEMA-AC
    • Mirna Pinheiro Caniso – SEMA-AC
    • Ricardo Antônio de Andrade Plácido – SEMA-AC
    • Rafael Fernando Ferst Strapasson – SEMA-AC
    • Irving Foster Brown – Pesquisador do Setor de Estudos de Uso da Terra e de Mudanças Globais(SETEM) da UFAC
    • Elsa Huaman Mendoza – Pesquisadora da região MAP (Madre de Dios-Acre-Pando)
    • Maria Emília Coelho – Comunicadora social e pesquisadora da região de fronteira Brasil-Peru