Uma questão-chave é a credibilidade do cenário oficial de ter Belo Monte como a única barragem no Rio Xingu. Desinformação é a explicação mais lógica para este cenário, a qual os adversários de Belo Monte se referem como a “mentira institucionalizada” (e.g., [1]). Este cenário está baseado na decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em julho de 2008, de que somente a Belo Monte seria construída no Rio Xingu. No entanto, há fortes indícios de que este cenário oficial não corresponde à sequência de eventos que pode ser iniciada com a construção de Belo Monte [2-4].
O CNPE é principalmente composto de ministros, e estes mudam com cada governo e podem mudar sua opinião a qualquer momento. As altas autoridades no setor elétrico nunca se conformaram com a resolução do CNPE: o Diretor-Presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) chamou a decisão de “o típico caso de dar os anéis para ficar com os dedos” [5].
O alto escalão do poder parece não haver nenhuma intenção de seguir o cenário oficial: quando a então Ministra do Meio Ambiente Marina Silva propôs uma reserva extrativista em parte da área que seria inundada pelas barragens rio acima de Belo Monte, a então chefa da Casa Civil (e depois presidente do Brasil) Dilma Rousseff vetou a proposta “porque poderia atrapalhar a construção de barragens adicionais à usina de Belo Monte” [6].
Como Presidente, Dilma Rousseff enfatizou em um discurso que o Brasil “precisa de barragens com grandes reservatórios” [7], e esta posição foi confirmada pelo atual governo [8]. Isto parece ser uma alusão para a represa de Babaquara (Altamira).[11]
NOTAS
[1] Salm R. (2009) “Belo Monte: Mentira institucionalizada” Correio da Cidadania, 04 de dezembro de 2009. http://www.correiocidadania.com.br
[2] de Sousa Júnior W.C., Reid J. & Leitão N.C.S. (2006) Custos e benefícios do Complexo Hidrelétrico Belo Monte: Uma abordagem econômico-ambiental. Conservation Strategy Fund (CSF), Lagoa Santa, Minas Gerais. 90 pp. http://conservation-strategy.org/sites/default/files/field-file/4_Belo_Monte_Dam_Report_mar2006.pdf
[3] Fearnside P.M. (2006) “Dams in the Amazon: Belo Monte and Brazil’s hydroelectric development of the Xingu River Basin” Environmental Management, 38(1) 16-27. doi: 10.1007/s00267-005-00113-6
[4] Fearnside P.M. (2012) “Belo Monte Dam: A spearhead for Brazil’s dam building attack on Amazonia?” GWF Discussion Paper 1210, Global Water Forum, Canberra, Austrália. 5 pp. http://www.globalwaterforum.org/wp-content/uploads/2012/04/Belo-Monte-Dam-A-spearhead-for-Brazils-dam-building-attack-on-Amazonia_-GWF-1210.pdf
[5] Pamplona N. (2008) “Aneel chama decisão de limitar usinas no Xingu de ‘política’” Agência Estado, 22 de julho de 2008. http://www.estadao.com.br/noticias/economia,aneel-chama-decisao-de-limitar-usinas-no-xingu-de-politica,209554,0.htm
[6] Angelo, C. (2010) “PT tenta apagar fama ‘antiverde’ de Dilma” Folha de São Paulo, 10 de outubro de 2010, p. A-15. http://acervo.folha.com.br/fsp/2010/10/10/2
[7] Borges A. (2013) “Dilma defende usinas hidrelétricas com grandes reservatórios” Valor Econômico, 06 de junho de 2013. http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3151684
[8] Borges A. (2016) Diretor-geral da ANEEL defende retorno de hidrelétricas com grandes reservatórios. O Estado de São Paulo, 30 de setembro de 2016. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,diretor-geral-da-aneel-defende-retorno-de-hidreletricas-com-grandes-reservatorios,10000078947
[9] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.
[10] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.
[11] Este texto é traduzido e atualizada de [9], que foi adaptado de [10]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).
Leia os artigos da série: Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série
Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 4 – Barragens como “energia limpa”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 5 – A “Fábrica de metano”
Desinformação no EIA de Belo Monte: 6 – Coca-Cola versus Guaraná
Desinformação no EIA de Belo Monte: 7 – Barragens no Inventário Nacional de gases de Efeito Estufa
Desinformação no EIA de Belo Monte: 8 – O EIA e o aquecimento global
Desinformação no EIA de Belo Monte: 9 – A emissão inicial de metano
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
FONTE: Amazônia Real
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