A reação contra críticas de Belo Monte tem sido implacável. Em 2010, Rogério César Cerqueira Leite (um influente membro do Conselho Editorial do jornal Folha de São Paulo) classificou aqueles que criticam a barragem como “pseudointelectuais”, “malabaristas”, “arrogantes”, um “exército extemporâneo de Brancaleone ” e por alguns novos termos que ele contribuiu para a língua portuguesa para a ocasião: “ecopalermas,” “ignocentes” e “verdolengos” ([1]; ver respostas: [2, 3]).

Entre outras declarações, Leite afirmou que os povos indígenas não devem ter nenhuma objeção para as barragens porque são “seminômades” e podem simplesmente pegar as suas coisas e passar para outra parte da floresta.

Um dossiê de material pró-barragem foi compilado por Bittencourt [4], que culmina implicando que os críticos de Belo Monte são marxistas. Edificação é fornecida por uma longa citação de Lenin, no sentido de que a chave para alcançar o verdadeiro comunismo é para trazer energia elétrica para toda a Rússia a fim de transformar os camponeses rurais em proletários urbanos.

Um exemplo de como as informações sobre Belo Monte foram distorcidas é fornecido por uma resposta altamente visível a críticas do projeto que tinha sido apresentada em um vídeo feito por estrelas de novela da rede Globo de televisão [5]. As estrelas de TV, de fato, cometeram alguns erros factuais ao descrever o projeto de Belo Monte, mas suas críticas básicas dos impactos sociais e ambientais estavam corretas.

O vídeo foi respondido em um contra-vídeo [6] feito por estudantes de engenharia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); cada aluno respondeu a uma afirmação diferente no vídeo das estrelas da TV.

O contra-vídeo culmina com o professor dos alunos (um ex-consultor para o consórcio de Belo Monte) declarando que Belo Monte é um grande projeto para o Brasil “em todos os aspectos: econômico, ambiental e social.” Eu recomendo o meu debate com o professor, disponível no canal Terra de televisão de internet [7].

Em resposta a uma declaração de que os povos indígenas serão afetados, um aluno respondeu que tinha feito a “pesquisa” e encontrou que não há áreas indígenas que seriam inundadas pelo reservatório de Belo Monte; claramente sua pesquisa não incluiu os impactos sobre as duas áreas indígenas a jusante no trecho 100 km de “vazão reduzida”, nem às implicações das barragens a montante que complementariam Belo Monte, como a represa de Babaquara (Altamira). Em resposta a um questionamento de Belo Monte ser fonte de “energia limpa”, outro aluno afirmou que a água que sai do reservatório seria “tão limpa quanto entrou”, pois “sai a mesmíssima água, do jeito que entrou”.

Evidentemente, os alunos haviam perdido os diversos trabalhos na literatura científica constatando altas concentrações de metano e baixas concentrações de oxigênio na água liberada por barragens amazônicas.

O contra-vídeo foi transformado em um artigo e capa da revista Veja [8]. Uma imagem de cada estrela de TV e cada aluno que respondeu é mostrada com as declarações em balões no estilo de quadrinhos, e cada um é acompanhado por um desenho de uma luva de boxe gigante “nocautiando” a estrela de TV. O artigo de capa foi reimpresso pelo consórcio de Belo Monte e amplamente distribuído em Altamira.

Infelizmente, o fato básico que Belo Monte teria um enorme impacto, muito além do que é admitido oficialmente, continua valendo independentemente do discurso. Entre estes impactos está a emissão de gases de efeito estufa. A ilustração melhor de como estes impactos ainda não conseguiram penetrar a cortina do discurso surgiu na 15a Conferência das Partes (COP) da Convenção de Clima, em Copenhague, no final de 2009, quando uma repórter do site ambientalista Amazonia.org.br entrevistou o Embaixador Extraordinário para Mudanças Climáticas, do Itamaraty, responsável pela negociação do lado brasileiro.

A Amazonia.org.br perguntou: “Mas, Belo Monte não é um dos projetos de hidrelétrica que o governo considera fontes de energia renovável e limpa?”. A resposta foi: “É sim. Mas, o que estou dizendo é que eu acho que ela [a usina de Belo Monte] não se situa na Amazônia, né? Então é outro esquema” [9].

Se pessoas-chave nas decisões sobre barragens e alterações climáticas (tais como as negociações sobre crédito de carbono para a energia hidrelétrica) nem sequer sabem que Belo Monte está localizada na região amazônica, é muito difícil imaginar que essas pessoas conhecem os detalhes de seus impactos, incluindo as emissões de gases de efeito estufa.[12]

 

NOTAS

[1] Leite R.C.C. (2010) “Belo Monte, a floresta e a árvoreFolha de São Paulo, 19 de maio de 2010, p. A-3. http://acervo.folha.com.br/fsp/2010/05/19/2/

[2] Fearnside P.M. (2010) “Belo Monte: Resposta a Rogério Cezar de Cerqueira Leite” Globoamazonia, 07 de junho de 2010. http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2010/Belo%20Monte–GloboAmazonia-Resposta%20a%20Rogerio%20Cezar%20Cerqueira%20Leite.pdf

[3] Medeiros H.F. (2010) “Fatos sobre Belo Monte” Folha de São Paulo, 01 de junho de 2010. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0106201008.htm

[4] Bittencourt F. (2012) “Um dossiê a favor de Belo Monte” Blog Luis Nassif, 29/11/2011 & 30/11/2012. http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/um-dossie-a-favor-de-belo-monte

[5] Movimento Gota d’Água (2011) “Usina Hidrelétrica de Belo Monte – Movimento Gota D’água” Youtube  https://www.youtube.com/watch?v=hzVIWvm99As

[6] Tempestade em Copo d’Água (2011) “Alunos da Unicamp apoiam Belo Monte em paródia com vídeo de globais Estudantes rebatem argumentos do vídeo dos globais e defendem a hidrelétrica de Belo Monte” Youtube 26 de novembro de 2011. http://www.youtube.com/watch?v=gVC_Y9drhGo

[7] Terra TV (2011) 06 de dezembro de 2011. Belo Monte no Programa Sustentabilidade Debate busca esclarecer a grande polêmica do momento: A construção da hidrelétrica de Belo Monte.  http://terratv.terra.com.br/videos/Noticias/Economia/Sustentabilidade/5180-393127/Sustentabilidade-Belo-Monte-06_12-Programa-completo.htm

[8] Eler A. & Diniz L. (2011) “Nocauteados pela lógica” Veja, 44 (49) 140-146. (07 de dezembro de 2011).

[9] Munhoz F. (2009) “Só aceitamos a participação do REDD no mercado de carbono se ela for limitada’, diz embaixador do Itamaraty” Amazonia.org.br, 07 dezembro de 2009. http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=337116

[10] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.

[11] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa”. In: Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.

[12] Este texto é traduzido e atualizada de [10], que foi adaptado de [11]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).

Leia os artigos da série:

Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série

Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 4 – Barragens como “energia limpa”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 5 – A “Fábrica de metano”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 6 – Coca-Cola versus Guaraná

Desinformação no EIA de Belo Monte: 7 – Barragens no Inventário Nacional de gases de Efeito Estufa

Desinformação no EIA de Belo Monte: 8 – O EIA e o aquecimento global

Desinformação no EIA de Belo Monte: 9 – A emissão inicial de metano

Desinformação no EIA de Belo Monte: 10 – A “mentira institucionalizada”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 11 – As lições de História

Desinformação no EIA de Belo Monte: 12 – Paralelos no Tapajós

 

 

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

 

FONTE: Amazônia Real