A partir desta quinta-feira (20/7), a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol deve ser seguida em todos os processos de demarcação de terra indígena pelo governo federal. O presidente Michel Temer aprovou parecer da Advocacia-Geral da União que manda a União seguir a decisão do STF. O texto foi publicado no Diário Oficial da União desta quinta.
Portanto, as “salvaguardas institucionais” estabelecidas pelo Supremo para o caso da Raposa Serra do Sol valem para todos os processos de demarcação de terras indígenas. Entre as salvaguardas estão a definição de que só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição, a proibição de expandir as áreas demarcadas e a determinação de que os direitos dos povos indígenas não se sobrepõem a questões de segurança nacional.
Na prática, o parecer tem força de lei. O texto, assinado pelo consultor-geral da União substituto André Rufino do Vale, vincula toda a administração pública federal e transforma a decisão do Supremo, tomada num processo subjetivo, em norma de seguimento obrigatório.
O parecer faz parte do grupo de manifestações da AGU descritas no artigo 40 da Lei Complementar 73. O dispositivo diz que, depois de aprovados pelo presidente da República, os órgãos e entidades da administração pública federal “ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento”. É uma das técnicas legislativas do Executivo Federal, ao lado da medida provisória.
Esse tipo de parecer ganhou especial importância depois que o Plenário do STF decidiu que apenas as ações de controle concentrado de constitucionalidade e súmulas vinculantes têm efeitos para além das partes em litígio. As demais aplicam-se apenas aos casos concretos. Nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei em ações de controle concreto, como os recursos com repercussão geral, o Supremo deve oficiar o Senado para que decida se extirpa ou não a lei do ordenamento jurídico.
O parecer sobre a Raposa Serra do Sol se sobrepõe a uma portaria da AGU, de 2012, que mandava os órgãos de assessoria jurídica da União obedecer às diretrizes do Supremo. É que em outubro de 2013 a corte decidiu, em embargos de declaração, que, embora a decisão sobre a Raposa Serra do Sol tenha sido um precedente importante, não tem caráter vinculante. Portanto, só se aplica àquele caso específico, e não a todos os casos sobre o mesmo tempo, conforme o voto do ministro Luís Roberto Barroso, seguido à unanimidade.
Mérito e aplicação
As principais motivações para a publicação do parecer foram a decisão do Supremo nos embargos de declaração e a postura da Fundação Nacional do Índio (Funai) em relação ao assunto. A autarquia, responsável pelos direitos dos povos indígenas no Brasil, se recusava a cumprir os parâmetros da decisão, o que vinha levando a um aumento da judicialização das disputas.
Quando julgou o mérito do pedido, o STF concordou com o critério adotado pela União para demarcar as terras em discussão. O governo de Rondônia, autor da ação, dizia que as terras não eram contínuas, já que ocupadas por diversas etnias diferentes, e não poderiam ser transformadas numa faixa única — o que prejudica a produção agrícola do estado.
Venceu o voto do ministro Ayres Britto, relator, para quem o critério adotado pela União foi constitucional. Mas o Plenário decidiu acrescentar ao voto do ministro as 19 “salvaguardas institucionais” apresentadas pelo ministro Menezes Direito em voto-vista. A intenção dele era que as terras indígenas não se tornassem um território impenetrável dentro das fronteiras brasileiras.
Por isso, ele propôs, por exemplo, que a segurança nacional se sobrepõe aos direitos de usufruto das terras pelos índios. Ou que não índios podem passar e permanecer nas áreas, desde que permitidos pelo ICM-Bio, órgão escolhido pelo Supremo para executar a decisão.
As salvaguardas que mais causaram polêmica foram as de proibição de ampliar a área demarcada e a de escolher a promulgação da Constituição como marco temporal para declarar um pedaço de terra como indígena.
Nos embargos de declaração, interpostos por sete das partes interessadas no processo, o Supremo foi acusado de legislar. Ao fazer as salvaguardas, o tribunal criou normas de conduta abstratas, invadindo a competência do Congresso para criar leis, afirmaram os embargantes.
Por isso, o ministro Barroso explicou que aquelas condicionantes só se aplicavam ao caso concreto da Raposa Serra do Sul, e não eram regras para processos de demarcação de terras indígenas.
Para todos
Embora o Plenário tenha decidido que a decisão só tenha aplicação naquele caso, a 2ª Turma já aplicou as salvaguardas em pelo menos dois mandados de segurança. Ambos de relatoria do ministro Gilmar Mendes, relator da reclamação em que o Supremo decidiu que decisões tomadas em processos subjetivos só vinculam o Judiciário.
Nos mandados de segurança, especialmente no RMS 29.087, o ministro Gilmar disse que, no caso da Raposa Serra do Sol, o tribunal definiu “orientações não apenas direcionadas a esse caso específico, mas a todos os processos sobre o mesmo tema”. “O precedente de Raposa Serra do Sol não se dirige apenas ao caso de Raposa Serra do Sol.”
A principal discussão em ambos os mandados de segurança era o marco temporal para definição das terras indígenas. Nos dois casos, os pedidos foram feitos por particulares que discutiam a declaração, pela Funai, de terras como de posse permanente de etnias indígenas. Em outro mandado de segurança, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi aplicado o entendimento de que as terras demarcadas não podem ser ampliadas, nos termos do que ficou decidido no caso da Raposa Serra do Sol.
“Está comprovado, portanto, que não se trata de um caso isolado, mas de entendimento jurisprudencial solidificado, que de fato pode fornecer as balizas gerais para a atuação dos órgãos da Administração Pública”, diz o parecer da AGU publicado no Diário Oficial da União desta quinta.
Clique aqui para ler o parecer.
FONTE: Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2017-jul-20/decisao-raposa-serra-sol-vale-toda-administracao
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