Os militares brasileiros de etnias indígenas estão principalmente nas regiões de extensas fronteiras e grandes dificuldades logísticas como a Amazônia, contribuindo e levando seus conhecimentos natos aos pelotões de selva.
Os militares brasileiros de etnias indígenas ainda são oficialmente muito poucos dentro das Forças Armadas do país, mas sua contribuição é imprescindível para o trabalho militar desenvolvido, principalmente nas regiões de extensas fronteiras e grandes dificuldades logísticas como a Amazônia. “Sem dúvida, o militar indígena traz contribuições inerentes à sua origem para o exercício militar, principalmente para a doutrina de combate de pequenas frações e de tropas especiais em ambiente de selva”, afirmou o Coronel do Exército Brasileiro (EB) Irtonio Rippel, gerente da Divisão de Pessoal Militar do Ministério da Defesa.
“Conhecimentos próprios da cultura indígena sobre como obter água e alimentos naturais, como se deslocar na selva de forma rápida e discreta, como emboscar, orientar e combater de modo furtivo, são muito importantes, peculiares e, muitas vezes, característicos de determinada região da Amazônia”, continuou o Cel Rippel. “O mesmo acontece em relação aos povos indígenas do Pantanal.” A região é a maior planície de extensão de áreas alagadas do mundo, com cerca de 250.000 quilômetros quadrados, que se estende em uma proporção de 62 por cento pelo Brasil, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e o restante entre Bolívia e Paraguai.
Experiência indígena
O Cel Rippel contou que os militares indígenas estão não só nos pelotões de fronteira, mas também nos batalhões de infantaria de selva e em outras unidades e subunidades das cidades da Amazônia, como Barcelos, Cruzeiro do Sul e Tefé. Segundo ele, isto é essencial, pelo importante conhecimento tradicional que trazem. “Nos pelotões de fronteira, a incorporação de jovens indígenas acarreta a imediata identificação e o compromisso de apoio mútuo entre a comunidade e uma pequena unidade militar”, explicou o Cel Rippel.
São Gabriel da Cachoeira fica na região noroeste do estado do Amazonas, a 860 km da capital, Manaus, e faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Mais de 92 por cento de seu território é classificado como terras indígenas e 76,6 por cento de sua população são indígenas. O município é dividido em 23 etnias, três idiomas oficiais (tukano, baniwa e nheengatu), além do português, e sete diferentes territórios indígenas.
Além dos conhecimentos natos, a facilidade com os diferentes dialetos das tribos torna os indígenas militares ainda de maior valor para as Forças Armadas, facilitando a comunicação como tradutores e negociadores entre militares e a comunidade. Os conhecimentos dos militares indígenas sobre sobrevivência e combate na selva foram incorporados aos cursos promovidos pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva, unidade sediada em Manaus que forma militares de elite do EB e é referência internacional em técnicas de combate em ambiente de floresta.
Os números de militares de etnia indígena nas Forças Armadas podem ser bem superiores aos registrados oficialmente, já que no Brasil a etnia é autodeclarada. Na Força Aérea Brasileira, por exemplo, apenas 165 dos 65.500 militares se autodeclararam indígenas. Já no EB, o número é de 369 entre o contingente total de 220.000.
“São muito mais do que os que se autodeclaram. Hoje em dia, a questão de você ser índio para muita gente é uma questão de dignidade, de orgulho. Eu acho que 80 por cento se dizem orgulhosos ao se declararem indígenas aqui nessa área”, afirmou o Primeiro-Sargento do EB José Maria Nascimento, de etnia Baré, nascido na comunidade indígena do Alto Rio Negro, um dos territórios indígenas de São Gabriel da Cachoeira, onde serve atualmente. “Nas pequenas cidades, comunidades e aldeias da Amazônia Ocidental, a população é predominantemente indígena”, disse o Cel Rippel.
A possibilidade de o indígena ser incorporado como militar abre um horizonte de oportunidades para ele, como acesso à educação formal, cultura, ao civismo, à assistência médica, odontológica e social, além de formação técnica profissional, segundo o Cel Rippel. Ele contou que em muitos locais o salário de recruta transforma o jovem em uma das pessoas mais bem remuneradas de sua família ou comunidade.
“Eu vejo que é um grande espaço que nós principalmente temos para um meio de sobrevivência. Eu vejo também minha filha ter oportunidade de estudar hoje no Colégio Militar. Ela tem a vontade de seguir a carreira militar”, afirmou o 1º Sgt Nascimento.
Somos todos iguais
O 1º Sgt Nascimento deixou o Alto Rio Negro e se mudou para São Gabriel da Cachoeira para dar continuidade aos estudos, já que na comunidade indígena só eram disponibilizados até o terceiro ano do fundamental. Mais tarde ele entrou no Exército, e em 2005, fez faculdade de Matemática na Universidade do Amazonas. O 1º Sgt Nascimento voltou a reserva do EB.
O General-de-Brigada do EB Franklimberg Ribeiro de Freitas, de etnia Maués, é o primeiro militar indígena a alcançar essa patente. Ele foi nomeado em maio para presidir a Fundação Nacional do Índio. A 1º Tenente do EB Sílvia Nobre, da etnia Waiãpi, no estado do Amapá, é a primeira mulher indígena a atingir o oficialato. Ela é chefe do Serviço de Medicina Física e Reabilitação/Fisioterapia do Hospital Central do Exército, o maior hospital militar da América Latina. Estes exemplos mostram que os indígenas estão conseguindo alcançar círculos hierárquicos mais altos nas Forças Armadas.
“A carreira militar é uma carreira aberta para qualquer etnia”, disse o 1º Sgt Nascimento. “Nós já temos muitos militares de origem indígena com patente alta aqui: médicos, psicólogos, primeiros tenentes, capitães, majores. A inclusão do homem indígena no Exército já rendeu muitos frutos, sim”, concluiu.
Fonte: Diálogo Américas