Após o primeiro módulo da formação continuada de Agentes Ambientais Indígenas Apurinã, as atividades do projeto Gestão Territorial Indígena no Sul do Amazonas, desenvolvido pelo IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil) e que conta com o apoio do Fundo Amazônia, tiveram sequência em diálogo com as técnicas e conteúdos abordados durante o curso. Cada turma de AAI voltou para suas aldeias, apresentou o que foi discutido e propôs um planejamento das próximas ações, entre elas as excursões de vigilância indígena.
Como parte das atividades do projeto, os Agentes Ambientais Indígenas foram capacitados em cartografia e uso de GPS e tiveram a oportunidade de travar um debate com a Coordenação Geral de Monitoramento Territorial da FUNAI sobre os alcances e limites da vigilância, que é uma ação complementar à fiscalização do Estado, feita sem poder de polícia, para levantar informações relevantes a serem repassadas aos órgãos responsáveis.
Através de metodologias participativas também tiveram a chance de protagonizar o planejamento das excursões e muitos jovens puderam conhecer regiões de suas Tis que nunca tinham visitado, como áreas de aldeias antigas, castanhais de outras famílias, barreiros importantes e lugares míticos. Além de monitorar o território e identificar locais de invasão, os AAI têm dessa forma a oportunidade de trocar saberes e conhecer mais a história de seu povo.
RELATOS
Os AAI da TI Km 124, junto ao técnico de campo do IEB Leandro Borges, visitaram os limites da linha seca ao sul da TI, cercados por fazendas que avançam a área demarcada. Encontraram um marco georreferenciado que não estava em sua localização oficial segundo os dados da FUNAI, podendo ter sido reinstalado 200 metros adiante. Na TI Água Preta/Inari os AAI seguiram no linhão do igarapé Sucuriju. A equipe foi formada por 17 pessoas, composta pelos 10 agentes ambientais indígenas, o coordenador técnico local da Funai e cinco comunitários da Terra Indígena mais experientes. Já na TI Caititu, a equipe de AAI indígena escolheu o rio Pussiari que dá acesso às áreas de castanhais em que algumas famílias viram aviões de pequeno porte passando e pousando. Na TI Boca do Acre a vigilância ocorrerá nessa semana na área ao fundo da TI, onde se encontra um barreiro bastante atacado por caçadores ilegais.
As comunidades sentem a pressão do entorno e o avanço do desmatamento, assim como interferências climáticas que afetam seus plantios e rios e igarapés. Segundo a técnica de campo Elaine Wanderley, na T.I. Caititu algumas famílias viram aviões de pequeno porte pousando em proximidade de seus castanhais e ouviram barulho de motosserra durante o trabalho de limpeza dos castanhais. Relatam que sentem medo de qualquer encontro furtivo com os invasores. A TI Boca do Acre e km 124 são ilhas de floresta cercadas por um mar de fazendas a se perder de vista.
A falta de investimentos para fiscalizar e combater com eficiência o avanço ilegal de atividades madeireiras contribui para o crescimento do desmatamento. Muitas picadas foram abertas nos últimos anos, com técnicas que dificultam o monitoramento remoto via satélite.
Na T.I. Água Preta/Inari foram registradas ocorrências como propriedades particulares adentrando a terra, presença de caçadores externos e destruição de igarapés devido a queimadas. A descoberta de um ramal de aproximadamente 300 metros no limite da terra indígena causou ainda mais preocupação devido ao seu potencial de invasão. O agente ambiental da aldeia Kasiriki, Marciano Apurinã, avaliou que a excursão de vigilância “foi muito boa porque agora a gente sabe onde começar a vigiar. A maioria de nós não conhecia essa parte da terra e não sabia o que estava acontecendo lá e nem podia ir até lá porque estava muito cerrado. Pra ir sozinho dá medo porque é perigoso, tem até tiro na placa da terra indígena. Mas indo todo mundo junto dá mais coragem e podemos assim repassar as informações para as lideranças tomarem providencias junto à polícia”. Durante toda a expedição no Água Preta, os agentes foram orientados sobre como se posicionar diante dos agentes externos encontrados e o diálogo foi apontado como a ferramenta principal da a atuação do agente.
“Uma palavra que define a primeira ação de vigilância na terra indígena Água Preta/Inari é partilha. Partilha de tarefas, de confiança mútua, de conhecimento sobre um território que era visto, porém desconhecido por vários agentes indígenas. Partilha de reflexões sobre como resolver os problemas que ameaçam o território, mas que alguns indígenas só conheciam de relatos. Foi também um momento de muito otimismo e de fortalecimento desse grupo de pessoas que está se unindo e se informando para cada vez mais qualificar a sua luta em defesa do seu território e de um futuro melhor”, avalia a técnica de campo Chris Lopes, que acompanhou a mobilização da comunidade e reforçou os conteúdos tratados durante o curso.
É importante frisar que a vigilância indígena é uma prática de monitoramento territorial promovido pelas próprias comunidades e lideranças indígenas nos locais mais distantes, nas linhas secas e pontos vulneráveis, com ou sem o apoio da FUNAI.
FONTE: IEB
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