Claudia Andujar denuncia ameaças de garimpeiros à Terra Indígena dos Yanomamis e ressalta importância da pressão popular.
Aos 86 anos, a fotógrafa e ativista Claudia Andujar continua engajada na luta pelos direitos das populações indígenas no Brasil. Com movimentos já debilitados e fala lenta que ainda guarda resquícios do sotaque suíço — nascida na então Transilvânia, Claudia naturalizou-se brasileira em 1955 — ela relembrou, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, os mais de 40 anos que passou visitando, vivendo e registrando os povos Yanomami.
Andujar foi uma das principais militantes pela demarcação da Terra Indígena Yanomami, que ocupa mais de 9 milhões de hectares na Amazônia. Em dezembro de 2017, ela voltou ao local e, após conversar com lideranças locais, retornou pessimista a São Paulo, devido ao aumento das ameaças sofridas pelos indígenas.
“Mais da metade da área é invadida por garimpeiros que estão retirando ouro. O próprio governo não está fazendo nada para impedir, e os governos estaduais estão mexendo nas leis para deixar entrar garimpeiros, mineradoras. Deixam os garimpeiros fazer o que bem entenderem”, afirmou.
Desde 2013, registra-se uma volta massiva de garimpeiros na região da Terra Indígena Yanomami, que ocupa parte dos estados do Amazonas e de Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela. O problema não tomava essas proporções desde o final da década de 1980, quando cerca de 40 mil garimpeiros invadiram a área. Na época, uma das lideranças Yanomami mais conhecidas, o indígena Davi Kopenawa, denunciou a situação na Organização das Nações Unidas (ONU).
Em abril de 2017, Kopenawa voltou a Genebra para relatar os novos conflitos com o garimpo. Na ocasião, lideranças indígenas elaboraram uma carta denunciando os retrocessos referentes aos direitos indígenas, consequência de medidas do governo golpista de Michel Temer (MDB), como as mudanças e cortes de orçamento na Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Davi disse que não acredita mais que vai melhorar. A política brasileira não demonstra nenhum interesse nos povos indígenas. Estamos em um momento muito complicado no Brasil, em geral. Então, no momento, não acho que vai ter uma melhoria. Depende da pressão que a gente faz, para alertar”, afirmou.
Por conta da pressão e do trabalho desenvolvidos para conquistar a demarcação do território Yanomami, homologado em 1992, Andujar chegou a ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional do regime militar, em 1978. Na época, ela foi expulsa da área pela Funai, e então organizou, da capital paulista, um grupo de estudos em defesa da criação da terra indígena, o embrião da ONG Comissão Pela Criação do Parque Yanomami, que hoje é a Comissão Pró-Yanomami.
Andujar perdeu quase toda a sua família, de origem judia, nos campos de concentração nazistas. Aos 16 anos mudou-se para Nova York, nos Estados Unidos, onde graduou-se em Humanidades e começou a trabalhar como intérprete da ONU. Em 1955, mudou-se para São Paulo, onde a sua mãe vivia, e começou a fotografar como uma forma de se comunicar com os brasileiros. Apenas cinco anos depois, deu início a seu trabalho com os povos indígenas, incentivada pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Em 1971, ela visitou os Yanomami pela primeira vez.“Depois dessa viagem, voltei não sei mais quantas vezes. Dentro do trabalho de entendê-los e fotografá-los, de tentar respeitar a cultura deles é uma coisa a se aprender, não é de um dia para o outro. Eu acho muito importante saber respeitar. Para representar visualmente as pessoas, você tem que entender quem são, o que acham da vida e de você, tudo isso é importante. Hoje eles me chamam mãe, e eu os considero filhos”, afirmou.
Autora de diversos livros, ela já teve suas obras apresentadas em uma série de exposições, como a Bienal Internacional de Arte de São Paulo e o Festival Internacional de Fotografia do Museu da Cidade de Madri. Em 2015, Andujar inaugurou uma galeria permanente no consagrado Instituto Inhotim, em Minas Gerais. No entanto, há dois anos Andujar não fotografa mais.
“Antes eu tinha mais facilidade de fotografar do que falar. Nessa última viagem, eu não levei máquina fotográfica. Hoje em dia, todo mundo tem máquina fotográfica, eu já quase não uso. Estou mais ligada em tentar deixar esse recado, essa convivência que eu tive com os Yanomami, para os outros entenderem quem são.Temos que continuar defendendo os indígenas, ou não haverá chance nenhuma de que a situação deles melhore. E a primeira questão é entender a razão pela qual temos que respeitá-los: porque são seres humanos”, concluiu.
Por: Júlia Dolce
Fonte: Brasil de Fato
Edição: Vanessa Martina Silva
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