Um estudo alerta para a importância dos igarapés da Amazônia e as fragilidades da legislação brasileira no que diz respeito à proteção desses cursos d’água. Abrigo de alta diversidade de espécies da fauna aquática, os igarapés ocupam 80% da área das bacias hidrográficas e sua defesa requer ações coletivas dos setores públicos e privados.
Pesquisa realizada em 83 igarapés (com até três metros de largura) nos municípios de Santarém e Paragominas, no Pará, destaca a importância desses pequenos cursos d’água para a conservação da biodiversidade em regiões de expansão agropecuária. Responsáveis pela conexão entre os ambientes terrestres e aquáticos, os igarapés também são impactados por atividades antrópicas que ocorrem em áreas distantes de suas margens. Em artigo recente, cientistas apontaram fragilidades nas leis ambientais brasileiras na proteção dos riachos de pequeno porte, fundamentais para humanos.
O trabalho foi realizado por cientistas da Rede Amazônia Sustentável (RAS), que reúne mais de 30 instituições do Brasil e do exterior com o objetivo de pesquisar temas relacionados a conservação e o uso sustentável da terra na região amazônica. Os resultados da pesquisa foram publicados no periódico britânico Journal of Applied Ecology. Leia o artigo na íntegra, clique aqui. A RAS é coordenada por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, Lancaster University, Manchester Metropolitan University, Stockholm Environment Institute e o Museu Paraense Emílio Goeldi.
Legislação – Os mecanismos legais que o Brasil dispõe atualmente não protegem adequadamente os igarapés. No Código Florestal, por exemplo, a previsão de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de mata ciliar nas propriedades privadas busca salvaguardar os cursos d’água, no entanto, ignoram impactos provocados por ações que ocorrem distantes das margens dos igarapés e que também ameaçam a fauna aquática.
Entre as ações antrópicas danosas a integridade dos igarapés estão: a redução da cobertura florestal na microbacia de drenagem, o que provoca o aumento de temperatura da água; a queda na disponibilidade de oxigênio; o aumento de sedimentos nos igarapés, provocando turbidez da água, reduzindo a profundidade do canal e alterando habitats importantes para os animais aquáticos. Nessa lista, também entra a perda conectividade aquática resultante de construções de estradas de terra.
A pesquisa menciona outra fragilidade do Código Florestal: a lei permite que uma área desmatada em determinada propriedade seja compensada em qualquer lugar do bioma. Todavia, os especialistas alertam que a restauração deve ocorrer localmente, seja pela recuperação em áreas altamente desmatadas ou pela compensação na mesma bacia hidrográfica (ainda que fora da propriedade). Os autores do artigo acrescentam que o foco do Código Florestal nas APPs de mata ciliar não deve diminuir a necessidade de manter e restaurar a vegetação nativa em áreas mais distantes dos cursos d’água, ou seja, nas reservas legais.
A Drª Cecília Gontijo Leal , bolsista de capacitação institucional da Coordenação de Zoologia do Museu Goeldi, líder do estudo, destaca que a conservação dos igarapés é essencial para o bom funcionamento das microbacias hidrográficas das quais fazem parte. Para as comunidades humanas, os igarapés fornecem água potável, propiciam irrigação de cultivos, fornecem peixes para consumo e ornamentação, são vias para as canoas e também áreas de lazer.
Diversidade – Os pequenos e diversos cursos de água sustentam uma rica variedade de vidas – em um trecho de 150 metros os pesquisadores registraram até 44 espécies de peixes. Cecilia, pontua que, mesmo igarapés próximos, distantes poucos quilômetros uns dos outros, mas que fazem parte da mesma bacia hidrográfica, podem abrigar conjuntos de espécies bastante diferentes. “O que significa que manter alguns poucos igarapés dentro de unidades de conservação não é suficiente para proteger tamanha biodiversidade”, destaca a pesquisadora do Museu Goeldi.
Os estudos nos pequenos cursos de água dos municípios de Santarém e Paragominas inventariaram cerca de 143 espécies. Já foi descrita uma nova espécie de peixe e, nos próximos anos, é possível que sejam apresentadas mais 5 a 10 novidades para a ciência. Os exemplares coletados foram depositados nas coleções do Museu Goeldi (Belém) e do INPA (Manaus).
Interesse coletivo – A conservação dos igarapés em paisagens de floresta e agropecuária demanda articulações coletivas em vários níveis, pois, um curso de água pode cruzar várias propriedades. Dois co-autores do trabalho liderado por Cecília, Jos Barlow (Universidade de Lancaster e pesquisador associado do Museu Goeldi), e Paulo Pompeu (Universidade Federal de Lavras) também chamam atenção para a necessidade de expandir a conservação dos igarapés para além das unidades de conservação.
“As propriedades privadas têm papel importante na conservação dos cursos d’água da Amazônia, já que as unidades de conservação não vão dar conta do recado sozinhas. É fundamental que a conservação dos igarapés seja também garantida além dos parques e demais reservas públicas”, afirma Barlow.
Paulo Pompeu complementa a fala de seus colegas, alertando para a complexidade da conservação dos igarapés, pois, eles, “representam parcela importante da biodiversidade do planeta, já que quase 10% dos vertebrados do planeta são peixes de água doce da Amazônia”.
Rede Amazônia Sustentável – Fundada em 2009, a Rede Amazônia Sustentável (RAS) reúne cerca de 100 pesquisadores, representando de 30 instituições no Brasil e do exterior. Seu objetivo é avaliar as consequências ambientais e sociais da mudança no uso da terra na Amazônia oriental brasileira. O trabalho da RAS é uma avaliação socioecológica de fôlego na região amazônica, e os especialistas fazem questão de disseminar e torná-la disponível para gestores e interessados de diversas maneiras. Acompanhe o trabalho da RAS em RAS – Rede Amazônia Sustentável (ras-network.org)
“Nosso conhecimento sobre ecossistemas tão emblemáticos da paisagem amazônica ainda é bastante limitado. Assim é fundamental contarmos com mais investimentos na ciência e em estudos que avaliem as paisagens em grande escala nesse bioma de importância mundial”, finaliza Cecília Leal, reforçando a importância fundamental das parcerias nacionais e internacionais para a realização de estudos que proporcionam uma visão sistêmica da ecologia terrestre e aquática no bioma amazônico.
Texto: Rede Amazônia Sustentável com a colaboração da Agência Museu Goeldi.
FONTE: MUSEU GOELDI
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