Aldeia Jarinal dos índios Kanamari (Foto: Funai)

Terra Indígena Vale do Javari é alvo da invasão de garimpeiros, caçadores e do narcotráfico 

O Ministério Público Federal no Amazonas solicitou investigação da Polícia Federal para apurar a denúncia de um suposto massacre contra índios isolados denominados Warikama Djapar na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Os índios Kanamari denunciaram as mortes de 18 a 21 isolados em um ataque a mando de um produtor agrícola. A Fundação Nacional do Índio (Funai) não confirma a informação e diz que aguarda o resultado de uma expedição no território, que faz fronteira com o Peru.

Segundo a assessoria de imprensa do MPF, o despacho com a solicitação de investigação do suposto massacre foi enviado nesta terça-feira (29) e pede que a apuração do caso seja conduzida pela unidade da PF de Manaus. O massacre teria ocorrido, conforme as informações dos Kanamari, na parte sul da TI Vale do Javari, na região dos rios Jutaí e Jutaizinho.

Há também investigações na região do rio Jandiatuba, afluente do rio Solimões, onde a base da Fundação Nacional do Índio (Funai) está desativada por falta de recursos. Segundo a Funai, a área do Jandiatuba também tem registro de outro grupo de índios isolados e sofre forte pressão de garimpo ilegal.

Apesar da denúncia ter chegado nesta terça-feira à PF do Amazonas, o caso já vem sendo investigado pela delegacia da Polícia Federal de Cruzeiro do Sul (AC). O delegado Fabrício Santos da Silva disse à Amazônia Real que um procedimento foi aberto a pedido do MPF do município de Tabatinga (Alto Solimões, na tríplice fronteira) e da Coordenação Técnica Local da Funai no município de Eirunepé (a 1.160 quilômetros de Manaus), na divisa com Acre.

Outros dois procedimentos já haviam sido instaurados pelo MPF: um para apurar o agravamento da situação de vulnerabilidade dos povos indígenas em razão de extinção de cargos da Funai e outro que acompanha medidas de assistência ao índios de recente contato Tyohom Djapar, que vivem com os Kanamari da aldeia Jarinal, também na TI Vale do Javari.

Índios deram alerta

De acordo com a liderança Adelson Kora Kanamari, em entrevista à Amazônia Real, nos meses de maio ou junho deste ano, entre 18 e 21 índios Warikama Djapar teriam sido atacados e mortos a mando, supostamente, de um produtor agrícola que invade terras da TI Vale do Javari. Segundo o coordenador técnico da Funai em Eirunepé, Arquimimo Amaral dos Santos, a casa deste produtor fica à margem do Igarapé Jordão, afluente do Jutaizinho, em um varadouro (caminho na mata) que dá acesso à terra indígena.

Segundo a liderança indígena, um funcionário deste produtor é que teria repassado aos Kanamari os relatos sobre as mortes dos isolados e depois fugiu. A informação sobre as mortes dos índios Warikama Djapar foi dada em matéria publicada em julho passado pelo site Outras Palavras.

Adelson Kora Kanamari disse à Amazônia Real que as mortes dos índios Warikama Djapar foram relatadas durante a assembleia da etnia ocorrida entre os dias 6 e 8 de junho na aldeia Paraíso, na Terra Indígena Kanamari, na região do Médio Juruá (na jurisdição do município de Eirunepé). As mortes foram novamente confirmadas a ele no dia 11 deste mês por outro indígena, Djó-Ó Kanamari, da aldeia Jarinal, a mais próxima da região dos rios Jutaí e Jutaizinho.

“Tem invasores na terra indígena há muito tempo, mas agora está mais grave. A região está com problema, a situação está muita crítica. São fazendeiros, caçadores, garimpeiros. Muitos isolados estão sendo mortos, mas não sabemos ao certo as datas e nem o número exato de mortos”, disse Adelson Kora Kanamari. 

Expedição procura confirmar mortes 

Neste mês de agosto, a Funai iniciou uma expedição na parte sul da TI Vale do Javari, na região dos rios Curuena, Jutaí e Juruá. A expedição tem duas missões: identificar isolados da etnia Korubo que vivem na área do rio Curuena, afluente do Jutaí, e também qualificar as informações referentes às mortes dos Warikama Djapar, nos rios Jutaí e Jutaizinho.

A Amazônia Real apurou que a expedição da Funai, coordenada pelo indigenista Bruno Pereira, chegou na aldeia Jarinal no último sábado (26) e nesta segunda-feira (28) seguiu com um grupo de índios Kanamari para a área de trânsito dos índios Warikama Djapar para averiguar as informações sobre as mortes dos isolados.

Na semana passada, esta mesma expedição da Funai também encontrou mais de 40 dragas de garimpo no entorno da Terra Indígena Katukina do rio Biá, afluente do rio Jutaí.

Homologada em 2001, a TI Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares. Está na jurisdição de Atalaia do Norte (a 1.138 de Manaus), mas também abrange outros três municípios do Amazonas (Jutaí, São Paulo de Olivença e Benjamim Constant). A parte sul, contudo, está mais próxima de Eirunepé.

A TI Vale do Javari possui pelo menos 14 referências de índios isolados, segundo a Funai, entre eles os Korubo e os Warikama Djapar. Há cinco etnias contatadas, formando uma população de cerca de 5 mil pessoas: Marubo, Kanamari, Kulina, Mayoruna e Matís. Os Tyohom Djapar são considerados de recente contato. Há também um pequeno grupo de índios Korubo contatado pela primeira vez em 1996 pelo sertanista Sydney Possuelo. Ele é conhecido como Grupo da Maiá.  

Cacique denuncia invasores 

É comum nas comunidades indígenas da Amazônia ser o orelhão o único meio de comunicação. Foi assim que a Amazônia Real conseguiu entrevistar o cacique Topyana Kanamari, da aldeia Jarinal. Ele disse que é frequente as invasões de caçadores na terra indígena. “Eles entram no território para matar animais silvestres e vender a carne na cidade. Eles vêm aqui e voltam para ‘a rua’ (a cidade de Eirunepé) para vender. Caçam, matam, salgam a carne”, disse o cacique.

Topyana contou que os caçadores também roubam os ovos de espécie de quelônios como tracajá, comuns nas praias durante a vazante na bacia dos rios que cortam a TI Vale do Javari.

A aldeia Jarinal tem uma população de 140 pessoas. Entre elas, cerca de 30 são índios Tyohom Djapar (Povo Tucano). A aldeia fica no extremo sul da TI Vale do Javari. Seus moradores costumam se deslocar até Eirunepé em viagens que levam de seis a oito dias pelo rio e a pé pela mata.

O cacique Topyana revelou que há duas semanas estava caminhando com outros indígenas e encontrou uma cabana com mantimentos de caçadores, entre eles canoa, motor, armas e pólvoras. O cacique disse que apreendeu os objetos e levou para a aldeia para entregar à equipe da Funai quando ela chegar na aldeia Jarinal.

“O caçador nunca para. Há muito tempo o branco faz isso. A gente já falou e cobrou da Funai. São muitos problemas. Eles roubam madeira. A Funai diz que não tem recurso, não tem isso, não tem aquilo, que as aldeias ficam longe. Mas acho que mesmo com pouco recurso, tem que fazer, tem que nos ajudar. A Funai tem que vir na nossa aldeia conversar. A gente está esperando. Eu falei ‘vamos na aldeia, vamos conversar com parente, comer batata, beber garapa de cana’. Aqui na aldeia tem todas as frutas, tem fartura. Mas a gente precisa de ajuda para não entrar invasor”, afirmou o cacique Topyana.

Sem ajuda dos órgãos federais, são os próprios indígenas que tentam se proteger. “Já lutemos e estamos lutando. Quem está fazendo tudo é só eu, os parentes e a Raimundinha (Raimunda Kanamari, professora da aldeia), que é minha irmã. Estamos fazendo tudo só nós, Kanamari. Quando vamos pra cidade, é uma viagem de seis dias de um rabeta (canoa com motor). Depois, a gente pega um varadouro, mais um dia a pé. Aqui não é brincadeira, é muito difícil”, afirmou o cacique Topyana Kanamari.  

Funai sem recursos para proteção

A expedição da Funai no rio Curuena já estava prevista há cinco meses, segundo Gustavo Sena, coordenador da Frente Etnoambiental Vale do Javari. O objetivo é localizar e monitorar índios Korubo que estariam andando fora da terra indígena. A intenção da Funai é fazer uma restrição de uso do local, um procedimento administrativo para iniciar o processo de delimitação e ampliação do território.

A Funai tem 12 Frentes Etnoambientais de monitoramento e vigilância de índios isolados na Amazônia. Os recursos já eram escassos e diminuíram mais ainda com os cortes orçamentários feitos pelo presidente Michel Temer (PMDB). No Vale do Javari, a Funai possui bases (instalações que atuam como postos de vigilância) nos rios Ituí, Quixito e Curuçá. Uma quarta, a Base do rio Jandiatuba, afluente do rio Solimões, está desativada.

Segundo Gustavo Sena, a parte sul do Vale do Javari, na região do rio Jutaí (onde os Kanamari afirmam que ocorreu o ataque e morte dos Warikana Djapar) nunca teve histórico de atuação da Frente Etnoambiental.

“O trabalho dessas bases está enfraquecido devido aos cortes do orçamento. A gente teve uma redução da nossa capacidade de execução do trabalho. Isso impacta na proteção dos isolados. A terra indígena é invadida e os isolados ficam à mercê dos invasores. Pode acontecer conflitos e tem a questão da exploração dos recursos. A gente tenta fazer a proteção para manter a abundância de recurso para os isolados terem como sobreviver e os outros povos também”, afirmou.

A instituição está precarizada financeira e humana. A Frente do Vale do Javari tem apenas 10 funcionários para atuar em um território de 8,5 milhões de hectares. Dos 25 que entraram na Frente no concurso da Funai em 2010, ficaram sete pessoas”, afirma. Para ele, os isolados estão “mais vulneráveis do que nunca”.

Sem dinheiro, as ações (expedições, reuniões, etc) da Frente Etnoambiental Vale do Javari são financiadas com recurso internacional captado pela organização não-governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Segundo Gustavo Sena, para viabilizar e executar ações de vigilância e monitoramento na TI Vale do Javari com recursos da própria Funai, seria necessário um orçamento anual de pelo menos R$ 1 milhão. 

Pressão no Rio Jandiatuba

Todo o entorno da TI Vale sofre pressão externa. Segundo Sena, uma das mais preocupantes é na área do rio Jandiatuba, cujo município mais próximo é São Paulo de Olivença (oeste do Amazonas), com forte presença de garimpeiros. A área é habitada por um outro grupo isolado ainda sem identificação pela Funai mas conhecido por outros povos como “índios flecheiros”.

“Quem invade é garimpeiro. O garimpo é fora, mas impacta a terra indígena. Tem aumentado muito o número de draga no rio Jandiatuba. E temos relatos de que há dragas acima onde começa a terra indígena”, afirmou Gustavo Sena.

O coordenador Técnico Local (CTL) da Funai em Eirunepé, Arquimimo Amaral dos Santos, diz que o corte nos recursos impede a realização de expedições de vigilância.

“Estou sem receber nenhum centavo para a manutenção da CTL. Aqui sou só eu e outro funcionário. Isso para trabalhar com uma população de cinco mil índios de quatro cidades (Eirunepé, Ipixuna, Envira e Itamarati) e 70 aldeias em uma área de 1,5 milhão de hectares. Tem invasão, os caras estão entrando, estão caçando, mas não podemos ir porque não temos combustível para nos movimentar”, afirmou. 

Orçamento teve cortes

Segundo a assessoria de imprensa da Funai, o orçamento da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) para 2017 que foi descentralizado (liberado) até o momento é de R$ 2.013.358,00. A CGIIRC aguarda a liberação da emenda parlamentar do deputado Chico Alencar (PSOL) no valor de R$ 480,000.

Já o planejamento para 2017 para a manutenção das bases da Frente Etnoambiental Vale do Javari em 2017 foi de R$ 690.000. Mas devido aos cortes e contingenciamentos, até o momento foram liberados R$ 251.895,34 para a FTVJ.

Indagada sobre a situação orçamentária de atenção aos índios isolados do Vale do Javari, a CGIIR respondeu o seguinte: “a situação enfrentada pela FPEVJ é a mesma que todas as outras 11 da CGIIRC. Infelizmente, no presente momento, não temos mais nenhum recurso disponível para descentralização”, respondeu.

Procurado para falar sobre a atuação do Cento de Trabalho Indigenista (CTI), o coordenador Conrado Octavio, afirmou que a organização tem um projeto etnoambiental de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Amazônia desde janeiro de 2016 que conta com apoio financeiro do Fundo Amazônia, com um total de R$ 19.043.326,55.

Ele afirma que no Vale do Javari o projeto do CTI tem apoiado, dentre outras ações, iniciativas de vigilância e monitoramento territorial indígenas; expedições e sobrevoos de localização e monitoramento de povos/grupos isolados realizadas pela FPE Vale do Javari e intercâmbios para trocas de experiências entre povos.

Para Conrado Octavio, a vulnerabilidade dos indígenas é um dado estrutural em função do histórico de colonização e modelos de desenvolvimento adotados pelos Estados nacionais, intimamente relacionados aos interesses sobre os territórios indígenas por parte de setores do agronegócio, da grilagem e especulação fundiária, da mineração, de empreendimentos de infraestrutura de modo geral e de diversas cadeias produtivas ilícitas, além da ação proselitista missionária.

“Essas pressões não são exclusividade do momento atual, embora seja assustador o caráter totalmente despudorado que iniciativas destes setores têm assumido no presente, e a liberdade com que têm ocupado e comandado setores estratégicos do governo federal especialmente afetos aos povos indígenas no Brasil. Os efeitos de tais pressões sobre povos/grupos isolados são particularmente graves e implicam sérios riscos de contágio e conflito”, disse Conrado Octavio.

FONTE: AMAZÔNIA REAL

VER  CONTEÚDO COMPLETO E FOTOS EM:

http://amazoniareal.com.br/mpf-pede-investigacao-de-denuncia-de-massacre-de-indios-isolados-do-vale-do-javari/

 

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