Outra contribuição das barragens ao aquecimento global vem da madeira da floresta que é inundada. Isto representa um estoque substancial de carbono que leva a uma emissão de CO2 pela decomposição das árvores mortas que projetam fora da água. Esta emissão de CO2 se soma ao grande pulso de produção de metano pela decomposição abaixo da água das folhas que caem dessas árvores. A Hidrelétrica de Balbina é o pior exemplo, com um grande reservatório raso que gera pouca energia.

O reservatório de Balbina tem aproximadamente 3.300 ilhas [1], aumentando o impacto na floresta e também formando milhares de baías com água parada. A hidrelétrica tem mais impacto que a geração da mesma energia com combustível fóssil [2]. Embora um grupo do Canadá já havia identificado hidrelétricas naquele país como fontes de gases de efeito estufa dois anos antes [3], foi a minha publicação de 1995 que provocou uma reação ferrenha da indústria hidrelétrica no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

A Associação de Energia Hidrelétrica dos E.U.A. chamou a ideia de uma “asneira” (ver [4]). Mas as outras barragens amazônicas também permanecem piores que combustíveis fósseis durante muitos anos, como no caso de Tucuruí, Samuel e Curuá-Una [5, 7]. O então presidente da ELETROBRÁS me atacou como sendo sujeito às “tentações” dos lobbies nucleares e de termoelétricas [8], e de estar apenas fazendo “reivindicações políticas” ([9]; ver respostas: [10, 11]. Lançou a seguinte explanação do fenômeno:

“Embora ele [Fearnside] selecionou a Coca-Cola como exemplo, que é altamente simbólico de sua maneira de pensar, pois ele podia igualmente bem ter escolhido o guaraná – um refrigerante que é muito popular no Brasil, aromatizado com bagas amazônicas. É mais fácil ver as bolhas, pois o guaraná é transparente, enquanto a Coca-Cola é escura. As pessoas no Brasil muitas vezes se sentam em torno de uma mesa para conversar enquanto bebem, com as garrafas abertas e os copos cheio durante meia hora ou mais, sem perder completamente as bolhas. Em vez de fast food, o costume brasileiro é uma bebida relaxante.” [9].

 Isto é a origem do termo “fizzy science” (“ciência efervescente”), com referência ao barulho que as bolhas fazem quando saem de um refrigerante. “Fizzy Science” é o título da publicação de International Rivers (uma ONG ambientalista) sobre o papel de conflitos de interesse da indústria hidrelétrica em pesquisa sobre as emissões das barragens [12].[15]

NOTAS

[1] Feitosa G.S., Graça P.M.L.A. & Fearnside P.M. (2007) “Estimativa da zona de deplecionamento da hidrelétrica de Balbina por técnica de sensoriamento remoto” In  Epiphanio, J.C.N. Galvão L.S. & Fonseca L.M.G. (eds.) Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil 21-26 abril 2007. Instituto Nacional d e Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos, São Paulo. pp. 6713–6720. http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2006/11.13.15.55/doc/6713-6720.pdf

[2] Fearnside, P.M. (1995) “Hydroelectric dams in the Brazilian Amazon as sources of ‘greenhouse’ gases” Environmental Conservation 22(1) 7-19. doi: 10.1017/S0376892900034020

[3] Rudd J.W., Harris M., Kelly C.A. & Hecky R.E. (1993) “Are hydroelectric reservoirs significant sources of greenhouse gases?” Ambio, 22 246-248.

[4] IRN (International Rivers Network) (2002) “Flooding the land, warming the Earth: Greenhouse gas emissions from dams” IRN, Berkeley, California, E.U.A. 18 pp. http://www.ircwash.org/sites/default/files/McCully-2002-Flooding.pdf

[5] Fearnside P.M. (2005) “Brazil’s Samuel Dam: Lessons for hydroelectric development policy and the environment in Amazonia” Environmental Management, 35(1) 1-19. doi: 10.1007/s00267-004-0100-3

 [6] Fearnside P.M. (2005) “Do hydroelectric dams mitigate global warming? The case of Brazil’s Curuá-Una Dam” Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change, 10(4) 675-691. doi: 10.1007/s11027-005-7303-7

[7] Fearnside P.M. (2002) “Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications” Water, Air and Soil Pollution, 133(1-4) 69-96. doi: 10.1023/A:1012971715668

[8] Fearnside P.M. (2004) “Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams: Controversies provide a springboard for rethinking a supposedly ‘clean’ energy source” Climatic Change, 66(1-2) 1-8. doi: 10.1023/B:CLIM.0000043174.02841.23

[9] Rosa L.P., dos Santos M.A., Matvienko B., Sikar E. & dos Santos E.O. (2006) “Scientific errors in the Fearnside comments on greenhouse gas emissions (GHG) from hydroelectric dams and response to his political claiming” Climatic Change, 75(1-2) 91-102. doi: 10.1007/s10584-005-9046-6

[10] Fearnside P.M. (2004) “Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams: Controversies provide a springboard for rethinking a supposedly ‘clean’ energy source” Climatic Change, 66(1-2) 1-8. doi: 10.1023/B:CLIM.0000043174.02841.23

[11] Fearnside P.M. (2006) “Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams: Reply to Rosa et al.” Climatic Change, 75(1-2) 103-109. doi: 10.1007/s10584-005-9016-z

[12] McCully P. (2006)Fizzy science: Loosening the hydro industry’s grip on greenhouse gas emissions research” International Rivers Network, Berkeley, California, E.U.A. 24 pp. http://www.irn.org/pdf/greenhouse/FizzyScience2006.pdf.

[13] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.

[14] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In  Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.

[15] Este texto é traduzido e atualizada de [13], que foi adaptado de [14].  As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).

Leia os artigos da série: Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série

Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 4 – Barragens como “energia limpa”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 5 – A “Fábrica de metano”

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

FONTE: Amazônia Real

VER MAIS EM:

http://amazoniareal.com.br/2017/06/   

http://amazoniareal.com.br/desinformacao-no-eia-de-belo-monte-6-coca-cola-versus-guarana/