Políticas para zerar o desmatamento precisam considerar implicações para os mais pobres.
As políticas públicas brasileiras, mesmo as mais relevantes, costumam não avaliar qual será o seu custo social, ou seja, o que a sociedade deverá suportar como efeito da sua implementação. Mais do que isso, dificilmente se calculam as diferenças desses custos nas diversas camadas da população. Um artigo publicado recentemente pelo pesquisador no departamento de economia da USP Ribeirão, Petterson Molina Vale, no Jornal Nexo, chamado Pobreza, o elo perdido do desmatamento zero, coloca luz sobre esse tema ao afirmar que “faltam estudos sobre os impactos das políticas de preservação das florestas sobre o bem-estar humano, especialmente no caso das famílias de baixa renda que sobrevivem da pecuária”.
Segundo Vale, os estudos sobre desmatamento zero no país abordam os benefícios para a sociedade em geral da proteção da floresta e as suas possibilidades de uso econômico, mas deixam de considerar as famílias muito pobres, que dependem de atividades econômicas diretamente relacionadas ao desmatamento – como a pecuária, normalmente de baixíssima produtividade -, que ficam sem nenhuma opção no curto prazo para substituir o que estavam fazendo. No artigo, o pesquisador lembra que, nos últimos anos, enquanto crescia o desmatamento, aumentava a pobreza extrema no país. Somente em 2015, conforme dados citados do economista Marcelo Neri, os 5% mais pobres tiveram uma queda de 14% na renda, em média.
“Do ponto de vista político, esse esquecimento oferece ainda a oportunidade para quem se opõe a essas políticas de usar o impacto nas populações mais vulneráveis como argumento contra sua implantação”, defende Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas.
Em seu artigo, Vale cita o estudo Qual o impacto do desmatamento zero no Brasil? [ver páginas 16 e 18], do Escolhas, como uma exceção, por não ignorar o papel da pobreza, trazendo o efeito do desmatamento zero sobre as parcelas economicamente vulneráveis das regiões que mais terão que contribuir para eliminar o desmatamento. O estudo, lançado no final de 2017, mostra que, apesar de haver um impacto muito pequeno no PIB nacional (redução de apenas 0,62% acumulados até 2030, se todo o desmatamento ilegal e legal cessasse imediatamente), ele não é uniforme nem regionalmente nem entre as classes sociais.
Enquanto essa perda de PIB não chega a 0,20% em estados como Espírito Santo e Rio de Janeiro, nos estados amazônicos, onde o desmatamento hoje efetivamente ocorre, as reduções chegam a 4,53% (no Acre), 3,17% (no Mato Grosso), 3,07% (em Rondônia) e 2,05% (no Pará). Quando se medem as variações por atividade profissional, a disparidade é ainda maior. Enquanto a perda de salário real causada pelo fim do desmatamento é de 1,06% até 2030 para quem tem as atividades mais qualificadas no país, para os que estão nas menos qualificadas (na qual grande parte é de agricultores), essa perda é de 2,61%. No consumo real das famílias, os mais qualificados perderiam 0,03%, enquanto os com menor qualificação teriam uma redução de 1,80%.
Essa desigualdade aumenta ainda mais quando se faz o recorte regional. O impacto do fim do desmatamento no salário dos mais qualificados no Pará é de 1,95% enquanto dos menos qualificados é de 3,14%. No Mato Grosso, a relação é de 1,5% a menos para os com as ocupações mais qualificadas e de 5,18% para os com menos qualificação. Se o recorte for o consumo das famílias, a diferença é mais gritante: enquanto para os mais qualificados o impacto é de 0,22% e 0,03% (no Pará e no Mato Grosso, respectivamente) de consumo a menos até 2030, para a base da pirâmide, cujo consumo já é pequeno, essa perda chega a 3,6%, no Pará, e 6,03%, no Mato Grosso.
Para o diretor-executivo do Escolhas, apesar das perdas serem poucas, considerando o espaço de tempo e o fato do estudo não ter considerado os benefícios de se zerar o desmatamento, o fato de recaírem mais sobre as famílias de baixa renda não pode ser ignorado. “Ter esses dados pode servir de roteiro para que se prevejam soluções para essas questões na formulação das políticas públicas que precisam ser feitas nessa área”, diz.
“Esses dados não indicam que políticas para zerar o desmatamento não devem ser feitas, pois são fundamentais para a sociedade e a economia brasileiras, mas que é preciso ponderar como devem ser implementadas para dar conta desses problemas”, pondera Leitão. “O que não podemos é repetir o que foi feito com a mecanização da produção de cana-de-açúcar, que deixou milhares de trabalhadores sem opção [ver especial da FSP: Órfãos da cana: Mecanização da lavoura cria legião de ex-boias-frias desempregados e com problemas de saúde]. Acabar com a queima da cana foi importantíssimo para o país, mas deveriam ter encontrado alternativas reais para o desemprego gerado com a medida”.
O estudo do Escolhas elenca como exemplo de soluções que poderiam corrigir essa assimetria, no caso do fim do desmatamento, instrumentos de políticas públicas já existentes, como o Fundo de Participação dos Estados, e investimentos para aumentar os percentuais anuais na produtividade da terra nas regiões mais afetadas. Um incremento de produtividade anual da bovinocultura de corte da ordem de 0,79% e de 0,52% no Pará e no Mato Grosso, respectivamente, anulariam as perdas econômicas de zerar o desmatamento nesses estados.
Maura Campanili
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FONTE: INSTITUTO ESCOLHAS
http://escolhas.org/fim-do-desmatamento-e-pobreza/
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