Os meus cálculos indicam um enorme pico de concentração de metano na água de Babaquara em Altamira, no Pará, nos primeiros anos oriundo da decomposição da parte mole da vegetação original e do estoque facilmente oxidado (lábil) do carbono no solo [1]. Estas fontes depois diminuem, mas, nos anos que seguem, a concentração de CH4 oscila, com um pico a cada ano quando a zona de deplecionamento é inundada. Isto representa uma emissão que seria sustentada durante toda a vida da barragem.
Uma forma de validação deste resultado vem das medidas de metano na água na hidrelétrica de Petit Saut, na Guiana Francesa, onde uma oscilação sustentada deste tipo foi encontrada desde o enchimento do reservatório em 1994 [2].
A grande emissão inicial, combinado com uma sustentação de um nível razoável de emissão ao longo dos anos, resulta em um tempo de 41 anos para o complexo de Belo Monte, também em Altamira, e Babaquara começar a ter algum benefício líquido em termos de emissões. Dada as ameaças climáticas na Amazônia e em outros lugares, este é um período demasiado longo para esperar para começar a mitigar o aquecimento global. Ademais, o prazo de 41 anos se refere a um cálculo sem nenhum valor sendo dado ao tempo.
Se algum valor for dado com mais de 1,5% ao ano de taxa de desconto, a hidrelétrica permanece pior do que combustível fóssil por mais de um século. O horizonte de tempo considerado é um fator essencial. Se for considerado apenas os primeiros 10 anos, a emissão líquida média totaliza 11,2 milhões de toneladas de carbono equivalente a carbono de CO2 por ano, ou mais que a emissão da Grande São Paulo [1]. Este valor não inclui um desconto pelo valor do tempo, que ia piorar ainda mais o quadro.
Esse cálculo considera o impacto de cada tonelada de metano como sendo apenas 21 vezes o impacto de uma tonelada de CO2 (a conversão usada pelo Protocolo de Quioto de 1997). Em 2013 o quinto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aumentou este fator de conversão para um valor de 34 (incluindo retroalimentações), ou seja, um impacto 62% maior de metano a partir de barragens, caso que for usado o mesmo horizonte de 100 anos, ou, se for considerado um horizonte temporal de 20 anos, o valor sobe para 86 ([3], p. 714).
O horizonte de 20 anos é o prazo relevante para a manutenção da temperatura global dentro do máximo de aquecimento “bem a baixo” de 2˚C acima da média pré-industrial, conforme acordado em Paris em 2015, e ainda mais considerando a aspiração no acordo de Paris de um máximo de 1,5° C (e.g., [4]). O valor de conversão de 86 efetivamente quadruplica o impacto do metano emitido pelas barragens.[7]
NOTAS
[1] Fearnside P.M. (2009) “As hidrelétricas de Belo Monte e Altamira (Babaquara) como fontes de gases de efeito estufa” Novos Cadernos NAEA, 12(2) 5-56.
[2] Abril G., Guérin F., Richard S., Delmas R., Galy-Lacaux C., Gosse P., Tremblay A., Varfalvy L., dos Santos M.A. & Matvienko B. (2005) “Carbon dioxide and methane emissions and the carbon budget of a 10-years old tropical reservoir (Petit-Saut, French Guiana)”. Global Biogeochemical Cycles, 19 GB 4007. doi:10.1029/2005GB002457.
[3] Myhre G. & 37 outros (2013) “Anthropogenic and natural radiative forcing.” In Stocker T.F., Qin D., Plattner G-K, Tignor M., Allen S.K.,.Boschung J., Nauels A., Xia Y., Bex V. & Midgley P.M. (eds.) Climate change 2013: The physical science basis. Working Group I contribution to the IPCC Fifth Assessment Report. Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido, pp. 661-740. Disponível em: http://www.ipcc.ch/report/ar5/wg1/
[4] Fearnside P.M. (2015) “Emissions from tropical hydropower and the IPCC” Environmental Science & Policy, 50 225-239. doi: 10.1016/j.envsci.2015.03.002
[5] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.
[6] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa”. In: Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.
[7] Este texto é traduzido e atualizada de [5], que foi adaptado de [6]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).
Leia os artigos da série:
Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série
Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 4 – Barragens como “energia limpa”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 5 – A “Fábrica de metano”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 6 – Coca-Cola versus Guaraná
Desinformação no EIA de Belo Monte: 7 – Barragens no Inventário Nacional de gases de Efeito Estufa
Desinformação no EIA de Belo Monte: 8 – O EIA e o aquecimento global
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
FONTE: AMAZÔNIA REAL
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