“Os invasores estão marcando território, querem ocupar e levar nossa terra”, relata líder do povo Karipuna; com 40 integrantes, grupo corre risco de genocídio em Rondônia.
Com suas únicas espingardas penduradas sobre os ombros, dois indígenas caminham silenciosamente pelas suas terras na Floresta Amazônica, buscando atividades ilegais. Eles dizem que, desde 2015, seu território – onde vivem com cerca de 40 outros Karipuna no estado de Rondônia, no noroeste do Brasil – tem sido cada vez mais alvo de madeireiros ilegais e camponeses.
O clima é tenso. Nesta parte da Amazônia, os grupos de extração ilegal que operam na região são conhecidos por estarem armados e serem violentos – geralmente estão ligados a grandes e poderosas redes criminosas.
Quando os dois indígenas descem uma colina, de repente a floresta se abre em uma grande clareira. É uma cena de devastação: dezenas de grandes árvores foram cortadas e o mato foi incendiado. Os membros da tribo procuram por indícios de quem esteve aqui e quando. Eles encontram embalagens de alimentos descartadas e dizem que devem ser dos madeireiros.
Escalada da violência
Um aumento da violência contra indígenas e trabalhadores rurais na Amazônia brasileira acompanhou o aumento do desmatamento em áreas protegidas. Os números falam por si.
Os recursos transferidos para a Funai foram reduzidos em 44%. O desmatamento nas unidades de conservação da Amazônia aumentou 22% entre agosto de 2016 e julho de 2017, segundo o Imazon. Em meio à desaceleração econômica, o desmatamento geral da Amazônia caiu 16% no mesmo período, de acordo com dados do Prodes, mas apenas depois de crescer 27% e 24% dois anos antes. O desmatamento permanece significativamente acima da baixa de 2012.
Enquanto isso, o número de mortes por conflitos de terra foi de 64 de janeiro a novembro de 2017 – em comparação com 61 em 2016 -, sendo 49 na Amazônia, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
“Infelizmente, a violência sempre foi a marca principal do modelo econômico que vigora na Amazônia, contando por vezes com a omissão do Estado brasileiro. É urgente e necessário a construção de um novo modelo econômico para a região, capaz de respeitar os direitos dos povos indígenas, camponeses e populações tradicionais, bem como valorizar a biodiversidade local”, avalia Danicley de Aguiar, especialista do Greenpeace em Amazônia.
Para líderes da sociedade civil, a violenta disputa por terras e recursos entre madeireiros e camponeses é alimentada pela influência política da bancada ruralista sobre o governo, que cresceu significativamente na última década e, especialmente, desde que Michel Temer assumiu a cadeira da presidência em 2016.
“O domínio do agronegócio no governo – e com as medidas que estão empurrando – cria incentivos e um senso de proteção para aqueles que cometem esses crimes”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Visitamos o território indígena Karipuna em Rondônia na região chamada de “arco de desmatamento” – onde a fronteira agrícola avança sobre a floresta. Desde 2015, os indígenas afirmam que suas terras são cada vez mais alvo de madeireiros e grileiros.
“Os invasores estão marcando território, querem ocupar e levar nossa terra”, diz Adriano Karipuna, um dos líderes da comunidade, enquanto patrulha sua terra para verificar atividades ilegais.
Procuradores federais começaram a trabalhar em um processo envolvendo a terra de Karipuna, depois que Adriano apresentou uma queixa de que ele e sua família estavam recebendo ameaças de morte.
Cerca de 40 Karipunas vivem no território de 153 mil hectares demarcado pelo governo brasileiro em 1998. A maior parte do grupo morreu de doenças após o contato com colonizadores amazônicos na década de 1970.
“Devido a seu tamanho reduzido, este grupo corre o risco de genocídio se medidas fortes não forem tomadas imediatamente para impedir os invasores”, adverte Buzatto. O último relatório anual de Cimi observou invasões de territórios indígenas: foram 59 em 2016, sendo 12 em Rondônia. Em 2015, esse número foi de 54. Buzatto acredita que os números de 2017 provavelmente serão piores. “Meu maior medo”, diz Adriano Karipuna, “é que seremos expulsos de nossa terra”.
Desmatamento de terras protegidas
Proporcionalmente, Rondônia é o estado amazônico mais desmatado do Brasil. De 1988 a 2017, perdeu 59.113 km2 de cobertura florestal, conduzindo um conflito violento sobre o que resta.
“Praticamente não há terras produtivas remanescentes, então a corrida [pela terra] está a qualquer custo”, diz Maria Petronila, coordenadora da CPT em Rondônia. Ela acrescenta no estado houve 15 assassinatos por conflitos de terra este ano.
A taxa de desmatamento em Rondônia permanece alta: aumentou 31% em 2015 e 54% em 2016 antes de cair ligeiramente em 9% este ano como a batalha pelo que continuou intensificado.
Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, diz que, com poucas florestas, os madeireiros em Rondônia frequentemente visam áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. Dados do Imazon mostram que, entre 2012 e 2015, o estado tinha três das cinco unidades de conservação da Amazônia mais desmatadas. Uma delas era justamente uma área que faz fronteira com a terra Karipuna.
Os cortes de orçamento na Funai – uma base de apoio no território Karipuna foi abandonada – permitiram que madeireiros se instalassem com mais facilidade na região.
De acordo com os dados obtidos pelo Cimi do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), 1.046 hectares foram desmatados da terra de Karipuna entre janeiro e agosto deste ano, contra 586 hectares em 2016.
Mais rentável do que a droga
Daniel Lobo, promotor federal em Porto Velho e que atua no caso da Karipuna, diz que grande parte da madeira segue para serrarias irregulares no distrito vizinho União Bandeirantes. “Na região, a exploração madeireira é mais rentável do que a droga, e com muito menos risco”, afirma.
Em agosto, Lobo trabalhou no caso em que a Polícia Federal prendeu membros de um grupo que teriam lucrado cerca de R$ 20 milhões com a exploração madeireira ilegal em áreas florestais protegidas e terras indígenas em Rondônia.
Entre os detidos estavam empresários locais e policiais militares. Ele diz que as conexões políticas são comuns para grupos ilegais de exploração madeireira. De acordo com Lobo, a madeira vai para o sul do Brasil ou para o exterior. Para ele, essa situação é intensificada também pelo sistema de registro de madeira facilmente fraudulento e pela falta de recursos para inspeções.
Retrocesso e mais retrocesso
No governo, a bancada ruralista vem pressionando para reduzir as áreas de proteção florestal e aprovar medidas que enfraqueçam os direitos indígenas. Em julho, Temer assinou a proposta do Marco Temporal que reconhece apenas as terras indígenas ocupadas antes de 1988, congelando efetivamente centenas de demarcações que estão na lista de espera.
Em maio deste ano, 13 membros da tribo indígena Gamela no estado do Maranhão sofreram um ataque de agricultores locais armados em uma disputa sangrenta de terras. O incidente levou a ONU e peritos indígenas interamericanos em junho a alertar que “os direitos dos povos indígenas estão sendo atacados no Brasil”.
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