Para o bem ou para o mal, a próxima quarta-feira (16) deve se transformar em um marco da luta socioambiental no Brasil. Os ministros do Supremo Tribunal Federal decidirão nessa data o futuro dos biomas brasileiros e das demarcações de terras indígenas e quilombolas.  

Duas das sete ações a serem julgadas pelo STF tratam dos mecanismos legais para criar ou alterar unidades de conservação. Apesar de abordarem questões relativas a áreas específicas, o entendimento do tribunal sobre essas ações pode inviabilizar a criação de novas unidades de conservação no Brasil e facilitar a redução ou extinção das já existentes.

Uma das ações diretas de inconstitucionalidade foi movida em 2005 pelo então governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira. O político peemedebista procurava tornar nulos os decretos federais de criação do Parque Nacional das Araucárias, do Parque Nacional da Serra do Itajaí e da Estação Ecológica Mata Preta, sob alegação de que áreas de proteção ambiental não poderiam ter sido criadas por esse instrumento legal.

Outra ação de inconstitucionalidade a ser julgada na quarta-feira, ajuizada pela Procuradoria Geral da República em 2011, contesta o uso de medida provisória para alterar reservas ambientais. O objeto em discussão é a MP 558, que alterou os limites de parques nacionais no Amazonas, em Rondônia e no Pará para permitir a instalação de hidrelétricas nos rios Machado e Tapajós e liberar áreas de mineração.

A expectativa dos movimentos socioambientais é que o tribunal confirme as normas constitucionais. Ou seja, cabe ao poder público definir as áreas a serem protegidas em cada unidade da Federação, o que pode ser feito por meio de decreto. A alteração ou redução dessas áreas, porém, deve ser feita “somente através da lei”, segundo determinação expressa da Constituição Federal. Dessa forma, de acordo com vários juristas, apenas uma lei ordinária poderia alterar ou extinguir uma área de conservação.

A intenção dos constituintes foi claramente a de facilitar a proteção dos biomas brasileiros e dificultar que objetivos econômicos e políticos atropelem os interesses maiores da sociedade. O melhor exemplo do que pode acontecer quando propósitos privados se sobrepõem aos valores republicanos foi dado na véspera do Natal do ano passado, quando o atual governo publicou MP reduzindo os limites da Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, atendendo interesses dos especuladores imobiliários.

Os povos indígenas aguardam com apreensão a decisão do Supremo sobre três das ações cíveis na pauta da próxima quarta-feira. Elas tratam do Parque Indígena do Xingu (MT), da Terra Indígena Ventarra (RS) e das terras indígenas dos Nambikwara e dos Pareci. 

Os ministros do Supremo decidirão sobre uma tese cara aos representantes mais retrógrados do agronegócio brasileiro, a de que só devem ser reconhecidas as terras dos povos indígenas que ocupavam essas áreas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o que pode inviabilizar novas demarcações.

A ação ordinária 468 é um exemplo da importância da decisão do tribunal sobre o chamado “marco temporal”. A Funai pede que títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo gaúcho sobre a Terra Indígena Ventarra, ocupada tradicionalmente pelos Kaingang, sejam anulados. Em 1988, os Kaingang não a ocupavam, haviam sido expulsos. Após a promulgação da Constituição, conseguiram a demarcação e voltaram para sua terra, hoje devidamente homologada. A anulação dos títulos de propriedade reafirmará o entendimento de que a ocupação tradicional de um território se sobrepõe ao marco temporal. Leia mais detalhes em reportagem publicada no site do ISA (Instituto Socioambiental) .

O marco temporal também ameaça os quilombolas. Na ação 3.239, uma das duas que serão julgadas sobre essa questão, o DEM (partido Democratas) pede que seja declarada a inconstitucionalidade do decreto 4.887, que regulamenta a demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

Foram dois votos até agora. O primeiro voto, favorável à ação, foi do relator César Peluso, que já deixou o tribunal. O segundo voto, de Rosa Weber, foi contrário, mas a ministra defendeu que seja reconhecido o marco temporal. Apenas comunidades que estavam em suas terras em 5 de outubro de 1988 teriam direito à titulação. Os demais ministros devem anunciar seus votos na sessão da semana que vem. Saiba mais aqui.

Foram muitos os retrocessos promovidos pelo governo Michel Temer nas últimas semanas, entre elas a chamada “MP da Grilagem”, a redução de áreas de conservação, a suspensão de novas titulações de territórios quilombolas e a adoção oficial do marco temporal como critério para novas demarcações de terras indígenas.

É natural que aumente a expectativa da sociedade brasileira em relação às decisões que serão tomadas pelo Supremo na próxima quarta-feira. A reafirmação das conquistas socioambientais será um sinal inequívoco de que a Justiça permanece atenta às ameaças ao patrimônio natural do povo brasileiro e aos direitos dos povos indígenas e da população quilombola.

Por: João Paulo Capobianco
Fonte: O Estado de São Paulo

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