Lideranças dizem que barragem destruiu lugares sagrados como as corredeiras de Sete Quedas e comprometeu a qualidade da água e da pesca, além do lazer.
A Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires iniciou nesta terça-feira (30) um seminário de quatro dias para realizar a avaliação final do Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI) executado entre os anos de 2013 e 2017, em Alta Floresta, município do norte do Mato Grosso. Participam do seminário cerca de 190 indígenas das etnias Kayabi, Munduruku e Apiaká, que vivem nas comunidades diretamente afetadas por impactos socioambientais causados pelo empreendimento no rio Teles Pires, entre as regiões do Mato Grosso e Pará. Lideranças indígenas das três etnias denunciaram falhas na execução do PBAI e a falta de participação indígena na construção dos programas e execução das atividades.
Pela manhã, logo após a abertura do seminário, os indígenas pediram para que os representantes da empresa Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP) e da Funai – responsáveis pela metodologia e execução do seminário -, deixassem a sala onde o seminário acontecia, o que foi aceito pelos funcionários. Internamente, os indígenas debateram sobre os impactos da usina e estratégias de atuação junto às suas lideranças e parceiros, como integrantes do Fórum Teles Pires e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que estão acompanhando a atividade a convite dos indígenas.
Após o debate feito entre os indígenas, as atividades do seminário continuaram com as participações dos representantes da UHE Teles Pires e Funai. Lideranças questionaram a empresa pela não execução de obras nas aldeias que estavam previstas no PBAI e não foram entregues até hoje.
“Depois que vocês viram que não tem condição de construir dentro do prazo e entregar dentro do prazo como manda, eu acho um absurdo vocês agora quererem passar a bola pra nós”, reclamou Raimundo Apiaká sobre o não cumprimento de obras como casa de farinha e pequenas marcenarias nas aldeias.
Licenças sem consultas
O Ministério Público Federal já ajuizou sete ações civis públicas sobre violações dos direitos humanos e da legislação ambiental no planejamento, licenciamento e implantação da UHE Teles Pires. Entre outras irregularidades, questionou-se a concessão de uma Licença Prévia para o empreendimento em dezembro de 2010 sem um estudo de componente indígena do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) devidamente elaborado e aprovado, e sem qualquer processo de consulta livre, prévia e informada junto aos povos indígenas, apesar de graves impactos iminentes, como a destruição das corredeiras de Sete Quedas, local sagrado para os povos indígenas e de grande importância para a reprodução de peixes migratórios essenciais para a subsistência das populações locais.
Sob intensa pressão política, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a Licença Prévia para o empreendimento em dezembro de 2010, contrariando posições de sua equipe técnica, de técnicos da Funai e antropólogos envolvidos nos estudos de impacto ambiental.
Em agosto de 2011, o Ibama concedeu a Licença de Instalação para a UHE Teles Pires, mesmo sem o cumprimento de condicionantes da Licença Prévia, tais como a preparação e aprovação pela Funai, com aval dos indígenas, de um programa de mitigação e compensação de impactos socioambientais (PBAI).
O Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) é uma exigência da Fundação Nacional do Índio (Funai) no qual o empreendimento apresenta os programas de compensação e de mitigação causados nas populações indígenas. Os PBAI deve apresentar programas específicos para cada impacto.
Com as obras em ritmo acelerado, em contraste com ações socioambientais praticamente paradas, o Ibama concedeu a Licença de Operação para a UHE Teles Pires no final de 2014, que permitiu o enchimento do reservatório e início da geração de energia.
Depois de mais de seis anos de atuação na região, até hoje muitas lideranças indígenas afirmam nem saber o que é o PBAI, que deveria ser o principal instrumento de compensação dos impactos causados pela usina.
Durante todo este período as comunidades indígenas estão sofrendo diretamente as consequências das barragens, desde a destruição de lugares sagrados como as corredeiras de Sete Quedas até o comprometimento da qualidade da água e da pesca, atividade essencial para a sua subsistência.
“Por que as nossas crianças indígenas estão pegando diarreia? Por causa de quê? Porque antes das hidrelétricas chegarem não acontecia nada. As crianças gostam de banhar, gostam de beber água e não acontecia nada”, questionou Candido Waro Munduruku aos funcionários da UHE presente no seminário.
“Hoje em dia as pessoas banham e pegam coceira, pegam alguma coisa de doença. A gente sabe que por causa da construção das usinas está deixando nosso rio muito sujo.”, reforçou Candido.
A construção da UHE Teles Pires, assim como todos os grandes empreendimentos na Amazônia, foi marcada pela ausência de qualquer processo de consulta e consentimento livre, prévio e informado junto aos povos indígenas, conforme determinado pela legislação brasileira e acordos internacionais com os quais o Brasil faz parte (UNDRIP, Convenção 169 da OIT e Sistema Interamericano de Direitos Humanos). Tal violação dos direitos indígenas foi objeto de outra Ação Civil Pública do MPF em março de 2012.
A grande maioria das ações ajuizadas pelo Ministério Público tem recebido liminares e outras decisões judiciais favoráveis ao MPF e às comunidades afetadas, mas essas decisões têm sido inviabilizadas pela utilização de um instrumento jurídico da época da ditadura militar, a Suspensão de Segurança, que permite o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender, de forma monocrática, sentenças judiciais de instâncias inferiores.
A Usina Hidrelétrica Teles Pires foi construída no rio de mesmo nome da obra na fronteira dos municípios de Jacareacanga, no Pará, e Paranaíta, em Mato Grosso. Sua potência instalada é de 1.820 megawatts, energia que a empresa abastece uma população de 5 milhões de habitantes. A empresa diz que dentro da área de atuação são desenvolvidos 45 programas socioambientais “integralmente alinhados aos princípios da sustentabilidade que buscam a preservação ambiental da fauna, flora, água e solo local, além da promoção de atividades culturais, econômicas e sociais na região.” A usina foi implantada e é operado pela Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), formada atualmente pelas empresas Neoenergia, Eletrobrás Furnas e Eletrosul.
Os indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká relatam muitos danos ambientais por causa da usina de Teles Pires. No ano passado, outra hidrelétrica provou danos ambientais ao rio Teles Pires e as comunidades indígenas. De acordo com investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso, um vazamento de óleo foi detectado quando a empresa Energia São Manoel S.A. fez a remoção de uma ensecadeira (um dique temporário usado para manter a água fora do local de construção) e a abertura do vertedouro a jusante (depois da barragem) do rio Teles Pires, atividades que fazem parte das obras de construção da usina hidrelétrica de São Manoel.
Caio Mota, colaboração para a Amazônia Real
Ao longo da semana a reportagem da Amazônia Real vai publicar mais notícias sobre o seminário em Alto Floresta (MT) e os encaminhamentos realizados pelas lideranças indígenas etnias Kayabi, Munduruku e Apiaká.
FONTE: http://amazoniareal.com.br/2017/05/
VER FOTOS EM: http://amazoniareal.com.br/indigenas-denunciam-falhas-no-programa-ambiental-da-usina-teles-pires/
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